A partir desta sexta-feira (23), estão disponíveis na Netflix todos os filmes da série Rocky — os cinco filmes que Sylvester Stallone, hoje com 74 anos, estrelou entre 1976 e 1990, a retomada do personagem, já aposentado, em Rocky Balboa (2006), e os dois Creed (2015 e 2018), com Michael B. Jordan no papel do filho de Apollo Creed, o campeão dos pesos-pesados que o mais célebre e longevo pugilista do cinema desafiou na sua estreia.
Rocky, um Lutador (1976) é, sem sombra de dúvida, um dos melhores títulos não só da franquia, não só de boxe, mas de esporte como um todo. Ganhou três Oscar — melhor filme, diretor (John G. Avildsen) e edição — e concorreu a outros sete, incluindo melhor ator, atriz (Talia Shire), roteiro original (escrito pelo próprio Stallone), ator coadjuvante (com dois indicados, Burgess Meredith e Burt Young), e, claro, a empolgante canção Gonna Fly Now. Quem nunca se imaginou, diante de um desafio, subindo os degraus de pedra do Museu de Arte da Filadélfia, como Rocky Balboa, ao som daquela música composta por Bill Conti, Carol Connors e Ayn Robbins? Tananaaan, tananan...
Bem, deixando de lado esse momento musical, Rocky tem aquilo que faz do ringue um cenário por excelência para o Oscar. Os filmes de boxe costumam focar em personagens que travam não apenas uma luta física (o que é suficiente para render cenas de ação cruas e realistas ou, pelo contrário, inventivas e até poéticas), mas também uma luta psicológica. É um duelo em que só pode haver um ganhador, mas que permite ao perdedor a segunda chance, tema mítico nos Estados Unidos, um país que nasceu de uma segunda chance — a dos pobres e degradados britânicos que partiram para a América no século 17. Os atores, por sua vez, têm a oportunidade de operar as transformações corporais que enchem os olhos da Academia — não apenas a de malhação, mas sobretudo a de Hollywood.
Os filmes subsequentes da franquia não chegaram nem perto do mesmo reconhecimento crítico — Rocky IV (1985) e Rocky V (1990) "ganharam" ou foram indicados a várias Framboesas de Ouro, o prêmio galhofeiro promovido por um jornalista na véspera do Oscar. Mas Rocky IV tem a seu favor a condição de campeão nas bilheterias. Lançado à época da Guerra Fria, soube capitalizar a rivalidade entre os Estados Unidos e a então União Soviética, transposta para os ringues no combate entre Rocky e Ivan Drago (encarnado por Dolph Lundgren). Faturou US$ 300 milhões, contra os US$ 270 milhões de Rocky III (1982) e os US$ 225 milhões do primeiro filme.
A redenção do personagem aconteceu 16 anos depois de sua última aparição: Rocky Balboa (2006), escrito, dirigido e protagonizado por Stallone. Na trama, o boxeador está aposentado e toca a vida como dono de restaurante, batizado de Adrian's em homenagem a sua falecida esposa. Quando um programa de TV simula um combate entre ele e o campeão dos pesos-pesados Mason Dixon (inspirado em Mike Tyson e encarnado por um pugilista de verdade, Antonio Tarver), Rocky tem a chance de voltar ao ringue e, de quebra, reconquistar o respeito do filho.
Stallone recebeu elogios, mas só voltou a ser lembrado pelo Oscar pela atuação em Creed: Nascido para Lutar (2015), de Ryan Coogler. Rocky, agora, é um treinador, cujo bom humor contrasta com a seriedade do Adonis Johnson interpretado por Michael B. Jordan. O filme fez de Stallone, indicado ao Oscar de coadjuvante, o sétimo ator na história a disputar a estatueta pelo mesmo personagem e abriu em definitivo as portas para Jordan, que depois viveria o Killmonger de Pantera Negra (2018), também dirigido por Coogler e lançado no mesmo ano de Creed II — em que os filhos de Apollo Creed e Ivan Drago revivem o duelo travado pelos pais na década de 1980.
O Oscar em 12 rounds
O mundo esportivo comemora daqui a alguns dias os 60 da primeira luta profissional de Muhammad Ali (1942-2016). Em 29 de outubro de 1960, ainda usando seu nome de nascimento — Cassius Marcellus Clay Jr. —, ele vestiu o calção e as luvas para enfrentar e derrotar Tunney Hunsacker.
Já o mundo do cinema festejará, em 2021, os 90 anos do primeiro filme sobre boxe indicado ao Oscar: The Champ (1931), vencedor das estatuetas de melhor ator, para Wallace Beery, e roteiro original, além de ter concorrido ao principal troféu e ao de diretor.
Instituída em 1927, a premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood é apaixonada por pugilistas. Ao todo, 22 filmes (sem contar documentários) sobre esse esporte já disputaram o Oscar, e 20 estatuetas foram entregues. Para efeito de comparação, apenas oito longas-metragens sobre beisebol receberam indicações, quase sempre saindo da festa de mãos vazias. Veja, a seguir, uma lista com 12 títulos expressivos — excluindo os já citados Rocky e Creed.
Que Espere o Céu (1941), de Alexander Hall: venceu o Oscar de roteiro original e concorreu a melhor filme, ator (Robert Montgomery), ator coadjuvante (James Gleason) e fotografia em preto e branco.
Corpo e Alma (1947), de Robert Rossen: Oscar de melhor edição e indicado a ator (John Garfield) e roteiro original.
O Invencível (1949), de Mark Robson: a edição foi premiada. Disputou as estatuetas de ator (Kirk Douglas), ator coadjuvante (Arthur Kennedy), roteiro original, fotografia em preto e branco e música.
Depois do Vendaval (1952), de John Ford: ganhou os Oscar de melhor diretor e fotografia em cores e brigou por melhor ator coadjuvante (Victor McLaglen), roteiro original, direção de arte e som.
A Grande Esperança Branca (1970), de Martin Ritt: concorreu nas categorias de melhor ator (James Earl Jones) e melhor atriz (Jane Alexander).
Touro Indomável (1980), de Martin Scorsese: Oscar de melhor ator (Robert de Niro) e edição, indicado também a melhor filme, diretor, ator coadjuvante (Joe Pesci), atriz coadjuvante (Cathy Moriarty), fotografia e som.
Quando Éramos Reis (1996), de Leon Gast: o filme que rememora o combate entre Muhammad Ali e George Foreman no então Zaire (hoje República Democrática do Congo), em 1974, levou o Oscar de documentário.
Hurricane — O Furacão (2000), de Norman Jewison: indicado a melhor ator (Denzel Washington).
Ali (2001), de Michael Mann: indicado a melhor ator (Will Smith) e a ator coadjuvante (Jon Voight).
Menina de Ouro (2004), de Clint Eastwood: recebeu os Oscar de melhor filme, direção, atriz (Hilary Swank) e ator coadjuvante (Morgan Freeman). Concorreu a melhor ator (o próprio Eastwood), roteiro adaptado e edição.
A Luta pela Esperança (Cinderella Man, 2005), de Ron Howard: indicado a melhor ator coadjuvante (Paul Giamatti), edição e maquiagem.
O Vencedor (2010), de David O. Russell: valeu os Oscar de coadjuvantes a Christian Bale e Melissa Leo (que tinha entre as rivais uma colega de elenco, Amy Adams). Foi indicado também a melhor filme, direção, roteiro original e edição.
Bônus
Ajuste de Contas (2013), de Peter Segal: entra na lista porque traz Sylvester Stallone e Robert de Niro interpretando dois sessentões que voltam ao ringue, como se fosse o duelo nunca visto entre Rocky Balboa e o Jake LaMotta de Touro Indomável. Disponível no Google Play e no YouTube.