Eu tinha um pé atrás em relação a Tudo Bem no Natal que Vem, filme protagonizado por Leandro Hassum que estreou neste mês de dezembro na Netflix. Nem o comediante, nem o diretor Roberto Santucci fazem a minha praia — e nem eles precisam de mim para serem campeões de bilheteria, vamos ser francos. Juntos, e com o mesmo roteirista da nova parceria, Paulo Cursino, já lançaram as franquias Até que a Sorte nos Separe (8,6 milhões de espectadores) e O Candidato Honesto (2,5 milhões).
Achei que o filme natalino da dupla pudesse ser um pastelão recheado de piadas sobre ricos e pobres e temperado por alguma sacanagem — nada contra, mas queria assistir com nossas filhas, a Helena, 11 anos, e a Aurora, sete.
Só tomei coragem de clicar quando um amigo, hoje distante, mandou mensagem: "Esse filme de Natal do Hassum é muito bom. Saudações tricolores". Fiquei tocado porque não costumamos falar muito, no máximo interagimos em posts sobre o Grêmio, mas ele sentiu vontade de me passar essa dica, de compartilhar sua alegria.
Que é um tanto do tal espírito natalino, né?
Pois bem, é a minha vez de compartilhar: se você torce o nariz como eu, dê uma chance a Tudo Bem no Natal que Vem. De preferência, em família, acompanhado por crianças — a risada alta das gurias foi fundamental para eu entrar no clima (e em comédias, vale lembrar, o ambiente pode ter peso decisivo, a gargalhada convicta de uma pessoa é capaz de contagiar uma plateia de mal-humorados).
Trata-se de uma versão brasileira — com direito a uva passa na comida, show do Roberto Carlos na TV e piada do pavê nas conversas em torno da mesa — dos típicos filmes natalinos de Hollywood. Deu uma mistura boa de títulos como A Felicidade Não se Compra, Um Homem de Família e O Grinch, com toques preciosos de duas obras não ligadas à data: o clássico Feitiço do Tempo e a joia Click, com Adam Sandler.
Hassum interpreta Jorge, casado com Laura (Elisa Pinheiro) e pai das crianças Aninha e Léo. Estamos em 2010, e ele se prepara para o pior dia do ano, o 24 de dezembro, por dois motivos: 1) é seu aniversário, mas todo mundo só dá bola para o aniversariante mais importante do dia, Jesus; 2) no Natal, reúne-se em sua casa toda a parentada, incluindo um cunhado que vive pedindo dinheiro emprestado para negócios condenados ao fracasso, uma cunhada que está sempre trocando de namorado, um tio que briga na festa e leva o peru para casa... Fora isso, tem a função de comprar os presentes de última hora e a filha pequena pedindo para que o pai assista com ela ao filme do Shrek.
É fácil se identificar com várias das situações vividas por Jorge. Ainda mais porque ele vai vê-las se repetir infinitamente. Uma combinação de praga rogada e acidente doméstico submete o protagonista a um curioso tipo de amnésia: "acorda" somente no Natal seguinte, sem lembrar de nada do que fez ao longo de todo o ano (tipo as pessoas que trabalham muito, por obrigação ou por vontade própria, e não veem a vida passar).
Os anos vão se passando — 2012, 2014, 2021... —, e o mote rende confusões (às vezes mais gritadas do que engraçadas), saias-justas (às vezes previsíveis, mas ainda assim eficientes) e as caretas características de Hassum, acompanhadas por seus improvisos de texto ("Penurinha" já virou bordão aqui em casa). Alguns esquecimentos são, digamos, providenciais: Jorge não lembra em quem votou na eleição passada. Outros tiram um pedaço dele: seus filhos cresceram e ele sente como se não tivesse visto isso acontecer.
O humor é a tônica, claro, mas também não custa lembrar que este é um filme natalino. Portanto, Tudo Bem no Natal que Vem também mira no coração do espectador, a quem pretende reafirmar o verdadeiro sentido da comemoração. Por incrível que pareça, de repente, de um modo abrupto mas ao mesmo tempo coerente com a trama, o que era riso frouxo no sofá pode se transformar em lágrimas copiosas. Sim, como alguém resumiu no Twitter, eu esperava tudo, menos que fosse chorar com um filme do Leandro Hassum.
Disso meu amigo não me avisou, e por isso o agradeço mais ainda. Feliz Natal, Antônio.