O Dilema das Redes, na Netflix, é o documentário que todos devemos ver. Todos nós que lidamos direta – como usuários – ou indiretamente (como pais, filhos, irmãos, companheiros, amigos etc) com as mídias sociais.
Todos os que sofremos por antecipação: quantos vão curtir meu post?; vão curtir meu post?; ninguém curtiu meu post, e agora, o que eu faço da vida? – e se nós, adultos, somos afetados, imagine crianças e adolescentes, desde cedo expostas a esses tribunais da autoestima.
Todos os que nos flagramos rolando a tela do smartphone minutos (horas!) a fio, à procura de um prazer instantâneo ou de um alívio para o tédio, não raro sem nos darmos conta de que, nesse tempo, nós é que estamos sendo assistidos: como explicam os entrevistados pelo diretor Jeff Orlowski – todos conhecedores das engrenagens dessas empresas e plataformas, como Tristan Harris, que era especialista em ética do design no Google, Justin Rosenstein, engenheiro que foi um dos inventores do botão de "curtir" no Facebook, Jeff Seibert, ex-Twitter, Bailey Richardson, ex-Instagram, e Guillaume Chaslot, ex-YouTube, e todos nitidamente arrependidos por algumas de suas criações –, a inteligência artificial por trás das mídias sociais observa, mapeia e captura nossas preferências, de modo que da próxima vez a "mágica" operada seja mais rápida e mais duradoura.
Todos que nos perguntamos o quão dependentes e viciados nos tornamos e que criamos estratégias de afastamento e de desintoxicação frustradas ao primeiro apito de uma notificação – o apelo dessa "chupeta digital", como define Harris, é muito grande.
Todos que estamos encharcados pelos discursos de ódio amplificados por essas plataformas, que, contrariando sua natureza supostamente aglutinadora, vêm exercendo um enorme poder para a desagregação – as bolhas em que nos protegemos e nos iludimos, incapazes de lidarmos com o outro, refratários ao diferente, comungando apenas com quem tem o mesmo credo, o mesmo pensamento.
Todos os que, especialmente à época de eleições e agora na pandemia, ficamos assustados com a quantidade de desinformação, mentiras e teorias da conspiração que circulam livremente (no Twitter, fake news se espalham seis vezes mais rápido do que notícias), a ponto de alterar a percepção da realidade, destruir as verdades que compõem o tecido social – se você abrir um verbete da Wikipédia em Porto Alegre ou em Londres, as informações serão idênticas, mas se você acessar o Facebook na sua casa e na do vizinho, o feed será totalmente diferente, compara o cientista da computação Jaron Lanier, um dos precursores da realidade virtual e autor do livro Dez Argumentos para Você Deletar Agora suas Redes Sociais; vale o mesmo para as pesquisas no Google.
Todos que nos preocupamos com a polarização política potencializada pelas redes, um tribalismo que, na opinião de Tim Kendall, ex-presidente do Pinterest, pode culminar em uma guerra civil.
Todos que assistimos à ascensão do extremismo, do populismo e do obscurantismo favorecida pelo casamento explosivo entre essa polarização e essa desinformação, que muitas vezes ocorre por interesses políticos– o documentário mostra como a mudança de comportamentos pessoais vem causando efeitos globais.
Todos que temos filhos nativos digitais que, nestes seis meses de distanciamento social, afastados da vida lá fora, podem ter mergulhado mais fundo no pântano – nossas crianças e nossos adolescentes estão se despreparando para enfrentar as adversidades, tanto é que, afirmam fontes ouvidas por Orlowski, vem caindo o número de relacionamentos não virtuais na faixa etária, ao passo que vem crescendo as estatísticas de suicídios e de tentativas de suicídio.
Todos que, por ene motivos, profissionais ou familiares, precisamos estar conectados, mas entendemos que estamos nos excedendo, percebemos os efeitos nocivos – ao final dos 90 e poucos minutos de filme, seremos brindados por dicas preciosas para um uso mais saudável das redes sociais.
Enfim: O Dilema das Redes (The Social Dilemma, 2020) é o documentário que todos devemos ver. Mas talvez seja o caso de conter nosso impulso de sair compartilhando o que vimos, o que fazemos, o que vivemos.