Laço Materno (Mother, 2020), filme japonês que estreou recentemente na Netflix, me fez lembrar do anglo-americano A Escolha de Sofia (1982) e do francês Irreversível (2002). Não pela trama, não pela forma — totalmente distintas —, mas por algo bem subjetivo, bem particular: ainda que eu tenha gostado muito dessas três obras, não pretendo voltar a vê-las. Sua tristeza é avassaladora e impregnante. Crava no nosso íntimo.
Dirigido por Tatsushi Omori e baseado em um caso real acontecido em 2014, Laço Materno também faz lembrar de outro filme japonês, Ninguém Pode Saber (2004), de Hirokazu Kore-eda, que valeu a Yuya Yagira o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes. São duas histórias sobre filhos negligenciados e forçados a assumir responsabilidades pesadas muito antes da vida adulta. Na de Kore-eda, quatro crianças, com idades entre cinco e 12 anos, cada um com um pai diferente, são abandonadas pela mãe. No apartamento onde moram, os três mais novos são considerados ilegais, portanto, não podem sair de casa, nem para estudar.
No filme de Omori, Shuhei (interpretado por Sho Gunji na infância e por Daiken Okudaira na adolescência) é um menino que mora com a mãe, Akiko (Masami Nagasawa, em desempenho ao mesmo tempo cativante e revoltante). Já nas cenas iniciais, percebemos a toxicidade daquela relação. Sim, Akiko é capaz de lamber o joelho esfolado do filho. Sim, a mãe leva Shuhei para brincar na piscina, mas fica nítido que a ela só importa o próprio prazer. Isso inclui o vício em álcool, em cigarro e em pachinko, um típico jogo eletrônico de azar do Japão. O comportamento errático impede que Akiko mantenha seus empregos, então ela vive pedindo dinheiro emprestado para os pais e para a irmã. Só que sua família já não tem mais paciência para lidar com a ovelha desgarrada.
A situação de Shuhei piora quando Akiko conhece, em uma casa de jogos, o igualmente inconsequente Ryo (Sadao Abe). Sem peso nenhum na consciência, a mãe vai passar uns dias em outra cidade com o novo namorado, deixando o filho sob os supostos cuidados de um funcionário público — com quem, intuímos, ela já teve algum tipo de relacionamento, ou a quem, no mínimo, prometeu algum tipo de favor sexual.
Isso tudo acontece e pode ser sentido nos primeiros dos 126 minutos de Laço Materno. Tatsushi Omori é sintético e eficaz na composição das cenas, na comunicação sem palavras, na combinação entre aquilo que vemos e aquilo que ele não mostra.
Daí por diante, cada vez mais o coração do espectador se aperta, se machuca, mas sem que Omori precise, necessariamente, usar as mãos, usar da violência — essa é sobretudo, mas não exclusivamente, psicológica. Akiko exerce um poder nefasto sobre Shuhei, ao passo que o filho, ora, o filho ama a mãe, protege a mãe, age como pivô de suas artimanhas para obter dinheiro. O laço biológico, o laço materno é resistente à razão.
A estrutura narrativa torna a experiência mais aflitiva — pressentimos, mas nunca temos certeza do que vem pela frente — e dolorosa. Omori vai avançando no tempo: dias depois, semanas depois, meses depois, anos depois, como se Shuhei estivesse cumprindo uma espécie de pena. A divisão cronológica confere um aspecto episódico, quase como se fossem as etapas de uma via crúcis. O caminho será iluminado por raros raios de esperança — personagens coadjuvantes com empatia pelo garoto, ou por terem sofrido bullying na infância, ou por terem sofrido abuso pelos pais. Logo a sombra de Akiko se agiganta. O laço materno é como a corda no pescoço do enforcado, mas quem acha fácil se desvencilhar, de fato, do cordão umbilical? Inverte-se o dito: se a mãe não se sacrifica pelo filho, cabe ao filho se sacrificar pela mãe.