É um dos mistérios da humanidade: o esporte mais popular do mundo não faz sucesso de público quando vira filme. Ficções, como Decisão (La Partita, 2019), recém lançada pela Netflix, e cinebiografias sobre futebol também não costumam concorrer a prêmios importantes, ao contrário, por exemplo, do boxe, do beisebol, do futebol americano, do atletismo, do basquete, do ciclismo, do rúgbi, e até da sinuca e do turfe, que já conquistaram ou disputaram Oscar. Alguns chegaram a erguer a principal estatueta dourada – casos de Rocky (1976), Carruagens de Fogo (1981) e Menina de Ouro (2004).
Não faltam bons títulos, como O Milagre de Berna (2003), que reconstitui a vitória da seleção alemã na Copa do Mundo de 1954, o brasileiro Linha de Passe (2008), de Walter Salles e Daniela Thomas, sobre quatro irmãos criados por uma mãe-coragem – um deles com sonho de ser jogador –, e, principalmente, Maldito Futebol Clube (2009), de Tom Hooper, em que o ótimo ator Michael Sheen interpreta o técnico inglês Brian Clough durante seus turbulentos 44 dias no comando do Leeds United, em 1974. Outra cinebiografia de destaque é Heleno (2012), de José Henrique Fonseca, com Rodrigo Santoro no papel de Heleno de Freitas (1920-1959), trágico craque do Botafogo da década de 1940. E há também a minissérie The English Game (2020), que usa os primórdios do esporte como pano de fundo para a luta de classes.
Longa-metragem de estreia do diretor Francesco Carnesecchi, Decisão tinha potencial para estar em uma simbólica primeira divisão dos filmes sobre futebol. A trama se desenvolve ao redor de uma final de campeonato juvenil na várzea da capital italiana. Enquanto o jogo rola, acompanhamos, nos bastidores e em flashbacks, os dramas de três personagens arquetípicos: o craque, o treinador e o presidente do time – o Sporting Roma, que nunca venceu nada na vida. Um Íbis da Itália.
Antonio, o camisa 10, interpretado por Gabriele Fiore, está jogando muito aquém das suas possibilidades – o motivo, que envolve seu pai, presente no alambrado, cabe ao espectador descobrir. Claudio, o técnico (encarnado por Francesco Pannofino), vislumbra a chance, após décadas de carreira, de erguer pela primeira vez uma taça – ao mesmo tempo, vê-se pressionado pela esposa grávida a aceitar o emprego de professor em uma escola católica. Italo (Alberto di Stasio), o velho manda-chuva do Sporting Roma, está entre o ferro e o fogo: meteu-se em uma aposta de alto risco – e totalmente ilegal – com uns bandidos e tem de lidar com planos mais ambiciosos do filho viciado em cocaína.
Com o apoio da montagem e da trilha sonora, Carnesecchi é habilidoso para intercalar as narrativas e criar tensão dramática. A escalada dos conflitos é mesmo sufocante, digna de uma decisão de campeonato, seja na várzea, seja em uma Copa do Mundo.
Mas o filme bate na trave. Principalmente, por conta de algumas escolhas do roteiro escrito pelo próprio diretor – o elenco também pesa contra, com a louvável exceção de Pannofino; o jovem Fiore é pouco expressivo, e o veterano Di Stasio é expressivo em demasia. Faltou a Carnesecchi controlar o registro das interpretações, assim como lhe faltou equilibrar melhor o espaço das tramas paralelas (a que envolve a família de Antonio acaba subexplorada ou, pelo contrário, ganha um peso que não se justifica muito) e o tom de Decisão, que, de forma abrupta, de vez em quando vai do drama pesado à comédia pastelão (no caso, tomatão).
Como de hábito, as cenas de futebol deixam a desejar. Ou porque os jogadores parecem duros – no sentido de estático, não de desleal, embora também ocorram faltas violentas –, ou porque os lances parecem artificiais demais (ainda que haja momentos visualmente interessantes, filmados ora de cima, ora às costas dos atletas). Tampouco há destaque para aspectos táticos: na hora de tentar reverter um placar desfavorável, um dos técnicos apela para aqueles discursos "motivacionais" cheios de palavrões e outras agressões verbais. O fato de que esse personagem é o mais íntegro em cena deixa um travo amargo, como se Decisão quisesse nos dizer que, no mundo do futebol, a truculência é irmã gêmea da honestidade.
Meno male que Carnesecchi guardou surpresas para a resolução da história, revertendo expectativas e enchendo a tela com um tocante desencanto.