Alguns pesquisadores afirmam que o conflito comercial entre Estados Unidos e China é apenas a ponta de uma disputa maior entre as potências por poder global e que, por isso, pode ser chamado de nova Guerra Fria ou Guerra Fria 2.0.
Outros rejeitam o termo, lembrando que a disputa entre os dois gigantes está longe do que o planeta viveu entre os anos 1940 e 1990. Há argumentos para os dois lados. Veja.
Por que é Guerra Fria
Duas potências, China e Estados Unidos disputam poder e influência em vários campos, do militar ao tecnológico (Huawei) e estratégico. Tudo permeado por interesses econômicos.
As duas nações disputam zonas de influência e buscam aliados para se opor à outra. No Brasil, por exemplo, os Estados Unidos pressionam para que a Huawei não seja aceita na licitação sobre 5G. No campo econômico, a China, como parte de seu megaprojeto de infraestrutura (Belt and Road Initiative), faz parcerias com governos na Ásia, Europa, África e América do Sul. Há projeção de influência por meio de ajuda externa _ China e EUA têm entregue medicamentos, respiradores e máscaras a aliados.
Rixas pontuais lembram a disputa dos anos 1960, como o fechamento do consulado chinês em Houston, sob ordens do governo Donald Trump, e a retaliação de Pequim, que ordenou o fim da missão americana em Chengdu. Há acusações mútuas de espionagem. Na pandemia, há provocações: com frequência, o governo Trump se refere ao coronavírus como "vírus chinês".
Uso de causas internacionais e territórios como argumento para pressionar um e outro. Os EUA, por exemplo, prometeram aplicar sanções a quem oprimir o povo de Hong Kong, território chinês sobre o qual Pequim tem aumentado a influência. O resultado foi a reação de Pequim, que prometeu sanções a pessoas e instituições americanas ligadas ao que considera interferência em seus assuntos internos.
Há tensão militar, equivalente aos tempos da Guerra Fria. Desta vez, no Mar do Sul da China, zona que Pequim considera de sua influência. Porta-aviões americanos já fizeram manobras na região no mesmo momento em que embarcações chinesas patrulhavam a área. Há risco de confrontos acidentais.
Há até uma corrida espacial, como antigamente. A China lançou no dia 23 uma espaçonave para sua primeira missão em Marte. Na quinta-feira, os EUA enviaram o foguete Atlas, da Nasa, levando um jipe espacial Perseverance, dando início a um processo de retirada de rochas do planeta vermelho.
Por que não é Guerra Fria
A Guerra Fria ocorreu dentro de um contexto histórico específico, pós Segunda Guerra Mundial a partir da ascensão de duas superpotências, EUA e URSS, vencedoras do conflito. E isso não pode se repetir.
Não se trata de uma guerra ideológica nem cultural, como se tinha entre EUA e URSS.
A China não deseja ter hegemonia política, cultural e econômica do planeta, como os EUA querem e como a URSS planteava. Apesar disso, Pequim planeja uma projeção e reconhecimento como potência.
A Guerra Fria se caracterizou como a evitação, por um e outro país, de uma guerra direta entre as duas superpotências _ daí o termo "fria". No caso atual, as rixas, os bate-bocas são diretos e as ações e reações ocorrem entre os dois governos com imposição de sanções, por exemplo.
Não há guerras por procuração (chamadas proxy wars). Tratam-se de confrontos regionais entre aliados de uma e outra nação. São exemplos as guerras da Coreia (o Norte comunista x o Sul capitalista) e do Vietnã (repetindo a lógica).
Na Guerra Fria havia uma clara divisão do sistema internacional _ Cuba era aliada soviética, enquanto Brasil era parceiro americano. Angola era soviética, África do Sul, americana. Isso não existe hoje. Hoje, há diferentes polos de poder no sistema internacional (alguns teóricos falam em heteropolaridade, mais do que uma multipolaridade).
Não há exigência de exclusividade dos aliados. O Paraguai, por exemplo, não reconhece o governo da China (apoia Taiwan), mas o país é dependente comercial e economicamente dos chineses.
China e EUA são interdependentes. De 1990 a 2019, a China investiu US$ 150 bi em empresas nos EUA. No caminho contrário, os americanos colocaram US$ 284 bi em território chinês. Os chineses também são importantes compradores de soja americana.