Nada contra os poetas que versam em guardanapos, mas Projeto Gemini (Gemini Man), que estreia nesta quinta (10), parece ter sido escrito em uma mesa de bar, a altas horas, por um bando de garotos menos interessados em contar uma história decente do que em gastar dinheiro (US$ 138 milhões) com seus brinquedinhos novos. No caso, uma tecnologia que permitiu a Will Smith, depois de ficar gigante e azulado como o Gênio da Lâmpada em Aladdin (2019), contracenar com uma versão mais jovem de si mesmo e uma projeção em 3D+, com 60 quadros por segundo – mais do que o dobro do habitual. Vale como experiência? Vale, mas, como filme, é tão genérico que, até terminar este texto, eu corro o risco de já ter esquecido muitas partes de sua trama. O básico você viu no cinema ou na TV trocentas vezes antes, talvez com figurinos diferentes: Henry Brogan é um atirador de elite a serviço do governo americano que decide se aposentar. Ao descobrir que seu último alvo não era um terrorista, ele passa a ser um problema para seus antigos empregadores, que empreendem uma caçada para eliminá-lo.
Todos os passos, inclusive a aliança que o herói firma com uma agente "disfarçada" (Mary Elizabeth Winstead), são antevistos pelo espectador, que, aborrecidamente, sabe mais do que os próprios personagens. Aliás, se o duelo do Henry cinquentão contra seu clone de 20 e poucos anos estampa o cartaz do filme, por que, em cena, tratar como se fosse um grande segredo?
O intrigante é que não faltou talento envolvido no projeto. Somados, o cineasta Ang Lee, os roteiristas David Benioff, Billy Ray e Darren Lemke, o diretor de fotografia Dion Beebe, o editor Tim Squyres, o designer de produção Guy Hendrix Dyas e os atores Smith e Clive Owen reúnem três estatuetas do Oscar e outras 14 indicações, além de uma batelada de prêmios Emmy (Benioff é um dos responsáveis por Game of Thrones). Mas o resultado dessa união é digno do Framboesa de Ouro, o troféu galhofeiro entregue na véspera da festa da Academia de Hollywood.
Se Ang Lee, que viu os roteiristas de quatro de seus filmes (Razão e Sensibilidade, O Tigre e o Dragão, O Segredo de Brokeback Mountain e As Aventuras de Pi) concorrerem ao Oscar, deparasse com Will Smith ainda pintado de azul, provavelmente faria três pedidos ao Gênio da Lâmpada – nesta ordem: um roteiro bom; um roteiro bom; e um roteiro bom. O diretor, que em Brokeback Mountain ajudou três de seus quatro principais atores a disputar o Oscar, aqui fechou os olhos e os ouvidos a atuações frouxas e a diálogos sofríveis – quase todos eivados por frases de efeito: "Não é todo dia que se vê um cara apanhar em dois continentes de si mesmo", diz Baron (Benedict Wong), o corriqueiro ajudante do protagonista que se acha a última bolacha da comédia. "Todo mundo odeia coentro", dirá o clone de Henry, como maneira de negar sua herança genética. "É como se o Hindenburg (o dirigível alemão que pegou fogo em 1937) afundasse o Titanic", afirma o vilão sem carisma nenhum encarnado por Clive Owen ao definir por que Henry tem de bailar. O discurso de seu personagem, vale citar, ecoa o de muitos predecessores – aquele papo de que a formação de um grupo de superassassinos pode evitar guerras e o derramamento de sangue inocente blá blá blá. O roteiro sequer ambiciona alguma discussão moral sobre clonagem humana, um tema cada vez menos futurista.
As ambições ficaram todas voltadas não ao futuro da humanidade, mas ao do cinema. Se é verdade que, durante a sessão, o público pode se perguntar POR QUE fizeram este filme, é quase certo que determinadas cenas farão o espectador questionar COMO fizeram este filme. Entusiasta da tecnologia (vide o Oscar de efeitos visuais para As Aventuras de Pi), Ang Lee rodou Projeto Gemini com câmeras 4K de High Frame Rate, que troca os tradicionais 24 quadros por segundo por 120 (no Brasil, por falta de recursos técnicos, a projeção será de 60 quadros, mas não precisamos nos sentir inferiores: nos Estados Unidos, apenas 14 cinemas vão exibir em 120 fps, a sigla de frames por segundo). O ganho é de nitidez e fluidez. Não chega a impressionar nas cenas comuns – é como se estivéssemos vendo uma novela da Globo em uma TV com HD de ponta. A diferença está nas cenas de ação, mais aceleradas e com 3D realmente útil.
A outra inovação de Projeto Gemini é o Will Smith digital. Não se trata de um rejuvenescimento, como o de Samuel L. Jackson em Capitã Marvel, mas da criação de um personagem em CGI (computação gráfica), a partir da captura de movimentos do ator. O clone funciona bem na maior parte do tempo – há um momento face a face incrível –, mas revela sua artificialidade nas passagens mais luminosas.
O que sobra do filme, então? A perseguição de moto em Cartagena, na Colômbia. Lá, sim, podemos ter um vislumbre do futuro dos filmes do gênero, com um hiper-realismo e uma intensidade foras da curva aliados a um posicionamento de câmera diferenciado. Mas a pobreza do roteiro volta a cobrar seu preço. É implausível o desfecho da cena. O mais lógico seria o filme acabar ali mesmo. Fica a dica: daquelas ruas em diante, será ladeira abaixo.