A menos de cem dias para as eleições nos Estados Unidos, Donald Trump defendeu, nesta quinta-feira (30), o adiamento do pleito, previsto para 3 de novembro. O argumento principal é a pandemia. Se fosse apenas essa a razão principal, trataria-se por si só de uma mudança de postura de 180 graus em relação à gravidade e aos impactos da crise provocada pelo coronavírus.
Inicialmente, Trump minimizava a doença e vinha se esforçando para dar ares de normalidade à vida no país. Em uma coletiva, chegou a rejeitar categoricamente a possibilidade de adiamento do pleito:
- Nunca considerei mudar a data... Por que faria isso?
Por meio do Twitter, nesta quinta, ele afirmou que o voto pelo correio pode fazer desta a eleição mais imprecisa e fraudulenta da história".
Não é simples mudar a data da eleição nos Estados Unidos, país que já realizou a disputa mesmo em tempos de guerra civil, no século 19, e em meio a ameaças de atentados terroristas, como em 2004.
A data da eleição é definida por lei federal desde 1845. Ou seja, não basta uma ordem executiva do presidente (equivalente americano à medida provisória no Brasil) para alterar o calendário. Seria necessário um acordo bipartidário entre republicanos e democratas. É algo improvável, porque a oposição está em vantagem nas pesquisas, vive uma espécie de onda Joe Biden e tem maioria na Câmara dos Representantes.
Mas por que, de fato, Trump quer mudar a data da eleição? Abaixo, três motivos que vão além do coronavírus.
1 - O tuíte do presidente veio minutos depois do anúncio da queda histórica do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA no segundo trimestre (-32,09%) em razão da pandemia. Até a crise do coronavírus, a economia durante o governo Trump batia recordes. O desemprego era o mais baixo em 50 anos, ativo fundamental do presidente na busca pela reeleição. Mas isso mudou com a pandemia. Adiar o pleito dá mais tempo ao governo para recuperar os danos econômicos, preocupação número 1 dos eleitores.
2 - O argumento explícito de Trump para propor o adiamento é o suposto risco de fraude eleitoral em razão do voto pelo correio. Nos Estados Unidos, há três formas de votar, lembrando que o voto não é obrigatório: o primeiro é o tradicional, no dia da eleição, comparecendo à urna (há Estados em que o voto é eletrônico e, em outros, o procedimento ainda é da forma antiga, com papel e caneta). O segundo é votar de forma antecipada, também comparecendo a um dos locais de votação. O terceiro, e mais polêmico, é pelo correio - como fazem, por exemplo, americanos que moram no Exterior. O próprio Trump já votou este ano assim.
Apesar disso, em junho, Trump já havia sugerido que o voto pelo correio seria problemático (em uma briga com o governador democrata da Califórnia, Estado com maior população e delegados no colégio eleitoral), apesar de estudos terem encontrado poucas evidências de possibilidade de fraude.
Os democratas querem ampliar essa possibilidade, uma vez que o procedimento reduz os riscos de aglomerações em meio à pandemia. Mas Trump e os republicamos já tinham se manifestado contrários.
A disputa eleitoral nos EUA é complexa e descentralizada: cada Estado tem uma legislação própria, ao contrário do Brasil, onde a Justiça eleitoral organiza e rege o pleito.
3 - Adiar o pleito - ou ao menos levantar essa hipótese - ajuda a criar um fato novo no momento em que Trump aparece atrás de Biden nas pesquisas nacionais e, mais importante, nos Estados-chave, como Flórida, Carolina do Norte e Pensilvânia. No Texas, tradicional reduto republicano, os dois estão empatados - o que aponta perda de tração de Trump em um dos mais importantes Estados conservadores do país.
Além disso, estrategistas do partido temem que muitos eleitores idosos ou que moram em zonas ruais, cuja preferência pesa para o lado republicano, evite votar com medo do coronavírus. O "fato novo" do pedido de adiamento ajuda a quebrar a onda Biden.