Fita de Cinema Seguinte do Borat (Borat Subsequent Moviefilm, no original), que estreou nesta sexta-feira (23) no Amazon Prime Video, forma uma espécie de trilogia crítica a Donald Trump no ano em que o presidente dos Estados Unidos busca a reeleição. Depois do Destacamento Blood de Spike Lee, que revisita a Guerra do Vietnã, e do drama de tribunal Os 7 de Chicago, de Aaron Sorkin, chegou a vez de usar como veículo outra tradição cinematográfica americana: a comédia.
Feito na surdina durante a pandemia, com direção de Jason Woliner (do seriado The Last Man on Earth, 2015-2018), o filme retoma o personagem que deu popularidade ao comediante britânico Sacha Baron Cohen (que, não por acaso, é um dos principais nomes no elenco de Os 7 de Chicago). Em Borat: o Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América (2006), quem cruzasse no caminho desse falso jornalista de TV sofria constrangimentos ou dizia coisas das quais deveria se envergonhar. Dirigido por Larry Charles, um dos roteiristas do seriado Seinfeld (1989-1998), o filme refletia a visão estereotipada que muitos americanos têm dos países do Leste Europeu e da Ásia Central, ao mesmo tempo em que flagrava espantosos costumes dos Estados Unidos.
As piadas antissemitas, escatológicas, misóginas, racistas e homofóbicas geraram uma onda de processos — pelo governo cazaque, pela vila romena usada como dublê da cidade do personagem, pelo professor que dá aulas de direção a Borat... —, mas também muito dinheiro, prêmios e elogios. Nas bilheterias, arrecadou US$ 262 milhões, quase 15 vezes o seu custo de produção. Valeu a Cohen o Globo de Ouro de melhor ator em comédia ou musical, entrou na lista dos 10 filmes do ano do American Film Institute e concorreu ao Oscar de roteiro adaptado. No site Rotten Tomatoes, que agrega críticas, tem 91% de aprovação.
A nova empreitada começa mostrando Borat na prisão, onde passou os últimos 14 anos por ter manchado o nome de seu país. Que teve de cancelar o Corre do Judeu, uma famigerada festa popular do tipo Farra do Boi – só foi mantido o Dia de Reverência ao Holocausto (a propósito: Cohen é judeu).
Mas Borat ganha uma oportunidade de se redimir. Basta fazer com que o premiê cazaque, Nazarbayev, caia nas graças de "McDonald" Trump, tornando-se um dos "líderes globais durões" com quem o presidente americano fez amizade (e que surgem em imagens): "Putin, Kim Jong-un, Bolsonaro e Kenneth West (como o protagonista se refere ao rapper Kanye West)".
Acontece que infame repórter fez cocô na frente do edifício Trump Plaza no primeiro filme. Portanto, o negócio será conquistar o vice-presidente, Mike Pence. O mimo é um símio: o chimpanzé Johnny, ministro da Cultura e astro pornô. Protegido por uma injeção de lágrimas de cigano, Borat embarca para uma longa viagem de navio. Mas as coisas não saem como o planejado. Ao desembarcar no Texas, descobre que sua única filha mulher, Tutar (a búlgara Maria Bakalova) — que, aos 15 anos, "é a mais velha solteira do Cazaquistão" —, viajou clandestinamente.
É Tutar, em vez do saudoso Azamat, que fará companhia a Borat na jornada pela América profunda — e também pela América superficial. Pai e filha vão se encontrar com apoiadores de Donald Trump que, armados com metralhadoras, protestam contra o distanciamento social imposto pela pandemia de coronavírus, por exemplo, e também com uma suposta influenciadora digital, chamada de Macey Chanel, para ensinar a Tutar táticas de sedução nada feministas, com o objetivo de fisgar Mike Pence. Como complemento, marcam uma cirurgia para o implante de silicone.
O problema, como o próprio Borat admite em cena, é que ele ficou famoso. E isso se torna um problema também para o filme.
Por um lado, o personagem precisa usar disfarces, sob alcunhas autoexplicativas, como John Chevrolet e Country Stevens. Por outro, 14 anos depois da primeira experiência, o espectador já está mais acostumado com o estilo batizado de mockumentary — a junção, em inglês, de mock (zombar) e documentary (documentário). Ou seja: já não acreditamos tão piamente na ilusão de autenticidade daqueles momentos embaraçosos ou ultrajantes. O uso de diferentes planos na montagem reforça a impressão de que tudo é encenado e talvez até ensaiado, o que tira (boa) parte da graça. Os momentos de assombro que caracterizam o filme de 2006 aparecem de relance no de 2020, como quando um homem, com o rosto escondido sob um efeito digital, faz uma saudação nazista.
A sensação de truque marca até uma das cenas capitais, quando Borat, fantasiado de Donald Trump, invade uma convenção conservadora para tentar entregar seu presente, Tutar, a Mike Pence. A edição não deixa evidente se o vice-presidente enxergou a dupla cazaque.
Mas pelo menos uma pegadinha deu certo e foi real, embora alguns trechos sugiram o emprego de um dublê. Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York e advogado de Donald Trump, chegou a chamar a polícia em julho, após ter concedido uma estranha entrevista em um quarto de hotel para "uma jovem atraente e paqueradora" — era Tutar. Ao jornal New York Post, Rudy disse ter pensado que o encontro fosse uma entrevista séria sobre os esforços do governo federal para combater a pandemia (ou, como ele diz, "o vírus chinês"):
— Só um pouco depois me dei conta de que era Baron Cohen. Pensei em todas as pessoas que ele enganou anteriormente e me senti bem comigo mesmo porque não me pegou.
Será que não pegou? "Parece" que pegou, mostra o divertido plot twist, a virada na trama, que inclui uma participação especial de Tom Hanks, como ele próprio, e um chiste cheio de veneno em direção a Kevin Spacey. Como diz um bordão de Borat: "Wawaweewa!".