Já deve ter acontecido com você também: começa a assistir a um seriado de suspense policial, atraído pelo título evocativo, pelo enigma proposto em sua sinopse ou pelos antecedentes de seus criadores, mas acaba assistindo até o final apenas porque já havia começado. Quase por inércia ou apenas por teimosia, atravessamos de um episódio ao outro já sem a mesma paixão suscitada pelo mistério apresentado na estreia.
Foi mais ou menos o que aconteceu comigo diante de Silêncio na Floresta, minissérie em seis capítulos que entrou em cartaz há poucos dias na Netflix e está no top 10 da plataforma de streaming. O nome tem um bom apelo, unindo duas palavras costumeiramente associadas a segredos e medo. O fiapo de trama que aparece na tela é suficiente para nos envolver: em 1994, um acampamento de verão para adolescentes vira palco de um crime brutal. Vinte e cinco anos depois, a polícia pede ajuda a um promotor para identificar um corpo. Que crime foi esse? Qual a relação entre uma coisa e a outra?
Um certo exotismo torna ainda mais irresistível o convite: este é feito em polonês, idioma pouco usual entre as obras que chegam ao Brasil (embora, também recentemente, a mesma Netflix tenha lançado os filmes 365 dni e Morte às Seis da Tarde). Quando os créditos de abertura revelam que o seriado é baseado em livro do escritor americano Harlan Coben, aí eu adentrei com estardalhaço a tal floresta.
É que Coben também escreveu as histórias adaptadas por duas eletrizantes minisséries inglesas disponíveis na Netflix: Safe (2018), estrelado por Michael C. Hall (o protagonista de Dexter), e Não Fale com Estranhos (2020), um campeão de audiência (leia meu comentário clicando aqui). Silêncio na Floresta tem semelhanças estimulantes, mas diferenças gritantes em relação a essas duas séries.
Novamente, há um mistério policial que conecta a vida dos personagens, quase todos com alguns esqueletos no armário. Há também tramas correndo em paralelo e resgate de acontecimentos do passado, mas o mergulho é bem mais profundo do que em Safe e Não Fale com Estranhos. A narrativa se divide entre o hoje e 25 anos atrás – a propósito, essa alternância de tempo, a ambientação e as revelações de segredos familiares remetem a outro sucesso recente da plataforma, Dark, mas aqui não há qualquer traço de ficção científica.
No presente, o promotor Pawel Kopinski (Grzegorz Damiecki), pai viúvo há pouco tempo, está conduzindo um caso de estupro cometido por dois jovens ricos quando é chamado pela polícia por causa de um assassinato: a vítima, cujo nome ele desconhece, trazia seu endereço no bolso e guardava recortes de jornal sobre sua carreira. Mas havia mais no arquivo: notícias sobre a morte de dois adolescentes e o desaparecimento de outros dois em 1994, durante um acampamento de verão do qual Pawel (interpretado por Hubert Milkowski) era, a um só tempo, frequentador, monitor e namorado da fotógrafa Laura (Viktoria Filus na adolescência, Agnieszka Grochowska na fase adulta). Entre os que nunca mais reapareceram, está Kamila, a irmã do futuro promotor.
O quebra-cabeças a ser montado pelos diretores Bartosz Konopka e Leszek Dawid é promissor e de encher os olhos – a fotografia, contrastando as cores e a intensidade do passado com o cinza-esverdeado do presente, é linda, os enquadramentos são ora poéticos, ora não convencionais. Entre as peças, estão questões como o que os pais estão dispostos a fazer para proteger os filhos e o peso do dinheiro na sociedade e na Justiça, a chaga do antissemitismo e uma visão machista de mundo, as marcas indeléveis da adolescência e a nossa capacidade ou não de tentar enterrá-las.
Mas o processo de montagem do quebra-cabeças é demorado e (pelo menos para mim) confuso. Quem curtiu a tensão e o ritmo de Não Fale com Estranhos, com seus ganchos irrecusáveis para assistirmos ao próximo episódio, poderá se incomodar com o estilo contemplativo e o excesso de câmera lenta de Silêncio na Floresta – seria útil um pouco de concisão, reduzindo de seis para cinco capítulos. As idas e vindas no tempo não atrapalham a compreensão, o problema é que alguns personagens importantes não são devidamente apresentados, ou então acabam citados sem que o espectador consiga ligar imediatamente o nome à pessoa – a edição poderia ter dado uma ajuda, um tantinho de didatismo não faz mal em uma minissérie assim.
Diferentemente do que ocorre em Não Fale com Estranhos, nem todas as conexões são bem feitas ou mesmo exploradas (por exemplo, a da fundação para pacientes com câncer criada pela esposa de Pawel). Algumas soluções são implausíveis, como se lançadas apenas com o intuito de reembaralhar as coisas e nos desviar de uma rota aparentemente lógica. Parece haver peças sobrepostas e buracos incontornáveis no quadro revelado ao final.