Dark, série alemã da Netflix cuja segunda temporada já está disponível no serviço de streaming, é a atração perfeita para quem é velho demais e cínico demais para ser chantageado pela nostalgia pouco original de Stranger Things e já viu filmes demais para se impressionar com o uso que Vingadores: Ultimato faz das viagens no tempo. Sua mistura nem sempre bem dosada de ficção científica hard com melodrama romântico carregado tornou o seriado um sucesso de público no Brasil, país que, de acordo com a própria Netflix, registra a terceira maior audiência do programa, atrás apenas de Alemanha e EUA.
Prova da complexidade da trama de Dark é a dificuldade de resumir o que se viu na primeira temporada, mas lá vai uma tentativa. Em 2019, a pequena cidade de Winden, na Alemanha, é abalada por dois fatos que não guardam relação aparente (ênfase no aparente): o suicídio do artista Michael Kahnwald (Sebastian Rudolph) e o desaparecimento, meses depois, do menino Mikkel Nielsen (Daan Lennard Liebrenz), após uma expedição clandestina de um grupo de adolescentes a uma caverna situada em uma floresta nos arredores da cidade. Aos poucos, as investigações sobre os dois casos vão revelando uma intrincada rede de conexões entre os personagens e o fato de que em Winden existe um portal capaz de permitir viagens no tempo para intervalos de 33 anos antes ou depois do ponto de partida.
Esse portal é objeto de disputa por duas facções de "viajantes" que rondam a cidade ao longo dos anos de 1953, 1986 e 2019: de um lado, um estranho misterioso que chega a Winden logo depois do sumiço de Mikkel com o plano de fechar o portal a qualquer custo; do outro, Noah, um sinistro pastor psicopata que parece estar espreitando nas sombras tudo o que ocorre na cidade há um século e é responsável pelo desaparecimentos de crianças em 1986 e em 2019.
A história percorre ainda as relações ao longo do tempo entre integrantes de algumas das famílias locais e como essas correlações afetarão eventos no passado e no futuro. O pai de Mikkel, por exemplo, o policial Ulrich (Oliver Masucci), obcecado em descobrir o paradeiro do filho, viaja para 1956, onde suas ações terminam por precipitar muito do que ele tentava impedir. Há ainda nas proximidades uma usina nuclear que pode ou não ter conexão com tudo.
Parece complicado, e é. A maioria dos personagens é interpretada por atores diferentes em momentos diversos do tempo. Há uma série de nós resultantes das complexas relações entre os personagens na cidade pequena cheia de segredos (casos extraconjugais, identidades falsas, traições de variados tipos) – responsáveis pelos elementos mais ligados ao melodrama da narrativa.
A primeira temporada se encerrou com revelações e muitas dúvidas. A identidade do estranho foi conhecida, bem como o fato de que Noah não é o protagonista de suas ações, e sim um peão a serviço de um homem deformado chamado Adam. A revelação sobre o que aconteceu com Mikkel também elevou as apostas dos elementos de ficção científica de que a série lança mão. A última cena mostrava o jovem Jonas (Louis Hoffmann), filho do suicida Michael, fazendo uma última viagem no tempo que o levava para 2052, período em que a humanidade sobrevive com dificuldade após um apocalipse nuclear.
Esta segunda temporada começa dando mais ênfase aos elementos sci-fi do que às complexas relações familiares, que só voltam a ser fundamentais após o quarto episódio. Espalhados por diversas partes do tempo, personagens tentam voltar a seu lugar de origem ou entender o que está acontecendo, enquanto outros vão tomando consciência da complexidade dos mistérios de que fazem parte.
As viagens no tempo se tornam mais intensas, e a verdadeira identidade do manipulador Adam será a tentativa de grande surpresa, embora ela seja telegrafada com vários episódios de antecedência para quem está prestando atenção.
Dark é, assim, uma série em que imaginação poderosa e conceitos intrincados de ficção científica são usados de modo irrepreensível em uma elegante estrutura circular. O que surpreende é o fato de que furos gigantescos da trama não vêm desse aspecto da narrativa, e sim dos elementos mais simples, aqueles presentes em qualquer narrativa: como as coisas funcionam no mundo real.