Talvez apenas William Shakespeare tenha sido mais vezes adaptado para cinema e TV do que Stephen King. Em cartaz desde quinta (5) no Brasil, It— Capítulo Dois engrossa a lista de cerca de 300 longas-metragens, curtas, seriados e telefilmes baseados na obra do escritor americano que comemora 72 anos no próximo dia 21 e que já publicou cerca de 70 romances e novelas e mais de 200 contos.
O filme dirigido pelo argentino Andy Muschietti dá sequência a It — A Coisa (2017), maior bilheteria da história no gênero terror, com US$ 700 milhões. Na trama, o sinistro palhaço Pennywise (Bill Skarsgård) está de volta, 27 anos depois dos acontecimentos que traumatizaram um grupo de adolescentes na cidade fictícia de Derry, no Maine (Estados Unidos). Cabe a Mike (Isaiah Mustafa), então, convocar os demais integrantes do Clube dos Otários: Bill (James McAvoy), Bev (Jessica Chastain), Ben (Jay Ryan), Eddie (James Ransone), Richie (Bill Hader) e Stanley (Andy Long).
King é rei na arte de expor seus personagens a provações e privações que nos fascinam. Seu longo reinado em Hollywood — a primeira adaptação, Carrie, a Estranha, data de 1976 — deve-se também a seu ecletismo (varia do horror à ficção científica, do drama ao suspense) e a sua habilidade em retratar os pequenos triunfos e as muitas tragédias do ser humano, nossos desejos e nossas obsessões. Abaixo, montei uma lista com os 10 filmes baseados em King que mais me marcaram e que, espero, deem conta de traduzir essas características.
1) Carrie, a Estranha (1976)
O banho de sangue é uma imagem antológica deste que é um dos grandes filmes de Brian De Palma. Mas o tom é de um pujante thriller psicológico centrado no processo de amadurecimento de uma adolescente (Sissy Spacek), entre a sufocante convivência com a mãe, uma fanática religiosa, e o inferno que vive na escola – sofre bullying dos colegas vividos pelos então novatos John Travolta e Amy Irving. Ganhou um remake em 2013.
2) O Iluminado (1980)
Neste que é um dos melhores filmes de todos os tempos, Jack Nicholson encarna um aspirante a escritor que se muda temporariamente com a mulher (Shelley Duvall) e o filho pequeno, Danny, para atuar, durante o inverno, como zelador de um hotel imenso, isolado e vazio (será?). O cineasta Stanley Kubrick criou uma coleção incrível de cenas memoráveis — tenho inveja de quem assistiu no cinema. O Iluminado ganhará ainda neste ano uma continuação, Doutor Sono, com Ewan McGregor no papel de Danny, agora adulto e alcoolista.
3) A Hora da Zona Morta (1983)
Assinado por David Cronenberg, é protagonizado por Christopher Walken, no papel de um professor que desperta de um prolongado coma e percebe que sua vida mudou radicalmente. Ele perdeu a amada e o emprego e se vê possuidor do poder da clarividência. Tenta levar a vida adiante encarando o dilema moral de tudo saber sobre o passado e o futuro das pessoas que cruzam seu caminho.
4) Conta Comigo (1986)
Indicado ao Oscar de roteiro adaptado, o filme de Rob Reiner ecoa em It: quatro amigos de 12 anos saem à procura do corpo de um adolescente, em uma jornada que transformará suas vidas para sempre. No elenco, River Phoenix, o irmão mais velho de Joaquin Phoenix, morto aos 23 anos por excesso de cocaína e morfina.
5) Louca Obsessão (1990)
Lembro como se fosse ontem de ver este aflitivo filme de Rob Reiner no saudoso Cine Avenida. James Caan interpreta um escritor de sucesso que sofre um acidente de carro e é salvo por uma ex-enfermeira que se revela sua fã número 1 (Kathy Bates, ganhadora do Oscar de melhor atriz). Mas ela não fica nada contente quando descobre os planos do autor para sua personagem preferida. Um filme extremamente atual nestes tempos em que fãs se acham donos das obras que assistem.
6) Um Sonho de Liberdade (1994)
Todo o culto em torno deste drama de prisão dirigido por Frank Darabont – é o número 1 entre os usuários do site IMDb – é justificado. A história do banqueiro (Tim Robbins) condenado pelo assassinato de sua esposa e do amante dela concorreu a sete Oscar, incluindo melhor filme e ator coadjuvante (Morgan Freeman, que a partir daí passou a ser costumeiramente escalado também como narrador).
7) O Aprendiz (1996)
Bryan Singer dirige este jogo psicológico em que um jovem descobre que seu vizinho velho (Ian McKellen) é um criminoso de guerra nazista. O papel-título foi interpretado por Brad Renfro, então um talento ascendente — ele morreria aos 25 anos, por overdose de heroína.
8) À Espera de um Milagre (1999)
O cineasta Frank Darabont voltou ao cenário das penitenciárias neste drama sobrenatural, ambientado na época da Grande Depressão, sobre a vida de um agente penitenciário (Tom Hanks) no corredor da morte. Disputou quatro Oscar, incluindo melhor filme, e deu fama a Michael Clarke Duncan, que concorreu à estatueta de ator coadjuvante — e que morreu em 2012, aos 54 anos, por problemas cardíacos.
9) O Nevoeiro (2007)
Na sua terceira adaptação de uma obra de Stephen King, o diretor Frank Darabont retrata o colapso da civilização em uma pequena cidade do Maine, depois que um estranho nevoeiro cobre o local. Thomas Jane, Marcia Gay Harden e Andre Braugher encabeçam o elenco deste filme, que tem um dos mais lancinantes finais.
10) It — A Coisa (2017)
A brutal cena de abertura, em que conhecemos o malicioso Pennywise (Bill Skarsgård, assustador ao oscilar a voz), prenuncia o mundo de crianças e adolescentes negligenciados e marginalizados no qual nos arriscamos a entrar. O diretor argentino Andy Muschietti constrói e revela com paciência os dramas pessoais dos integrantes do Clube dos Otários, dramas que são mais perturbadores do que os monstros que aparecem em cena.