Ninguém Sabe que Estou Aqui (2020) traz o primeiro forte rival de Delroy Lindo (por Destacamento Blood) ao prêmio informal de melhor atuação masculina nesta longa temporada de coronavírus (no Brasil, as últimas estreias em cinema ocorreram em 12 de março; nos Estados Unidos, a reabertura está por acontecer). Jorge Garcia, que vivia o falastrão e cômico Hurley no seriado Lost (2004-2010), dá um show de silêncio e melancolia no filme do Chile lançado em junho pela Netflix.
Coproduzido por Pablo Larraín — roteirista de Tony Manero (2008) e diretor de No (2012), O Clube (2015), Neruda (2016) e Jackie (2016) —, Ninguém Sabe que Estou Aqui, por sua vez, candidata-se a ser um dos filmes mais belos do ano. Suas imagens, que podem parecer demoradas para alguns espectadores, traduzem o espírito e a penitência do protagonista. O tempo dilatado abre espaço para Garcia, 47 anos, explorar as expressões, geralmente contidas, e o gestual, não raro eloquente, de seu personagem.
Filho de pai chileno e mãe cubana, o ator americano interpreta Memo. Ele é praticamente um ermitão, isolado em algum lugar ao sul, frio e desprovido de luxos. Arredio, mal se comunica com o tio Braulio (Luis Gnecco), a quem auxilia no manejo e na tosquia do rebanho ovino.
Mas Memo leva uma vida dupla. Às escondidas, atravessa o rio e invade casas, onde mergulha em um ofurô, por exemplo. Ou então embrenha-se na floresta, levando consigo seus fones de ouvido e uma capa coberta por lantejoulas. As mesmas mãos que se sujam com o sangue das ovelhas revelam unhas pintadas de azul.
Com paciência e delicadeza, o diretor Gaspar Antillo — vencedor do prêmio de realizador estreante no Festival de Tribeca, nos Estados Unidos — vai nos tornando íntimos de seu protagonista. Memo é um sonhador, que teve de sufocar mas nunca esqueceu o brilhante futuro que sua voz prometia. Memo é um solitário, mas que anseia pelo calor de uma plateia que imagina quando está se apresentando no meio das árvores.
Memo, como imagens estilo VHS mostram em flashbacks que pontuam a trama parcimoniosamente, foi um cantor mirim. Desses que tentam a sorte em programas como The Voice Kids. Mas episódios traumáticos — que cabem ao espectador descobrir — interromperam sua carreira. Já que não podia mais usar sua voz, Memo acabou se calando.
O conflito dramático se dá quando alguém, contrariando o título, descobre que Memo está lá. Aí, o corpanzil não é mais suficiente para represar sua mágoa. Afloram questões como a pressão que os pais exercem sobre os filhos — não raro depositários de esperanças ou desejos dos primeiros — e as regras do showbiz, em que a imagem pode pesar mais do que o talento. E para todo o sempre os versos da canção em inglês que Memo interpretou na infância (composta por Carlos Cabezas) serão uma tradução tão linda quanto lancinante da frustração, da solidão e da angústia: "Nobody knows I'm here / Yeah, yeah, yeah / Nobody is talking to me and / No one can set me free /Nobody knows I'm here / Yeah, yeah, yeah / Someday the stars over me / Will fill what I need to feel".