Assisti a três filmes de 2020 - Muito Amor pra Dar, na Netflix, Vigiados e Mentira Incondicional (The Lie), ambos no Amazon Prime Video - aos quais faria bem ter acesso a um recurso do futebol: o VAR. Alvo de polêmica no Campeonato Brasileiro, onde deveria pecar por excesso, não por omissão, como aconteceu em São Paulo 0x0 Grêmio, o assistente de vídeo poderia salvar a arbitragem – no caso, o diretor – de decisões equivocadas.
Na comédia argentina Muito Amor pra Dar, o VAR evitaria que o jogo comandado por Marcos Carnevale tivesse cara do século passado, com lances retrógrados e que praticamente transformam o sacana em vítima.
No suspense americano Vigiados, estreia do ator Dave Franco no apito, um agente externo acabou desviando o foco dos duelos mais interessantes, que eram movidos pela troca de passes, de segredos e dedesconfianças entre os personagens.
Sobre Mentira Incondicional, que ainda não havia sido comentado aqui, vou ter de fazer uma pequena crônica da partida, encerrada de modo frustrante para a torcida. Mas prometo não entregar o placar final.
O filme é baseado no longa-metragem alemão Nós Monstros (2015), de Sebastian Ko. A adaptação ficou a cargo da canadense Veena Sud, que desenvolveu a versão americana do seriado dinamarquês Forbrydelsen, The Killing (2011-2014).
Resumidamente, conta a história de uma família consumida pela mentira, como o título indica. Kayla (interpretada por Joey King, a protagonista da franquia A Barraca do Beijo) é uma adolescente de 15 anos, filha de pais separados – Jay (o sempre intenso Peter Sarsgaard), um roqueiro, e Rebecca (Mireille Enos, a estrela de The Killing), uma ex-policial que agora trabalha em um escritório de prestígio. Quando está a caminho de um acampamento de balé, Kayla pede para o pai dar carona a uma amiga, Brittany, mas as coisas dão muito errado.
A partir daí, Jay e Rebecca passam a chafurdar na areia movediça. Os closes nos rostos dos personagens são como espelhos para que a gente reflita: até onde iríamos para proteger nossos filhos? E o que fazer, ou pelo menos o que sentir quando descobrimos que podemos ter criado um monstro?
No ritmo de uma sinistra comédia de erros, Mentira Incondicional vai subindo suas apostas. Cada revelação de Kayla e cada decisão de Jay e Rebecca abrem novas frentes de batalha e dão margem a novos questionamentos, alguns deles explicitados em cena: como se corrige uma coisa muito errada? O quanto julgamos os outros pela aparência?
É o tipo de filme do qual eu gosto muito, o que nos coloca contra a parede e pergunta o que faríamos no lugar daquelas pessoas comuns que de repente são confrontadas por um imenso dilema moral. Pena que, faltando uns cinco minutos para o final, Veena Sud permita uma espécie de jogada de craque – uma virada que se transforma em um gol contra. É a firula que parece mirar apenas na surpresa, no espanto, o drible desnecessário na plausibilidade. Se eu estivesse no VAR, teria anulado o lance e aplicado cartão amarelo por antijogo.