Com alguns dias de atraso (digamos que demorei computando meus próprios votos), aqui está minha lista dos 20 melhores filmes vistos no primeiro semestre de 2020. O número pode parecer alto, já que as últimas estreias nos cinemas brasileiros ocorreram em 12 de março. Mas é que, além de eu não gostar de seleções muito redutivas, o antes e o durante a pandemia de coronavírus foram férteis em obras que merecem ser vistas.
Este é o objetivo da lista: não só reforçar a relevância e a qualidade de alguns filmes, mas também tentar multiplicar o alcance de títulos que podem ter passado despercebidos. O bom é que muitos deles estão disponíveis em plataformas de streaming como Netflix, Now, Amazon Prime Video, Apple TV, Google Play, YouTube e Vivo Play.
Valeram apenas filmes que estrearam nos cinemas ou no streaming a partir de 1º de janeiro. Coloquei na ordem decrescente de preferência conforme meu estado de espírito nesta terça-feira (7). Quase todos foram comentados aqui na coluna – clique nos links. E deixe seu comentário, mesmo que seja para lamentar uma ausência ou espinafrar uma presença.
Menção honrosa: Amy Ryan em Lost Girls: Os Crimes de Long Island, de Liz Garbus (*)
20) Resgate, de Sam Hargrave (*)
19) Viver Duas Vezes, de Maria Ripoll (*)
18) Você nem Imagina, de Alice Wu (*)
17) O Caso Richard Jewell, de Clint Eastwood (**)
16) O Homem Invisível, de Leigh Whannell (**)
15) Luta por Justiça, de Justin Daniel Cretton (**)
14) Destacamento Blood, de Spike Lee (*)
13) Joias Brutas, de Josh Safdie e Ben Safdie (*)
12) O Declínio, de Patrice Laliberté (*)
11) Tempo de Caça, de Sung-hyun Yoon (*)
10) Adoráveis Mulheres, de Greta Gerwig (**)
9) Mystify: Michael Hutchence, de Richard Lowenstein (*)
8) O Poço, de Galder Gaztelu-Urrutia (*)
7) Ninguém Sabe que Estou Aqui, de Gaspar Antillo (*)
6) O Farol, de Robert Eggers (**)
5) Jojo Rabbit, de Taika Waititi (**)
4) 1917, de Sam Mendes (**)
(*) Disponível na Netflix. (**) Consulte plataformas como Google Play, YouTube, Now, Apple TV e Vivo Play.
3) Os Miseráveis, de Ladj Ly
Escondida sob o favoritismo de Parasita na categoria de melhor filme internacional do Oscar, a obra de estreia do francês de ascendência malinesa Ladj Ly atualiza o retrato das tensões sociais pintado no clássico literário de Victor Hugo (1802-1885). Com estilo naturalista, a câmera foca em um subúrbio de Paris e acompanha a escalada de um conflito que envolve imigrantes de diferentes etnias, um grupo de adolescentes e um trio de policiais. Por causa do sufocante epílogo, permaneci sentado até o final dos créditos. Imperdível. Disponível em Apple TV, Now, Google Play e YouTube.
2) Retrato de uma Jovem em Chamas, de Céline Sciamma
Cada plano deste filme ambientado em 1770, em uma ilha da Bretanha, na França, é como um quadro que revela o talento para a composição da cena, a expressividade dos personagens, o contraste das cores (ou dos significados), a indução de um sentimento. Essa aproximação estética com a pintura não torna o longa-metragem necessariamente estático, porém, é preciso reconhecer que, em seu início, o ritmo narrativo pode ser um obstáculo para o envolvimento do espectador com a história da jovem pintora Marianne (Noémie Merlant), contratada para fazer o retrato de Héloïse (Adéle Haenel), uma moça que acaba de ser retirada de um convento e está prometida pela mãe a um cavalheiro de Milão, na Itália.
Mas também é preciso reconhecer que, com a aparente lentidão, a cineasta francesa Céline Sciamma espelha o próprio processo de pintar um quadro. Isso é sugerido nos créditos de abertura: uma tela em branco que aos poucos vai recebendo pinceladas, como a nos avisar, a nos lembrar, que uma obra de arte – ou um romance entre duas pessoas – não nasce pronto; requer camadas e mais camadas de tintas e de emoções, até que nos conquiste por completo, nos hipnotize de tal forma que nos convertemos em dependentes de contemplá-la. Disponível em Apple TV, Now, Vivo Play e Sky Play.
1) Você Não Estava Aqui, de Ken Loach
Não há nada de sobrenatural, nada de efeitos especiais, mas este é um filme de terror. Retrata um monstro sem rosto, mas com vários logotipos reconhecíveis, que assola empregados e desempregados: a precarização do trabalho. O assustador realismo da trama encenada em Newcastle, no norte da Inglaterra, é realçado pela escalação de atores estreantes ou desconhecidos; pela postura econômica da câmera, quase documental (por vezes, a sensação é de que estamos nos intrometendo na vida daquelas pessoas); e pelo uso parcimonioso da trilha sonora. O protagonista é Ricky Turner (Kris Hitchen), um pai de família que, após ter atuado na construção civil e na jardinagem, setores em que chefes durões e colegas preguiçosos o incomodavam, resolve ser patrão de si mesmo. Vira motorista de uma empresa que faz entregas do comércio digital, sem carteira assinada.
— Aqui você não trabalha para nós. Aqui, trabalha conosco — diz a ele o gerente Maloney (o ex-policial Ross Brewster), em um canto da sereia que prenuncia uma jornada de problemas.
Coincidentemente, Você Não Estava Aqui chegou aos cinemas brasileiros às vésperas de o coronavírus paralisar o mundo. Talvez a pandemia tenha reforçado muitas das reflexões que o diretor Ken Loach propôs, na batida do que o filósofo sul-coreano Byung-chul Han batizara de sociedade do cansaço – que cobra o desempenho, a produtividade, a rapidez. Sempre demandado, sempre sobrecarregado – incluindo aí a exposição voluntária às redes sociais –, o indivíduo não tem mais sossego espiritual nem tempo para elaboração. Vive na correria, afoga-se em uma rotina de afazeres e alimenta a angústia de que uma hora todo aquele esforço será recompensado. Será? Disponível em Apple TV, Now, Google Play, YouTube e Vivo Play.