Contornando a Morte (2018) é o nome de um novo documentário da Netflix que, trabalhando em um microcosmo, reflete sobre questões gigantescas. Em Diga Quem Sou, por exemplo, a história de dois gêmeos ingleses mostra, na teoria e na prática, como as memórias são uma construção permanente, um mecanismo complexo e algo mágico, como podemos nos proteger de traumas e como famílias podem esconder segredos terríveis.
Agora, o drama de uma família tailandesa nos convida a pensar sobre ciência e fé, sobre corpo e espírito, sobre amor e o que muitos chamariam de loucura, sobre como lidamos ou não com a perda, com o luto.
Com o título original de Hope Frozen (esperança congelada), o documentário dirigido por Pailin Wedel se concentra nos esforços do casal de cientistas Sahatorn e Nareerat Naovaratpong para dar sobrevida à filha caçula, Matheryn, também chamada de Einz (amor, em japonês). Aos dois anos, ela foi diagnosticada com um tipo raro de câncer cerebral. Pais de um adolescente batizado como Matrix, Sahatorn e a esposa decidiram, em 2015, tornar Einz a mais jovem pessoa a ser submetida à criogenia – método que mantém o corpo ou o cérebro em um tanque de nitrogênio a quase -200°C.
Os Naovaratpong optaram por congelar o cérebro de Einz. Pagaram US$ 80 mil a uma ONG localizada no Estado do Arizona, nos EUA, a Alcor – o preço para preservar o corpo é de US$ 200 mil. Os tanques da Alcor armazenam o corpo ou o cérebro de outras 140 pessoas, segundo Contornando a Morte. A esperança dos tailandeses é de que, no futuro, haja uma forma de curar a filha e, assim, ressuscitá-la.
Pelos olhos dos pais e do irmão de Einz, o documentário apresenta e discute os pequenos avanços já conquistados e os gigantescos desafios para trazer alguém de volta à vida. Quase como uma conexão com Diga Quem Sou, a memória é um enorme obstáculo. Como Matrix descobre ao conversar com um cientista que conseguiu descongelar, sem danos, o cérebro de um coelho, o ressuscitado não saberá quem era – ou quem é.
A diretora Pailin Wedel flagra, com o máximo de discrição possível, as diferentes personalidades de Sahatorn e Nareerat. Na visita que fazem à Alcor, ladeados por inúmeros parentes, a mãe chora como se estivesse diante do túmulo da filha, enquanto o pai admite que sua abordagem inicial é a de um "homem da ciência", admirando a tecnologia.
Esses sentimentos distintos certamente afetam o filho adolescente – Matrix parece estar em uma encruzilhada. Por um lado, abraçou a causa do pai, estudando, pesquisando, mirando o amanhã; por outro, nos seus momentos mais íntimos, como quando é ordenado noviço budista, pergunta-se se a família não está prendendo o espírito de Einz na Terra.
Tudo isso é sucedido por uma tremenda surpresa ao final de Contornando a Morte. Não deixe de assistir.