Aquele foi um ano esquisito para Michael B. Jordan. Depois de conseguir projeção junto aos críticos pelo desempenho em Fruitvale Station – A Última Parada (2013) e nos seriados The Wire e Friday Night Lights, em agosto de 2015 o ator viu surgir a oportunidade de conquistar a fama mundial. Seu nome estava no elenco principal de um filme de super-herói, com um generoso orçamento de US$ 120 milhões. Mas, tal qual o poder do personagem que interpretou, o Tocha Humana, Quarteto Fantástico incendiou-se: não sobreviveu à imprensa (no site Rotten Tomatoes, tem apenas 19 avaliações positivas contra 193 negativas, e sua nota no Metacritic é 27 sobre 100) nem foi salvo pelo público (mal se pagou ao faturar US$ 168 milhões). A redenção viria poucos meses depois, em dezembro, quando estreou Creed: Nascido para Lutar, cartaz desta segunda-feira (21) na Tela Quente, às 22h20min, na RBS TV.
A propósito: antes de prosseguir, vale dizer que a busca de ecletismo na coluna – de Hebe a Coringa, de crocodilos assassinos a dramas dinamarqueses – também significa variar entre estreias no cinema, atrações nos serviços de streaming e a programação dos canais abertos (afinal, eles são assistidos massivamente no Brasil).
De volta a Creed, então. O filme é mais um exemplo de como Hollywood vive de apostas no que já deu certo, criando produtos derivados de obras previamente conhecidas pela audiência. No caso, a franquia Rocky, que rendeu cinco sequências depois do original de 1976, vencedor do Oscar de melhor filme, direção (John G. Avildsen) e edição e indicado a outros seis, incluindo ator (Sylvester Stallone) e atriz (Talia Shire).
Stallone retoma o papel que lhe alçou ao estrelato, mas agora Rocky Balboa é um treinador de boxe. Jordan faz o protagonista, Adonis, filho de Apollo Creed, célebre adversário de Rocky que morreu na luta contra o russo Ivan Drago. A jornada dos dois personagens será marcada pelo humor de Balboa, pela seriedade de Adonis, pelos planos-sequência do primeiro combate e, claro, por uma lição de moral: como descreveu meu colega Daniel Feix à época da estreia nos cinemas, a ideia de que vencer no ringue não é tão importante quanto incorporar o espírito de superação e entendimento proporcionado pelo esporte.
Creed arrecadou US$ 174 milhões (quase cinco vezes mais do que custou), fez de Stallone, indicado ao Oscar de coadjuvante, o sétimo ator na história a disputar a estatueta pelo mesmo personagem e abriu em definitivo as portas para Jordan, hoje com 32 anos.
Ele pôde, finalmente, estrelar um filme de super-herói arrasa-quarteirão: Pantera Negra (2018) arrecadou US$ 1,3 bilhão. Tão ou mais importante do que o dinheiro foi concorrer ao Oscar de melhor filme, a primeira vez de uma obra do gênero (o longa ganhou as estatuetas de direção de arte, figurino e música original, e ainda brigou por outras três categorias). Boa parte da repercussão gerada por Pantera Negra deve-se ao personagem interpretado com gana e carisma por Jordan, Killmonger, um vilão cujo discurso sobre a herança nefasta do colonialismo na África e sobre a escravidão foi capaz de sensibilizar o mocinho da trama.
— Ele apresenta uma perspectiva mais próxima das pessoas que estão espalhadas pelo mundo (após a diáspora perpetrada pelos europeus). Killmonger fez o que o pai dele não conseguiu, que é fazer o Pantera compreender a necessidade de auxiliar essas pessoas — diz o jornalista de GaúchaZH Bruno Teixeira, responsável, com a repórter Iarema Soares, pelo podcast Coisa de Preto.
O ator espelhou o fardo da própria fama em Creed II (2018), uma rara franquia com protagonista negro. Embora não tenha provocado a mesma recepção junto à crítica, o segundo filme foi ainda melhor nas bilheterias, faturando US$ 214,5 milhões. Nos Estados Unidos, é o sexto colocado em um ranking com mais de 150 títulos sobre esporte.
Jordan adquiriu cacife para bancar programas de TV. Em 2018, coproduziu e estrelou para a HBO uma nova versão de Fahrenheit 451, ficção científica do escritor Ray Bradbury sobre um futuro no qual os livros são proibidos e as opiniões próprias, condenadas. No começo deste mês, a Netflix estreou a série Raising Dion, com ele na produção executiva e no elenco coadjuvante, no papel do pai morto de um guri com superpoderes.
Tornou-se uma figura cool, a ponto de ser convocado por Beyoncé e Jay-Z para o videoclipe de Family Feud (2018), e se aventurou no mundo fashion: fã de mangás e animes, recentemente lançou uma coleção de roupas e acessórios inspirada em Naruto.
Levou o ativismo para a frente das câmeras: em 2020, em Luta por Justiça, o veremos na pele de Bryan Stevenson, advogado americano que brigou para libertar um homem negro, Walter McMillian (vivido por Jamie Foxx), injustamente condenado à morte. Também no ano que vem, o ator lançará sua quarta colaboração com o diretor Ryan Coogler, 33 anos, após Fruitvale Station, Creed e Pantera Negra. Em Wrong Answer, os dois mostrarão um outro lado daquele que é considerado o maior escândalo escolar nos Estados Unidos: o dos professores de Atlanta julgados em 2013 por falsificarem os resultados de provas dos alunos. Quanto maiores as notas, maiores eram as bonificações para os docentes. Mas para Damany Lewis, que será encarnado pelo astro, a fraude tinha um objetivo nobre: impedir o fechamento do colégio.
Michael B. Jordan tem tanto poder em Hollywood que é capaz de mudar a cor de um herói. Depois de ele encarnar uma versão negra do Tocha Humana e do Guy Montag de Fahrenheit 451, em 2020 deve chegar às telas Without Remorse, thriller de espionagem baseado em Sem Remorso (1993), do escritor best-seller Tom Clancy. O livro, ambientado na época da Guerra do Vietnã, conta a origem de um personagem recorrente no universo do agente Jack Ryan: John Kelly (também conhecido como John Clark). Kelly/Clark já havia sido visto duas vezes no cinema, ambas com atores brancos: Willem Dafoe em Perigo Real e Imediato (1994) e Liev Schreiber em A Soma de Todos os Medos (2002). No filme dirigido pelo italiano Stefano Solima (das séries Suburra e Gomorra), Jordan interpretará um fuzileiro naval que, em meio a uma vingança pessoal, descobre estar envolvido em uma grande conspiração. Um nocaute contra os estereótipos e a favor da diversidade.
No ritmo que vai, talvez não demore muito para o ator conhecer o Michael Jordan mais famoso, o ex-jogador de basquete.
— Nunca me encontrei com Michael Jordan. Eu não quero que isso aconteça até que minha carreira esteja em tal ponto que ele saiba quem eu sou — já disse B. Jordan, que atribui sua competitividade a seu nome: — Cresci ouvindo brincadeiras por causa dele. Eu não podia ser simplesmente alguém com o nome parecido de outra pessoa: eu devo ser tão bom em minha área quanto ele é na dele.