Enquanto um atendente da Banca do Holandês fatia o queijo para servir a um cliente no Mercado Público, no centro de Porto Alegre, uma equipe de cozinheiros testa um novo sabor do alimento misturado com pistache em uma fábrica no 4º Distrito, na Zona Norte. O peixe da Japesca, vendido fresco no centro comercial, também é transformado em pelo menos uma dezena de produtos, congelados e embalados na indústria da empresa em São Lourenço do Sul, no sul do Estado.
Em comum, esses empreendimentos compartilham da mesma experiência de terem cruzado a linha de entrada do espaço no coração da Capital, em um movimento de expansão e transformação de bancas criadas no Mercado Público que não vem de hoje — algumas tiveram essa visão ainda no século passado.
A partir da criação de produtos de marca própria, diversos negócios se transformaram em pequenas ou grandes indústrias, ampliaram áreas de atuação, mudaram o perfil de clientes e passaram a ser consumidas inclusive em outros Estados e países. Isso tudo sob o desafio de crescer, mas sem se desconectar do local onde nasceram e se inseriram na memória afetiva de porto-alegrenses e visitantes.
Japesca: peixarias, franquias e indústria em São Lourenço do Sul
Na década de 1960, foi inaugurada, no Mercado Público, a peixaria Cunha e Rocha. Os peixes, pescados nas ilhas de Porto Alegre, chegavam e eram comercializados ainda frescos no centro da Capital. Em 1970, o pescador e empresário João Lopes da Cunha deixou a sociedade para criar a Japesca, uma indústria de peixes e de gelo em São Lourenço do Sul, onde também funciona o centro de distribuição da empresa. Escolheu a cidade por ficar entre a Capital e Rio Grande, de onde, a partir do porto, enviaria seu produto, vendido na época apenas para São Paulo.
Em 1980, Cunha comprou de seu antigo sócio o ponto no Mercado Público, marcando a estreia da Japesca no famoso centro comercial. Na década seguinte, a partir de investimentos, o braço de indústria se fortaleceu, e teve início a venda de peixes e produtos derivados congelados para supermercados. Atualmente, o catálogo da Japesca conta com 12 tipos de iguarias congeladas, entre camarão, bolinho de bacalhau, filés de tilápia, merlusa, panga, polaca, salmão e tainha.
— No início, não tinha congelamento. Era só gelo e o peixe fresco. Depois, começamos a congelar e embalar. Supermercado não vendia peixe. Quem queria comer peixe tinha que vir no Mercado Público — lembra Gabriel Antônio da Cunha, filho do fundador e hoje sócio da Japesca.
Em 2009, Paulo Henrique Göttert entrou na sociedade com a tarefa de comandar um novo braço da empresa: o de temakerias, que são restaurantes de culinária japonesa. A primeira loja foi aberta no ano seguinte, também no Mercado Público. Hoje, são 30 unidades — incluindo em Santa Catarina —, mas apenas uma é própria. As demais são franquias. Para abrir uma operação, o investimento gira em torno de R$ 150 mil, com retorno deste valor previsto para 30 meses.
— Estamos focando no modelo "express", onde o cliente pede para levar ou fazemos telentrega. Apenas quatro das nossas temakerias são grandes (recebem público). Neste caso, o investimento chega a R$ 500 mil — diz Göttert.
Em 2023, a Japesca abriu sua primeira peixaria fora do Mercado Público. Ela fica na Avenida Nilópolis, no bairro Bela Vista, em Porto Alegre. Nos planos para o futuro, está a expectativa de expandir o negócio para Rio de Janeiro e São Paulo.
Café do Mercado: cafeterias, fábrica e centros de distribuição
Foi na Califórnia, nos Estados Unidos, que os irmãos Clóvis Althaus Júnior e Felipe Althaus descobriram a paixão pelo café. Na década de 1990, foram surfar na costa oeste norte-americana e perceberam o movimento crescente das redes de cafeterias, como a Starbucks. Quando voltaram ao Brasil, surgiu a oportunidade de montar um negócio no Mercado Público. O produto escolhido para trabalhar foi justamente o café.
A primeira unidade do Café do Mercado surgiu em 1997 na pequena banca F, no quadrante 2. Desde então, o ponto vende cafés moídos na hora e produtos para o preparo da bebida.
No começo, os irmãos compravam o grão de uma cooperativa no Paraná, estocavam na casa de uma avó e faziam a torrefação em Torres, no Litoral Norte.
— O Brasil estava engatinhando no setor de cafeterias, apesar de sermos produtores de café. Não tinha expresso aqui. Só preto, extraforte. A banca ficava sozinha no corredor. Ficava agrupado todo o pessoal de hortifrúti. Nada acontecia aqui — lembra Clóvis.
A primeira cafeteria do Café do Mercado surgiu em 1999, em uma loja na Travessa Engenheiro Acilino de Carvalho, conhecida também como "Rua 24 Horas". Lá, ficou por 20 anos, até fechar, na pandemia.
Em 2010, uma cafeteria foi aberta dentro do Mercado Público, e em 2013, outra, ampliada em 2015, quando venceu licitação da prefeitura para utilizar o espaço ao lado.
Desde 2001, a partir da compra de uma máquina de torrefação, a empresa opera como indústria. A primeira fábrica foi instalada em uma casa alugada no bairro São Geraldo, em Porto Alegre. Duas mudanças de endereço depois, chegou ao prédio onde está hoje: um imóvel próprio, adquirido em 2017, também no 4º Distrito, que pertencia a uma indústria de gravatas. Na fábrica, são torrados cerca de 40 toneladas de grãos de café por mês, que vêm de Minas Gerais, do Paraná e do Espirito Santo.
Atualmente, o Café do Mercado, que tem dois centros de distribuição — em Porto Alegre e em Florianópolis (SC) —, vende para 2 mil empresas espalhadas pelo Brasil e pelo Uruguai. Entre os clientes, estão cafeterias, supermercados e hospitais. Tem 55 funcionários na fábrica e nos centros, além de outros 25 nas cafeterias.
Neste ano, a empresa vai inaugurar mais uma cafeteria em Porto Alegre, que ficará em um lugar de destaque no Praia de Belas Shopping, antes ocupado pelo Press Café.
Banca do Holandês: lojas e produção própria no bairro Floresta
Em 1907, o imigrante holandês Dirk Van Den Brul chegou em Porto Alegre para trabalhar no comércio. Doze anos depois, fundou a Banca do Holandês, no espaço de número 31 do Mercado Público. Na época, os produtos vinham da Europa, em navios que atracavam no Cais do Porto. Entre os mais vendidos, estavam peixes, frutas e outras novidades que não eram comuns aos gaúchos.
Desde 1975, é a família do empresário Sérgio Lourenço que administra o negócio — o pai dele entrou na sociedade naquele ano.
No começo dos anos 2000, Sérgio Lourenço inaugurou a Adega do Holandês, também no Mercado Público. Anos depois, com a ajuda dos filhos Lourenço e Renata e da esposa, Adriana, começou um projeto para expandir a marca.
— Precisávamos ganhar mais para sustentar a família. Eles entraram na sociedade com ideias novas, e a partir disso começamos a crescer — diz o empresário.
O pontapé inicial para o crescimento foi dado em 2013, com a compra de um terreno no bairro Floresta, onde foi erguido um centro de distribuição.
Em 2021, foi aberta a primeira loja fora do Mercado, no bairro Bela Vista, uma casa de 600 metros quadrados e dois andares.
— Deu certo. Abrimos outra loja na (Avenida) Plínio Brasil Milano no ano passado. Hoje, apenas 30% do nosso faturamento vem das bancas do Mercado — diz Sérgio.
Atualmente, a Banca do Holandês vende mais de 8 mil tipos de produtos — 70% deles, importados. De marca própria, são 126, entre queijos, pastas, pães, quiches, queijo brie folhado, stolen (panetone alemão), saladas, caponatas, e o famoso bacalhau às natas. Os testes e a produção são feitos em sua fábrica, que fica junto ao centro de distribuição no 4º Distrito, recém ampliado.
Com mais de 130 funcionários, a Banca do Holandês seguirá abrindo mais lojas fora do Mercado Público. A próxima será inaugurada neste ano, na Zona Norte, próximo ao Shopping Iguatemi.
Movimento crescente
Outras bancas também abriram lojas fora do Mercado Público ou estão em vias de fazê-lo.
A Banca 12, por exemplo, conhecida pelos produtos naturais, inaugurou operação em Canoas em 2001. Foi uma das primeiras a ultrapassar as barreiras do centro comercial. A expansão da marca se deu na Região Metropolitana e no Vale do Sinos. Hoje, também tem operações na Rua dos Andradas, na Capital, em Cachoeirinha, Esteio e Alvorada. Com marca própria, vende suplementos e garrafas.
Já a Banca 43 abriu sua primeira loja fora do Mercado em 2019, no bairro Bela Vista. O novo negócio deu certo e outra unidade foi inaugurada em 2023, no bairro Três Figueiras. No catálogo, há 2 mil produtos, entre embutidos, bebidas e frios fatiados na hora.
Com medo de uma nova cheia, como a de maio de 2024, o Armazém do Confeiteiro e o Armazém do Mercado, que vendem produtos para confeitaria, abriram lojas fora do Mercado no ano passado. Elas ficam nos bairros Bom Fim e Passo d'Areia, respectivamente.
Já a Casa de Carnes Santo Ângelo fez movimento parecido na pandemia, quando inaugurou uma loja em Capão da Canoa, no Litoral Norte.