Insônia é um bicho terrível. Ainda mais quando ataca no meio da madrugada. Na escuridão do quarto, você tenta achar posição para escapar da fera que lhe lanha o corpo. Com mulher e filhas dormindo, não tem para quem gritar socorro.
A arma ao alcance é o celular. Uma arma estúpida, como costumam ser as armas, capazes de se voltar contra o próprio dono. A luz azulada há de piorar as coisas, já disseram os médicos, mas que ouvidos damos aos especialistas, né?
Rolamos a tela com a evolução genética que nos separou de muitos outros animais – o polegar opositor – para nos conectarmos de novo aos demais condôminos do planeta.
Para combater as garras que travam o sono, só outro animal pode me ajudar. Silenciosamente, saio à caça. Meus preferidos são os de quatro patas: cachorros, gatos, ursos, tigres, leões, elefantes, macacos... Pode ser algo singelo e hipnotizante como um golden retriever que brinca com um pato, pode ser algo incrível e emocionante como o cão que se joga em uma piscina para salvar seu companheiro. Vídeos assim regulam a serotonina no meu organismo e apaziguam meu espírito. Dou um clique em compartilhar e reencontro o rumo para o reino de Morfeu.
Não sou o único, certamente. Esse tipo de conteúdo costuma render milhares de curtidas e compartilhamentos. É curioso, até paradoxal: rolamos a tela com a evolução genética que nos separou de muitos outros animais – o polegar opositor – para nos conectarmos de novo aos demais condôminos do planeta.
Um dos vídeos que me conquistaram recentemente mostra justamente isso: uma coletânea de momentos que flagram a relação amorosa entre caninos e humanos. Um buldogue que se aninha colado ao rosto de um homem para tentar entender “o que ele está vendo no celular em vez de estar me acariciando?”. Um labrador que desconhece o próprio tamanho ao tentar se ajeitar no colo de um sujeito. O cachorro que saracoteia alucinadamente quando um soldado volta para casa.
O reverso da moeda também me cativa. Um clipe mostra o revide aos maus-tratos pelo homem e à aniquilação da natureza, desde o elefante e o búfalo que investem contra automóveis aos ursos e grandes felinos que se revoltam contra domadores e os excêntricos que acham ok aprisionar entre quatro paredes uma leoa.
Nutrimos um fascínio atávico pelo comportamento animal. É como se os bichos nos lembrassem de dois verbos fundamentais: amar e proteger. É como se enxergássemos neles a autenticidade que não raro falta no Facebook e no Instagram, hábitats de uma fauna dissimulada e exibicionista. A labradora que acolhe uma porção de gatinhos está só pondo em prática seu instinto materno – não se trata de marketing nem de hipocrisia.
Dos vícios trazidos pelas redes sociais, assistir a vídeos sobre animais talvez seja um dos menos nocivos. Na verdade, se não exagerarmos na dose, pode até ser saudável: estamos precisando de mais fofura.
Ao rolarmos a tela do Facebook à procura dos bichinhos, não estamos sendo alienados. Pelo contrário: nosso polegar opositor está fazendo oposição. É uma escolha ciente. Na selva digital, desviamos dos perigos que já conhecemos. Saltamos os posts tristes, chocantes e indignantes sobre homens que viraram predadores selvagens dos piores pesadelos: o vigia que sufocou até a morte um rapaz em um supermercado, o funcionário de clube que estuprou um adolescente no vestiário de uma piscina, o jovem que espancou durante quatro horas uma mulher na noite de seu primeiro encontro. São notícias obrigatórias – precisamos saber que há lobos maus à espreita na floresta. Preferimos assistir ao carinho a dar mais ibope à violência. Preferimos acreditar que gentileza gera gentileza, que espalhando o bem a felicidade vem, que coisas boas atraem coisas boas. Temos uma fidelidade canina à ideia de que a energia positiva pode transformar o mundo.