Os fatos reconstituídos em Luta por Justiça aconteceram há 30 anos, nos Estados Unidos, mas continuam assustadoramente atuais e ressoam no Brasil.
Em cartaz nos cinemas, o filme conta a história de Walter McMillian, conhecido como Johnny D., personagem interpretado com carinho por Jamie Foxx (é seu melhor papel nos últimos tempos). Em uma noite de 1987, no Estado do Alabama, ele voltava do trabalho quando foi abordado pela polícia, sob a acusação de ter assassinado uma moça, branca, de 18 anos. Johnny D. alega inocência – e ele é inocente –, mas acaba preso e levado ao corredor da morte antes mesmo de seu julgamento, que, na falta de provas, é todo baseado no depoimento duvidoso e cheio de contradições de um homem branco, Ralph Myers (Tim Blake Nelson, aproveitando cada segundo em cena).
Alguns anos depois, um jovem advogado negro, recém formado em Harvard, surge na penitenciária. Bryan Stevenson (Michael B. Jordan, o vilão esclarecido Killmonger, de Pantera Negra, e um dos produtores do filme) quer ajudar os prisioneiros sentenciados à morte que não têm ou não tiveram acesso a uma defesa apropriada. Ele funda com a dona de casa Eva Ansley (Brie Larson) a Equal Justice Initiative, uma organização que existe ainda hoje.
Stevenson, um idealista vindo do Norte – abolicionista na época da Guerra Civil americana (1861-1865) –, vai sentir na própria pele o peso do racismo estrutural dos Estados sulistas. A ironia é que, como um cartaz na cidade e mais de um personagem avisam, estamos em Monroeville, mesmo cenário do clássico romance O Sol É para Todos (1960), em que a escritora Harper Lee narra o drama de um advogado defensor de um negro acusado de estuprar uma mulher branca.
A realidade é muito mais cruel do que a ficção. Na primeira conversa de Stevenson com Johnny D., este último diz ao advogado:
— Você acha que palavras bonitas vão te salvar no Alabama? Terno e gravata vão fazer diferença? A única roupa bonita para um negro é a que estou usando (o uniforme branco do corredor da morte). Aqui, você é culpado desde o momento em que nasce.
É um discurso que se reflete no Brasil, país de tantos casos chocantes de condenações compulsórias por causa da cor. Recentemente, por exemplo, veio à tona a história de um gerente de restaurante que, depois de ter sido roubado, em Niterói (RJ), passou nove meses preso ao ser identificado, por outras vítimas, como um dos ladrões que o assaltaram.
Luta por Justiça emociona ao acompanhar a odisseia de Stevenson para tentar provar a inocência de Johnny D., mas as lágrimas não fecham os olhos para problemas do filme. A direção do havaiano Destin Daniel Cretton – de Temporário 12 (2013), O Castelo de Vidro (2017) e do vindouro Shang Chi e a Lenda dos Sete Anéis (da Marvel) – é tímida. O roteiro ora se alonga em algumas passagens, ora é elíptico em demasia (por exemplo, o acesso ao caso pelo célebre programa de TV 60 Minutes, fundamental junto à opinião pública, é mal explicado). Mais grave é o retrato dos personagens brancos como vilões caricaturais: é como se o racismo fosse algo pessoal, e não estrutural. Essa abordagem impede uma discussão mais profunda e sistêmica.
Ainda assim, Luta por Justiça examina as consequências do preconceito racial e da existência da pena capital. Entre os momentos mais impactantes, estão aqueles em que Stevenson precisa conter sua fúria diante de humilhações e injustiças, a explosão indignada de Johnny D. e as cenas que ilustram o cotidiano no corredor da morte. Ali, brilha especialmente Rob Morgan, ator de séries como Demolidor, This Is Us e Stranger Things.
Ele interpreta Herbert Richardson, vizinho de cela do personagem de Foxx. Com sua voz grave, comove o público ao oferecer reflexões sobre como é saber a hora em que vamos morrer e ao representar o lado humano em um ritual desumano: o da cadeira elétrica, filmada de forma sóbria e, ao mesmo tempo, contundente, graças ao uso de efeitos sonoros. Herb reconhece seu crime, o que, para algumas pessoas, basta para que mereça essa sentença. Mas e quanto àqueles que foram executados ou aguardam na fila por um delito que não cometeram? Esses não são poucos. Segundo estatísticas trazidas nos créditos finais, de cada nove condenados nos EUA, um não era culpado. Vale correr o risco de matar um inocente? Vinte dos 50 Estados americanos já decidiram que não.
Nove filmes sobre o corredor da morte
Suplício de uma Alma (1956), de Fritz Lang – Contrário à pena capital, dono de jornal convence seu futuro genro a deixar-se incriminar em um caso de assassinato. O objetivo da arriscada manobra é mostrar que um julgamento baseado apenas em provas circunstanciais pode levar à execução de um inocente.
Eu Quero Viver (1958), de Robert Wise – Susan Hayward ganhou o Oscar de melhor atriz no papel de uma mulher condenada à câmara de gás pelo espancamento até a morte de uma senhora viúva. A certa altura, ela passa a gritar sua inocência.
A Tênue Linha da Morte (1988), de Errol Morris – Ex-detetive, o diretor resolveu investigar por conta própria um nebuloso caso ocorrido em 1976, em Dallas, no Texas. O perturbador documentário salvou da cadeira elétrica um homem condenado pelo assassinato de um policial.
Justa Causa (1995), de Arne Glimcher – Sean Connery interpreta um professor de Direito que, 25 anos depois de abandonar os tribunais, tenta provar a inocência de um jovem negro sentenciado por estuprar e matar uma garota branca.
Os Últimos Passos de um Homem (1995), de Tim Robbins – No papel da freira Helen Prejean (uma personagem real), que se torna guia espiritual e, por fim, procura salvar um homem (Sean Penn) no corredor da morte, Susan Sarandon mereceu o Oscar de melhor atriz.
A Última Chance (1996), de Bruce Beresford – No auge da fama (no mesmo ano, concorreu ao Oscar por Cassino), Sharon Stone estrelou este drama sobre uma mulher condenada por duplo homicídio.
À Espera de um Milagre (1999), de Frank Darabont – Baseado em romance de Stephen King, este drama sobrenatural narra o cotidiano de um agente penitenciário (Tom Hanks) durante a Grande Depressão, nos anos 1930. Disputou quatro Oscar, incluindo melhor filme.
Crime Verdadeiro (1999), de Clint Eastwood – O cineasta também protagoniza o filme, na pele de um jornalista escalado para entrevistar um presidiário negro (Isaiah Washington) no dia de sua execução. Mas será que ele é mesmo culpado? Há tempo para trazer à tona a verdade?
A Vida de David Gale (2003), de Alan Parker – Neste filme bastante criticado, Kevin Spacey encarna um professor de Filosofia, ativista da abolição da pena de morte no Texas, que vai parar no corredor da morte, acusado e julgado por estuprar e assassinar sua colega de causa e melhor amiga (Laura Linney). Uma repórter (Kate Winslet) investiga o caso.