A adolescência é um período que pode ser ao mesmo tempo estranho, constrangedor, equivocado e divertido. Coincidentemente, essas características descrevem o filme A Barraca do Beijo, comédia romântica adolescente que chegou no dia 11 de maio à Netflix. Independente de suas virtudes (ou a falta delas), a produção atingiu um sucesso meteórico e se tornou a mais recente sensação do serviço de streaming.
O longa-metragem é uma adaptação do livro homônimo da escritora britânica Beth Reekles, que publicou a obra pela primeira vez no Wattpad – serviço online para compartilhar histórias –, quando tinha 15 anos (hoje, ela tem 23), em 2011. Logo, o livro virou um fenômeno no ambiente virtual e, no ano seguinte, foi publicado em edição física, alavancando a carreira de Beth.
Com direção de Vince Marcello, a trama do filme gira em torno de Shelly "Elle" Evans (Joey King), uma adolescente de 16 anos. Estabanada e espontânea, ela é a mocinha a ser lapidada ao longo da história. Seu melhor amigo é Lee Flynn (Joel Courtney). A amizade dos dois vem desde o berço – nasceram no mesmo dia, hora e hospital. Brincalhão e parceiro para todas as horas, Lee é o típico mocinho boa praça (leia-se: sem sal). Por outro lado, ele tem um irmão mais velho, Noah (Jacob Elordi), que está às vesperas de ir para a faculdade. Alto, forte e mulherengo, trata-se de um bad boy que remete ao personagem Carlos Maçaranduba (Claudio Manoel), do Casseta & Planeta, Urgente!, cuja filosofia se resumia na frase "vou dar porrada" – ou seja, é um valentão que vive se metendo em brigas. Estereótipo recorrente no gênero, Noah é o tipo de personagem que você visualiza e, imediatamente, consegue prever que terá uma redenção no final após distribuir sopapos em 75% do elenco masculino.
Para perdurar a amizade, Elle e Lee criaram um conjunto de regras. Umas dela era não se envolver com familiares. Acontece que a jovem passa a ter uma queda pelo irmão de seu amigo, e é correspondida. É com ele que a jovem dá o seu primeiro beijo, justamente em uma barraca do beijo (a desculpa para o título). Com medo de contar a verdade a Lee, os dois passam a se enrolar em um romance secreto.
Pastiche e nostalgia
Embora público-alvo mais óbvio esteja na adolescência, A Barraca do Beijo pode fisgar adultos por proporcionar elementos nostálgicos de filmes da juventude de outrora. O longa ecoa produções como 10 Coisas que Odeio em Você (quando Elle desce as escadas para o baile de formatura), Meninas Malvadas (há o grupinho de garotas facínoras) e O Clube dos Cinco, ao tocar a música Don't You (Forget About Me), do Simple Minds.
Também há um "oi" mais sutil para o passado: Molly Ringwald – estrela de clássicos adolescentes oitentistas como Clube dos Cinco (1985), A Garota de Rosa Shocking (1986) e Gatinhas e Gatões (1984) – vive a mãe dos irmãos Flynn.
Mesmo se tratando de um amontoado de pastiches, A Barraca do Beijo pode ser um entretenimento reconfortante. Apesar de seguir a cartilha de clichês do gênero, o filme traz o seu frescor ao evitar transformar em romance a amizade entre Elle e Lee, um caminho que poderia ser fácil. Outro potencial é ter uma protagonista que se autoafirma como dona de seu corpo e de seus desejos, em uma mensagem de positividade sexual.
Problemático para a crítica
Com apenas 13% de aceitação no Rotten Tomatoes, site que agrega críticas, A Barraca do Beijo não teve uma boa recepção da imprensa. Por exemplo, IndieWire classificou o filme como "sexista" e "datado". The Daily Dot chamou a atenção ao fato de ter menores de idade consumindo bebidas alcoólicas massivamente.
De qualquer maneira, o longa pode ser interpretado como uma disputa de irmãos pelo controle de uma mulher. É como se ela fosse um troféu. Sem um aparente interesse romântico, Lee tenta manipular emocionalmente sua melhor amiga para que não fique com seu irmão. Já Noah apresentava um comportamento possessivo antes de iniciar o romance com Shelly, tentando protegê-la mesmo quando ela não quer. Esta síndrome de cavaleiro branco é um comportamento similar ao de mocinhos sufocadores como Edward (Crepúsculo) e Christian Grey (50 Tons de Cinza).
Há uma cena em que um colega de escola assedia sexualmente a protagonista. A seguir, ela rapidamente supera o episódio e aceita sair em um encontro com o abusador.
Além das resoluções equivocadas na trama, o longa passa reto no desenvolvimento de seus personagens secundários. A relação entre os irmãos não tem nenhuma empatia ou carga dramática – é como se eles se desconhecessem. Também há uma tentativa apressada de apresentar um romance gay entre dois alunos da escola, mas nem sabemos quem são aqueles dois. Isso sem contar as cenas românticas com diálogos tão ruins que podem fazer o espectador se contorcer de constrangimento.
Mas é sucesso
Apesar de não agradar à crítica, A Barraca do Beijo é um sucesso de público. Em junho, Ted Sarandos, CEO da Netflix, afirmou que o longa se tornou um dos mais vistos no serviço de streaming nos Estados Unidos e talvez no mundo. Para o jornal The New York Times, é o filme do verão americano deste ano.
A Barraca do Beijo não contou com nenhuma estratégia de marketing agressiva, tampouco era um lançamento aguardado com ansiedade. Para o diretor Vince Marcello, o boca a boca nas redes sociais ajudou:
– Você pode rodar comerciais e fazer todas as promoções convencionais, mas nada é mais poderoso que as pessoas no seu feed do Twitter dizendo "oh, meu Deus, vejam isto, me emocionei".
Um dos motivos para o sucesso pode ser explicado pela lacuna de comédias românticas em ambiente escolar, como aponta o site Uproxx. Os adolescentes desta era ainda não tinham seu filme definitivo – como foram As Patricinhas de Beverly Hills (1995), Clube dos Cinco (1985) e Meninas Malvadas (2004) em suas épocas –, que dialogasse com o presente. Apesar de suas deficiências e controvérsias, A Barraca do Beijo é o mais próximo de um 10 Coisas que Odeio em Você (1999) ou um dos filmes do John Hughes que esta geração já teve, mesmo que a qualidade esteja a quilômetros de distância dessas referências.