A frase acima deu um nó na sua cabeça? Eu explico, antes de revelar a versão final da lista dos melhores filmes que vi em 2020.
Os cinemas de Porto Alegre fecharam as portas na metade de março (o dia 19 foi o primeiro na história do Brasil sem estreias), por causa da pandemia, e só reabriram na última semana de outubro — para suspenderem de novo as atividades no comecinho de dezembro. Resumindo, operaram durante apenas três meses e meio.
O coronavírus também alterou todo o calendário dos grandes lançamentos — Viúva Negra, 007: Sem Tempo para Morrer, Um Lugar Silencioso — Parte 2, Godzilla vs Kong, Top Gun: Maverick e Os Eternos, só para citar alguns, passaram para 2021. A refilmagem realista de Mulan saiu direto no streaming, assim como Soul, nova animação da Pixar, entra no catálogo da Disney Plus na sexta-feira (25) — com potencial para figurar na minha lista, mas só poderei ver o desenho no feriadão. Tenet foi um dos poucos blockbusters de Hollywood a estrearem nas salas convencionais, a exemplo da Mulher-Maravilha 1984, que acabou de chegar (mas não na Capital).
Faltou cinema, o espaço físico, mas não faltou cinema — e bom cinema. Juntando o que assisti nas salas de Porto Alegre e nas plataformas de streaming, precisei abandonar minha ideia de listar os 20 melhores filmes de 2020. Tive de fazer 20+20 para representar o ano que está acabando. Importante frisar que é um ranking afetivo, não uma retrospectiva: vai faltar aquela obra multipremiada nos festivais, vai faltar aquele longa que foi o primeiro a fazer ou retratar tal coisa.
Alguém pode achar que fui muito generoso, tudo bem. Se for, é uma generosidade sincera — só cruzaram a linha de chegada 40 títulos que realmente me conquistaram (com alguns arranjos, couberam mais de 40, e ainda assim lamento ter deixado alguns de fora ou não ter visto, por causa de outras demandas, os longas da Mostra Internacional de São Paulo). Valeram apenas filmes que estrearam nos cinemas brasileiros ou no streaming a partir de 1º de janeiro. Muitos estão disponíveis em plataformas como Amazon Prime Video, Apple TV, Netflix, Now e Telecine, e vários devem aparecer nas indicações ao Oscar 2021. Mais de 15 países estão representados, e quase todos os filmes foram comentados aqui na coluna — clique nos links se quiser saber mais. E deixe seu comentário, nem que seja para chorar uma ausência ou reclamar de uma presença.
Menções honrosas: para Tudo Bem no Natal que Vem (Netflix), capaz de surpreender (e até fazer chorar) mesmo quem torce o nariz para o comediante Leandro Hassum; para os curtas de Feito em Casa (Netflix), em que diretores e atrizes como Pablo Larraín, Paolo Sorrentino e Kristen Stewart refletem sobre os efeitos da pandemia e do distanciamento social; para a estética de Estranho (Ucrânia) e Uma História Cabeluda (Irã), filmes apresentados no Fantaspoa — Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre e sem previsão de estreia comercial; para os monólogos de Jamie Foxx e Rob Morgan sobre racismo e pena de morte em Luta por Justiça (disponível em Apple TV, HBO Go, Google Play e YouTube); para Maria Bakalova, a atriz búlgara que encarnou a filha de Borat em Fita de Cinema Seguinte (Amazon Prime Video); e para o debate proposto pelo documentário Meet the Censors (Amazon Prime Video): censura pode ser positiva?
40) O Diabo de Cada Dia: filho do jornalista Lucas Mendes, o americano Antonio Campos opôs Homem-Aranha (Tom Holland) e Batman (Robert Pattinson) e aproximou a religião da violência. (Netflix)
39) Aos Olhos de Ernesto: Ana Luiza Azevedo fez um filme que olha com afeto para a velhice, para a memória e para Porto Alegre. (Now e, a partir de 23/12, Canal Brasil — consulte a programação)
38) Você nem Imagina: o que parece, pela sinopse, uma típica comédia romântica adolescente ganha soluções inesperadas, doses de melancolia e uma abordagem muito sensível para com os personagens. (Netflix)
37) A Ligação: em uma casa do interior da Coreia do Sul, uma jovem de 28 anos atende o telefone e descobre estar falando com outra jovem de 28 anos que está ligando da mesma casa, mas 20 anos trás. De forma aflitiva, ações no passado reverberam no presente. (Netflix)
36) M8 — Quando a Morte Socorre a Vida: criador do Dogma Feijoada, o cineasta Jeferson De assina este drama com toques sobrenaturais sobre o racismo estrutural no Brasil — o protagonista é o único negro na turma de Medicina, intrigado pelo fato de todos os corpos da aula de anatomia serem de pessoas negras. Iria estrear em Porto Alegre em 3 de dezembro, na semana em que os cinemas foram fechados de novo por causa da covid-19.
35) Jojo Rabbit: a sátira sobre Hitler não deixa de lado os perigos do nazismo. (Apple TV, Telecine, Google Play e YouTube)
34) Resgate: o australiano Chris Hemsworth protagoniza o grande filme de ação da temporada. (Netflix)
33) Tempo de Caça: o sul-coreano Yoon Sung-hyun dirige o grande filme policial da temporada. (Netflix)
32) Contornando a Morte, Mystify: Michael Hutchence e As Mortes de Dick Johnson: três documentários em que a morte é protagonista. No primeiro, uma família tailandesa congela o cérebro da filha de dois anos, vítima de câncer, na esperança de poder ressuscitá-la no futuro. No segundo, uma rica coleção de vídeos caseiros e de depoimentos de ex-namoradas permite mergulhar no íntimo do vocalista da banda australiana INXS, que se suicidou aos 37 anos. No terceiro, uma cineasta, ao homenagear em vida o pai, que começa a sentir o impacto do Alzheimer, também celebra o cinema, capaz de eternizar as coisas e as pessoas, e capaz também de matar sem matar. (Netflix)
31) O Homem Invisível: personagem clássico do terror é transformado em símbolo dos relacionamentos abusivos. (Apple TV, Now, Telecine, Google Play e YouTube)
30) O Chão Sob meus Pés: vem da Áustria um grande filme sobre a pressão que as mulheres sofrem nos ambientes de trabalho. (Now)
29) Barry Fritado: um alienígena possui o corpo de um sul-africano doidão e passa a explorar a Terra em uma jornada de sexo, drogas e violência, mas também de afeto, reconciliação e até heroísmo. (Exibido no Fantaspoa e sem previsão de estreia)
28) Butt Boy: um estudo sobre compulsão e solidão que parte de uma premissa escatológica para demonstrar insuspeitada sensibilidade. (Exibido no Fantaspoa e sem previsão de estreia)
27) Entre Realidades / Joias Brutas: dois atores associados a papéis cômicos — Alison Brie e Adam Sandler — vivem personagens com um distúrbio mental que distorce suas leituras da vida. Como os dois filmes foram lançados na mesma semana, considero como um díptico. (Netflix)
26) Zumbis no Canavial — O Documentário: será que George A. Romero se inspirou em um obscuro filme argentino para fazer o clássico A Noite dos Mortos-Vivos? (Exibido no Fantaspoa e sem previsão de estreia)
25) O Poço: nesta distopia espanhola, um homem acorda em um presídio vertical que representa a desigualdade social no mundo. (Netflix)
24) Os 7 de Chicago: a reconstituição de um infame julgamento de 1969 reflete sobre a política do presidente Donald Trump. (Netflix)
23) Destacamento Blood: a Guerra do Vietnã e a era Trump conectadas por Spike Lee e pelo reencontro de quatro ex-soldados negros. (Netflix)
22) Mosul: um filme de guerra americano incomum — o conflito contra o Estado Islâmico é visto e falado pela perspectiva dos iraquianos. (Netflix)
21) Mank: com um olhar entre o cínico de o nostálgico, David Fincher revisita a Hollywood dos anos 1930 e os bastidores do clássico Cidadão Kane (1941). (Netflix)
20) Babenco — Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou: o poético documentário de Bárbara Paz sobre o cineasta de Pixote: A Lei do Mais Fraco, O Beijo da Mulher-Aranha e Carandiru representa o Brasil na briga por uma vaga no Oscar de melhor filme internacional. Estava em cartaz nos cinemas até o fechamento das salas por causa da pandemia.
19) Mignonnes: o polêmico filme de diretora franco-senegalesa levanta o debate sobre a adultização e a sexualidade infantil — o que nossas crianças andam imitando? Qual é o papel dos pais e responsáveis? (Netflix)
18) Ninguém Sabe que Estou Aqui: neste filme chileno, Jorge García, o Hurley de Lost, dá show em um solo silencioso. (Netflix)
17) Estou Pensando em Acabar com Tudo: de carro, um casal de namorados convida o público a, literalmente, embarcar em uma viagem verborrágica dirigida pelo americano Charlie Kaufman. (Netflix)
16) Adoráveis Mulheres: em um filme com atuações, música e figurinos arrebatadores, um dos grandes acertos foi a mudança na estrutura cronológica do livro — os flashbacks comparam e opõem situações e emoções. (Apple TV, Google Play e YouTube)
15) Zana: o trauma de uma mulher se mistura ao trauma de um país, o Kosovo, ambos marcados pela guerra de 1999, que matou a filha única da protagonista. (Exibido no Fantaspoa e sem previsão de estreia)
14) O Farol: um farol, dois marinheiros e inúmeras possibilidades de interpretação em um espetáculo de virtuosismo técnico em um ambiente claustrofóbico. (Apple TV, Now, Telecine, Google Play e YouTube)
13) 1917: uma mensagem, dois soldados e outro espetáculo de virtuosismo técnico, agora em meio ao horror da Primeira Guerra Mundial. (Apple TV, Now, Telecine, Google Play e YouTube)
12) Laço Materno: filme japonês sobre a relação tóxica entre uma mãe irresponsável e seu filho foi o mais triste do ano. (Netflix)
11) Ausente: na Finlândia, um pai descobre a capacidade de, aleatoriamente, se teletransportar para algum lugar do mundo — o que começa em tom de comédia culmina em um final dilacerante. (Exibido no Fantaspoa e sem previsão de estreia)
10) Pedra, Papel e Tesoura: dois irmãos argentinos, Jesus e Maria José, recebem a visita da meia-irmã, Magdalena, após a morte do pai, dando início a um suspense claustrofóbico. (Exibido no Fantaspoa e sem previsão de estreia)
9) Crimes de Família: um retrato da tradicional família hipócrita, que cultiva na aparência os vínculos afetivos e dorme sob a proteção de Cristo, mas é capaz de mentir, burlar, ameaçar, corromper. (Netflix)
8) O que Ficou para Trás: a tragédia dos refugiados (no caso, da guerra civil no Sudão do Sul) inspira um poderoso filme de terror. (Netflix)
7) A Voz Suprema do Blues: o último filme estrelado por Chadwick Boseman só intensifica a saudade deixada pelo ator de Pantera Negra, morto em agosto, aos 43 anos, de câncer. (Netflix)
6) Rede de Ódio / O Dilema das Redes: a ficção polonesa e o documentário americano formam uma dobradinha quase obrigatória para os dias de hoje. O primeiro mostra o impacto de haters, milícias digitais e fake news na vida real. O segundo expõe as engrenagens das gigantes da tecnologia e aponta as consequências globais da mudança nos comportamentos pessoais. (Netflix)
5) Os Miseráveis: via drone ou com a câmera na mão, um olhar exasperante sobre as tensões sociais nos subúrbios de Paris. (Apple TV, Google Play e YouTube)
4) Emicida: AmarElo — É Tudo pra Ontem: documentário que conjuga, com harmonia e contundência, os bastidores de um show do rapper no Theatro Municipal, em São Paulo, à história da cultura e da luta dos movimentos negros no Brasil. (Netflix)
3) O Som do Silêncio: um baterista de punk metal começa a ficar surdo no segundo filme mais bonito do ano. (Amazon Prime Video)
2) Retrato de uma Jovem em Chamas: em 1770, em uma ilha francesa, a paixão entre duas mulheres é como uma pintura que vai ganhando camadas de tinta até nos hipnotizar. (Apple TV, Now, Telecine, Google Play e YouTube)
1) Você Não Estava Aqui: o octogenário cineasta inglês Ken Loach fez o grande filme sobre a precarização do trabalho. (Apple TV, Now, Telecine, Google Play e YouTube)