Rede de Ódio, filme polonês lançado pela Netflix no final de julho, é um daqueles casos em que o título brasileiro mostra-se mais acertado do que o original. Hejter, ou The Hater, no mercado em inglês, é um bom nome, facilmente reconhecível e absolutamente atual, mas parece individualizar um problema bastante coletivo. Um odiador precisa de plateia e, não raro, de colegas de elenco e de um produtor, de alguém nos bastidores que lhe dê não apenas os recursos, mas também o próprio alvo. Sim, se o "amor" pode ser comprado, por que o ódio não seria?
A rede do título nacional também alude ao palco dos haters: Facebook, Twitter, Instagram... As redes sociais são os cenários ideais para o trânsito desses personagens, às vezes maquiados sob perfis falsos, em outras, como nas superproduções de Hollywood, literalmente gerados por computador – os chamados bots. Não à toa, recentemente, na esteira dos protestos decorrentes do caso George Floyd, um grupo de marcas anunciantes decidiu boicotar o Facebook e o Instagram por entender que as empresas de Mark Zuckerberg são lenientes ou mesmo cúmplices dos discursos de ódio e de sua irmã, a política da desinformação.
Esse contexto faz de Rede de Ódio o filme do momento, uma dessas obras que todos deveriam ver. E, de fato, apesar de não ter atores ou um diretor que atraem público, está no top 10 da Netflix, posição alcançada com a ajuda de um trailer mais juvenil e agitado do que o longa-metragem realmente é. Ainda assim, suas duas horas e 16 minutos de duração passam voando, tamanho o envolvimento proporcionado, tamanha a perturbação provocada.
O mérito pode ser dividido por três. Atrás das câmeras, estão o roteirista Mateusz Pacewicz, 28 anos, e o diretor Jan Komasa, 38, a mesma dupla de Corpus Christi (2019), indicado ao Oscar de melhor filme internacional. À frente, está ator Maciej Musialowski, 26, que alguém já definiu como uma esfinge: é difícil decifrar as emoções que seu rosto camufla, e mesmo quem fizer isso pode acabar devorado.
Musialowski interpreta Tomasz Giemza, um jovem estudante de Direito de Varsóvia que tem seu caráter revelado logo nas primeiras cenas do filme: ele plagiou um trabalho acadêmico e acaba expulso da faculdade. Ao se despedir de uma professora que participou da decisão, pede para que ela autografe um livro. Instantes depois, na casa de uma família rica que lhe ajuda financeiramente graças a um passado em comum em uma cidadezinha, Tomasz vai mostrar a dedicatória como prova de como é apreciado pelo corpo docente.
Tomek, como ele é conhecido, quer ser aceito pelos Krasucki (Jacek Koman, de Silêncio na Floresta, e Danuta Stenka, de Katyn), aos quais, em uma falsa intimidade, chama de "tio" e "titia". Mais do que isso: quer namorar Gabi (Vanessa Aleksander), a filha caçula dos Krasucki. Para dar conta de seus objetivos, o jovem vai inventar, mentir, trapacear – mas quase sempre profissionalmente.
Isso mesmo: Tomek arranja emprego na Best Buzz, uma empresa de monitoramento de redes sociais na fachada, um escritório de difamação na prática. Seu primeiro trabalho de destaque é criar uma campanha para desmoralizar uma influenciadora digital da área de nutrição. O êxito vai render pontos preciosos com a manda-chuva do negócio, Beata Santorska (Agata Kulesza, de Guerra Fria). É hora de o protagonista e de o próprio filme subirem de patamar.
Rede de Ódio torna-se ainda mais relevante e contundente ao misturar as esferas comportamental e política. Tomek ganha a missão de influir – negativamente, é claro – nas eleições para prefeito de Varsóvia. O alvo é um candidato mais liberal, Pawel Rudnicki (Maciej Stuhr), e o caldo é a onda de conservadorismo, xenofobia e extremismo que se espalha pela Europa.
A partir daí, o roteirista Pacewicz e o diretor Komasa detalham, sem exagerar no didatismo e com muitos pontos de conexões com a realidade (que inclusive forçaram o adiamento da estreia), as engrenagens das milícias digitais e da fabricação de fake news – um serviço, não raro, dirigido e financiado. Expõem a tolerância das redes sociais em relação às fraudes e nossa vulnerabilidade ao engodo – e também nossa volúpia pelo cancelamento. Ao mesmo tempo, mostram o poder destrutivo que um único indivíduo pode desencadear.
Surge aqui um ponto de Rede de Ódio capaz de provocar revolta ou autocrítica. Ainda que o filme deixe evidente que Tomek é manipulador, mentiroso e nocivo, sua vingança cibernética pode ser considerada "justificada", a exemplo daquela empreendida pelo Coringa, uma vez que os Krasucki, pelas costas, desprezam e ridicularizam o jovem. Os personagens dessa família defendem causas nobres e costumeiramente associados à esquerda, mas também são esnobes e egoístas. É como se Komasa e Pacewicz, simultaneamente, cutucassem um nervo e soassem um alarme sobre os monstros reais criados à sombra do idealismo.