O feriado de Corpus Christi, nesta quinta-feira (16), e a chegada do fim de semana podem ser providenciais para quem está sempre correndo atrás de tempo para assistir a uma série.
A lista de hoje é dedicada a quem, como eu, costuma ficar com o pé atrás antes de começar a ver uma série que tem muitas temporadas, mas ao mesmo tempo sente vontade de acompanhar o desenrolar de uma história em mais do que as duas horas de um filme.
Separei 30 seriados curtos e minisséries recentes de que gostei muito e que estão disponíveis em seis plataformas de streaming: Amazon Prime Video, Apple TV+, Disney+, HBO Max, Netflix e Star+. São dramas, comédias, policiais, adaptações de quadrinhos de super-herói, reconstituições históricas... Tem até um documentário. Todas as obras têm de quatro a 10 episódios, com duas únicas e explicadas exceções. Clique nos links se quiser saber mais.
1) True Detective (2014-2019)
A série criada por Nic Pizzolatto estreou sem maior badalação e conquistou público e crítica com sua peculiar estrutura narrativa e, sobretudo, pelo desempenho de seus protagonistas — Matthew McConaughey e Woody Harrelson. Os dois atores vivem tipos recorrentes nas tramas policiais: dois tiras que são como água e azeite e combinam seus perfis antagônicos numa convivência em alta tensão descarregada sobre um objetivo comum. Respectivamente, interpretam o enigmático Rustin Cohle e o vulcânico Martin Hart, detetives que solucionaram um crime em 1995 e que estão, em 2012, dando explicações a dois investigadores da região de Nova Orleans. Algo saiu dos trilhos nestes 17 anos, arrastando as vidas de Cohle e Hart por caminhos tortos, e um serial killer está nas ruas indicando que o caso supostamente resolvido pela dupla pode ter ficado com muitas pontas soltas. Com oito episódios, a primeira temporada de True Detective (houve mais duas, com elencos diferentes) ferve em ritmo lento influências da literatura do gênero e do fantástico — como Robert W. Chambers, de O Rei de Amarelo —, temas como pedofilia e bruxaria e referências à série Twin Peaks (1990-1991), do cineasta David Lynch. No Emmy, venceu cinco categorias, incluindo direção (Cary Joji Fukunaga, de 007: Sem Tempo para Morrer), e concorreu em outras sete — entre elas, melhor série dramática e melhor ator (em dupla indicação: McConaughey e Harrelson acabaram derrotados por Bryan Cranston, de Breaking Bad). (HBO Max)
2) Trapped (2015-2019)
As condições climáticas da Islândia e suas paisagens geladas são personagens à parte na série criada por Baltasar Kormákur. Tanto é que os créditos de abertura de Trapped intercalam sobrevoos do característico relevo do país, com suas montanhas e seus glaciares, e imagens microscópicas de um corpo humano, com seus sulcos e seus poros. O inverno tem papel de destaque na primeira temporada (uma segunda trama, também com 10 capítulos, foi lançada em 2019): primeiro, uma nevasca isola a cidadezinha de Siglufjörður do resto da nação. Mais adiante, seus mil e poucos habitantes serão ameaçados pela possibilidade de uma avalanche. Mas o que realmente desestabiliza o local é a descoberta, por um pescador, de um tronco humano (daí a ligação entre topografia e anatomia na sequência de abertura). Três policiais — o detetive Andri (Ólafur Darri Ólafsson), Hinrika (Ilmur Kristjánsdóttir) e Ásgeir (Ingvar Sigurdsson) — precisam deixar de lado um pouco seus problemas particulares para se dedicarem a uma série de dúvidas e especulações: de quem é o corpo? A vítima pode ser um passageiro ou tripulante de um ferry da Dinamarca que está atracado em Siglufjörður? E o assassino, também está a bordo ou é alguém da cidade? Existe alguma relação entre o crime e um incêndio ocorrido sete anos atrás, que matou uma irmã da ex-esposa de Andri? Qual a conexão com um empreendimento comercial, um porto que chineses querem construir para encurtar a rota para a América do Norte? (Netflix)
3) Fleabag (2016-2019)
É uma das duas exceções no limite de 10 episódios: somando a primeira e a segunda temporada, tem 12, mas são curtos, menos de meia hora cada. Venceu seis prêmios Emmy em 2019, incluindo melhor série de comédia — embora trafegue bastante pelo drama também —, atriz (Phoebe Waller- Bridge), direção (Harry Bradbeer) e roteiro (da própria Waller- Bridge). A protagonista é uma mulher solteira, dona de uma café não muito frequentado em Londres, com problemas de relacionamento com a irmã, o cunhado, o pai e madrasta (a brilhante Olivia Colman) e sempre à procura de sexo para aplacar sua solidão. Essa personagem desconcerta o público ao quebrar a quarta parede: no meio dos diálogos, se vira para a câmera e faz uma careta ou dispara uma tirada irônica. Em outras vezes, no entanto, a máscara cai e nos vemos diante do seu choro e das suas aflições. Ah, vale avisar: na segunda temporada, surge um padre (Andrew Scott) para bagunçar ainda mais a vida dela. (Amazon Prime Video)
4) The Night Of (2016)
Filho de imigrantes paquistaneses em Nova York, o jovem universitário Nasir Khan, o Naz (Riz Ahmed), pega "emprestado" do pai o táxi para ir a uma festa. No meio do caminho, em duas ocasiões pessoas tentam embarcar no carro como passageiro. Mais tarde, uma infração de trânsito, um objeto levado da cena de um crime e uma testemunha ocular vão tornar Naz o suspeito número 1. É esse o resumo do primeiro e fabuloso episódio da minissérie em oito episódios criada pelo escritor Richard Price e pelo cineasta Steven Zaillian. Trata-se de um retrato minucioso e muito humano das delegacias de polícia, do sistema judicial e dos presídios estadunidenses. À trama de suspense — a certa altura não saberemos se Naz é uma ovelha ou um lobo —, adiciona conotações culturais, políticas e sociais, refletindo o estado de ânimo nova-iorquino para com os muçulmanos pós-11 de Setembro e mostrando penitenciárias como fábricas de bandidos. À excelência do roteiro e da direção, soma-se a do elenco. Ahmed ganhou o Emmy de melhor ator, categoria em que também competia John Turturro, no papel do advogado de porta de cadeia John Stone. Bill Camp concorreu a coadjuvante na pele do detetive Dennis Box, assim como Michael Kenneth Williams, que faz o presidiário Freddy Knight. Todos trazem uma série de nuances a seus personagens, aumentando o envolvimento do espectador com uma história por si só cheia de matizes sobre o certo e o errado, o bom e o mau, a justiça e a lei, as percepções e as evidências. Recebeu outros quatro prêmios no Emmy, incluindo o de melhor fotografia. (HBO Max)
5) A Maldição da Residência Hill (2018)
Criada e dirigida pelo estadunidense Mike Flanagan, a minissérie em 10 episódios adapta o clássico romance de terror A Assombração da Casa da Colina (1959), de Shirley Jackson. A trama alterna duas linhas de tempo: na vida adulta, cinco irmãos continuam lidando com os traumas das experiências paranormais vividas na infância em uma mansão que os pais, Hugh (Henry Thomas) e Olivia (Carla Gugino), iriam reformar para depois vender por um preço mais alto. Eles são Steven (Michiel Huisman), escritor de livros sobre casas mal-assombradas, Shirley (Elizabeth Reaser), que prepara corpos para serem enterrados, Theodora (Kate Siegel), psicóloga infantil, e os gêmeos Luke (Oliver Jackson-Cohen), um dependente químico, e Nell (Victoria Pedretti), a mais atormentada quando pequena - via Moça do Pescoço Torto. Cada um deles representa os estágios do luto: negação, raiva, barganha/negociação, depressão e aceitação. Além de boas atuações e de uma atmosfera tensa, com direito a alguns sustos nada gratuitos, A Maldição da Residência Hill se destaca pela excelente parceria entre a direção de fotografia e o time de editores. Inexplicavelmente, não foi indicada em nenhuma categoria do Emmy, do Globo de Ouro ou do prêmio do Sindicato dos Atores dos EUA. Só pode ter sido o célebre preconceito contra o gênero do terror. (Netflix)
6) Bandidos na TV (2019)
Série documental também vale. Em sete episódios, o diretor britânico-paraguaio Daniel Bogado conta a história do apresentador de TV Wallace Souza, que se elegeu três vezes deputado estadual no Amazonas, em 1998, em 2002 e em 2006, graças a sua suposta luta contra o tráfico de drogas, mote de um programa sensacionalista e sangrento, o Canal Livre. Suposta porque, segundo um delator, Wallace comandava uma organização criminosa — a suspeita é de que ele próprio planejava os homicídios que alavancavam a audiência do programa. Bandidos na TV mostra a comoção causada junto à mídia e à opinião pública (dividida quanto à culpabilidade dos acusados), a sucessão de viradas na trama, as desconcertantes contradições dos principais personagens e as ramificações que acabam por pintar um retrato do país. (Netflix)
7) Chernobyl (2019)
Criada por Craig Mazin, a minissérie em cinco episódios apresenta uma versão ficcional do pior acidente nuclear da história, o da usina de Chernobyl, ocorrido entre 25 e 26 de abril de 1986 perto da cidade de Pripyat, na Ucrânia. Ao reconstituir suas consequências imediatas e as primeiras ações tomadas pelo governo soviético, a obra ganhou assustadora atualidade durante a pandemia: cenas e falas parecem refletir o que vimos e ouvimos desde o surgimento do coronavírus. Chernobyl arrebatou 10 prêmios Emmy, incluindo melhor minissérie, e concorria a outros nove, entre eles ator (Jared Harris, no papel do renomado químico Valery Legasov), atriz coadjuvante (Emily Watson, como a fictícia cientista Ulana Khomyuk) e ator coadjuvante (Stellan Skarsgård, que interpretou Boris Shcherbina, vice-presidente do Conselho de Ministros da URSS de 1984 a 1989, designado para supervisionar a gestão da crise). O elenco multifacetado — que inclui Jessie Buckley como a esposa grávida de um bombeiro e Paul Ritter como o engenheiro que comandou o fatídico teste na usina —permite enxergarmos as dimensões científica, política e humana do desastre. (HBO Max)
8) Good Omens (2019)
Enquanto o Sandman de Neil Gaiman para a Netflix não chega, que tal conferir outra atração baseada em obra do escritor inglês? A minissérie em seis episódios Good Omens é baseada no romance satírico Belas Maldições, de Gaiman e Terry Pratchett. Com uma mistura de referência bíblicas e cultura pop, a história retrata a luta de um anjo e um demônio para impedir a guerra final entre céu e inferno, o Armagedon. Michael Sheen, de Masters of Sex, faz o anjo Aziraphale, e David Tennant, de Doctor Who, encarna o demônio Crowley. Há milênios, os dois aprenderam a apreciar a vida entre os humanos e a companhia um do outro. São apaixonados por livros antigos, pequenos restaurantes e carros clássicos, mas agora suas vidas tranquilas na Inglaterra são sacudidas pela chegada do Anticristo — com um detalhe inconveniente: o filho de 11 anos do próprio Diabo foi perdido, após um engano cometido por uma ordem de freiras satanistas. Cabe à dupla improvável de defensores da Criação encontrar o menino antes que seja tarde demais. Na jornada, veremos flashbacks impagáveis de momentos marcantes da história da humanidade e um desfile de rostos (ou pelo menos vozes) conhecidos: Benedict Cumberbatch, Frances McDormand, Jon Hamm, Miranda Richardson, Brian Cox, Adria Arjona... (Amazon Prime Video)
9) Olhos que Condenam (2019)
Em quatro episódios, a cineasta Ava DuVernay dramatiza um dos maiores erros da polícia e da Justiça nos EUA: o caso dos Cinco do Central Park. No Harlem, em Nova York, os adolescentes negros Raymond, Kevin, Korey, Yusef e Antron brincam e jogam basquete até serem apanhados por policiais. Acabarão acusados e condenados pelo estupro de uma mulher branca que corria no parque na noite de 19 de abril de 1989. Olhos que Condenam ganhou os Emmys de melhor elenco e de melhor ator (Jharrel Jerome, no papel de Korey Wise). (Netflix)
10) Watchmen (2019)
Damon Lindelof pega elementos da HQ de Alan Moore e Dave Gibbons (a chuva de lula, personagens como Ozymandias e Dr. Manhattan) e cria uma trama central totalmente nova e absolutamente atual. Os novos heróis, como a Sister Night (Regina King) e o Looking Glass (Tim Blake Nelson), lidam com a violência contra negros nos EUA. O inimigo é uma organização racista, a Sétima Kavalaria. Desde a abertura, que reencena o Massacre de Tulsa, em 1921, durante anos apagado da história oficial, Watchmen mostra como os traumas da escravidão passam de geração a geração. Foram 11 troféus no Emmy, incluindo melhor minissérie, atriz (Regina King), ator coadjuvante (Yahya Abdul-Mateen II) e trilha sonora (Trent Reznor e Atticus Ross). (HBO Max)
11) I May Destroy You (2020)
Ganhadora do Emmy de melhor roteiro, a inglesa de pais ganeses Michaela Coel, 34 anos, alinha-se a outras roteiristas de sua geração, como Phoebe Waller-Bridge (Fleabag), 36; Lena Dunham (Girls), 36; e Issa Rae (Insecure), 37: as desventuras da própria vida são fonte de inspiração. Em Chewing Gum (2015- 2017), Michaela usou sua experiência como adolescente religiosa para falar do despertar da sexualidade. Em I May Destroy You, trata do abuso sexual que sofreu na época em que escrevia a série anterior. Michaela transforma-se em Arabella nesta autoficção que, apesar de lidar com um assunto doloroso, encontra espaço para o humor, o afeto e a diversão. Escritora de um livro de sucesso, ela corre contra o prazo e contra uma crise criativa para entregar o segundo romance a uma grande editora de Londres. Para espairecer, resolve sair para a balada com uns amigos. No dia seguinte, já de volta ao trabalho, Arabella vê sua memória assaltada por imagens de um estupro praticado por um homem desconhecido. A partir daí, a minissérie em 12 episódios de meia hora cada (eis a segunda exceção na regra do até 10) mostra como a violência sexual pode paralisar o presente, alterar o futuro e ressignificar o passado das vítimas. (HBO Max)
12) O Inocente (2021)
Os idiomas mudam, mas as minisséries baseadas em livros de Harlan Coben ou criadas pelo romancista estadunidense falam sempre a mesma língua. Depois das inglesas Safe (2018) e Não Fale com Estranhos (2020) e da polonesa Silêncio na Floresta (2020), chegou a vez da espanhola O Inocente, adaptada por Oriol Paulo e Pablo Vallejo. Novamente, há um enigma policial que conecta a vida de vários personagens, quase todos com alguns esqueletos no armário. E as tramas que correm em paralelo vão, por um lado, preenchendo o quebra-cabeças, por outro, reprisando os temas dessas obras: o peso do passado e o preço dos segredos. Ambientada sobretudo em Barcelona, mas com passagens por Madri e Marbella, a história tem como protagonista Mateo Vidal, o Mat (interpretado por Mario Casas), um jovem estudante de Direito que, em meio a uma briga na saída de um bar, mata acidentalmente um rapaz. Condenado, ele passa quatro anos na prisão. Com a ajuda do irmão, que o torna sócio em um escritório de advocacia, reconstrói sua vida e reencontra a mulher que havia conhecido em uma festa após ser libertado, Olivia (Aura Garrido). Os dois se casam e estão à procura de uma nova casa para morarem com o bebê que estão esperando, mas um belo dia ele recebe uma mensagem perturbadora enviada pelo celular dela. Isso tudo é contado em poucos minutos. O ritmo trepidante é um dos pontos altos nos primeiros episódios da minissérie. Outro é a forma: cada capítulo começa com foco em um personagem, que, em uma narração em off dirigida a ele próprio ("Teu nome é Mateo Vidal"...), rememora sua história de vida e os passos que o levaram até a situação na qual se encontra. (Netflix)
13) Landscapers (2021)
Estrelada por Olivia Colman e David Thewlis, a minissérie policial em quatro episódios tem início com dois avisos ao espectador. O primeiro é textual: "Em 2014, Susan e Christopher Edwards foram condenados por homicídio e sentenciados a um mínimo de 25 anos de prisão. Até hoje, eles mantêm sua inocência. Esta é uma história verídica". Entrementes, enquanto a música composta por Arthur Sharpe vai criando um clima tão idílico quanto lúgubre, a câmera desce até o nível de uma praça, onde pessoas que estavam paradas começam a se movimentar. Alguém grita "Rodando!" e, na sequência, "Ação! Chuva!". Sob a chuva artificial, um homem (que mais adiante se apresentará ao telefone como um advogado da defensoria pública) aguarda a instrução para fazer o seu deslocamento, que ocorre concomitantemente à passagem de um ônibus do tipo minhocão em primeiro plano — quando a cena, até então em preto e branco, ganha cor. Esse segundo aviso, o audiovisual, se complementa com uma pequena, mas significativa alteração na última frase — em inglês, "This is a true story" — sobreposta às imagens: a palavra true (verdadeira) desparece. Fica apenas: "Esta é uma história". O recado duplo é fundamental para entendermos que, a seguir, um célebre e chocante caso policial da Inglaterra — o assassinato, em 1998, dos pais de Susan, William e Patricia Wycherley, desvendado a partir do descobrimento dos corpos no jardim de uma casa no subúrbio de Mansfield — será livremente recriado. Se os fatos dramatizados são chocantes, do ponto de vista narrativo Landscapers é absolutamente fascinante. Como a abertura aponta, o roteirista Ed Sinclair e o diretor Will Sharpe vão enfatizar os aspectos fantasiosos — ou seriam delirantes? Ou seriam mentirosos? — da vida do casal Susan e Edward, duas pessoas atrapalhadas e machucadas que compartilham o gosto por filmes antigos de Hollywood e astros do cinema como Gary Cooper e Gérard Depardieu, e que procuram construir um mundo no qual possam sobreviver. (HBO Max)
14) O Mar da Tranquilidade (2021)
Depois que a série Round 6 virou um fenômeno de audiência e de crítica, os olhos ocidentais tornaram-se ainda mais atentos à produção audiovisual da Coreia do Sul — o movimento, vale lembrar, já havia se intensificado após as conquistas de Parasita (2019) no cinema, como a Palma de Ouro no Festival de Cannes e o Oscar de melhor filme. Com oito episódios escritos e dirigidos por Choi Hang-yong, a ficção científica O Mar da Tranquilidade se passa em um futuro próximo, no qual, informam as notícias de TV, "a média anual de chuvas caiu novamente. Rios em grandes cidades do mundo revelam leitos secos, e o nível do mar está caindo, representando desafios para usinas de dessalinização. O Conselho Mundial de Recursos Hídricos prevê que a água do mundo será reduzida em 40% nos próximos 10 anos". A série acompanha as aventuras, os dramas e as descobertas de uma missão espacial enviada à Lua. O objetivo, não tardaremos em saber, será recuperar amostras de uma substância que pode representar a salvação da humanidade — ou acelerar sua extinção. Em meio a dilemas éticos e morais e a obstáculos político-econômicos que refletem a corrida da ciência contra a pandemia, O Mar da Tranquilidade oferece uma atmosfera de suspense construída a partir da combinação de uma ambientação fantástica (os passeios na Lua são deslumbrantes), personagens misteriosos e/ou carismáticos e uma narrativa que vai e volta no tempo — o ritmo, contudo, pode ser lento para alguns espectadores. Nossa guia é a doutora Song, pesquisadora interpretada com gravidade — sem trocadilho — por Bae Doona, vista em séries como Sense8 (2015-2018), Stranger (2017-2020) e Kingdom (2019-2020). Astro de Em Silêncio (2011) e de Invasão Zumbi (2016), Gong Yoo faz o comandante Han. Kim Sun-yang, atriz de Pousando no Amor (2019-2020), é a médica Hong. (Netflix)
15) Mare of Easttown (2021)
Fascinada com o "quem foi" da minissérie em sete episódios criada por Brad Inglesby, Kate Winslet ressaltou que embarcou no projeto porque "não é só a história de um crime". De fato, o crime descoberto no primeiro capítulo é chocante e misterioso, mas serve sobretudo como catalisador dos dramas pessoais e familiares em cidadezinha dos EUA. A morte traz à tona relações e segredos guardados em vida, imagem reforçada pela ambientação numa estação fria, que obriga os personagens a se esconderem atrás de casacos, mantas e gorros. E — até o final — todos têm o que ocultar ou algo do que não gostam de falar. Mare of Easttown venceu os Emmys de atriz (Winslet, também premiada no Globo de Ouro, ator coadjuvante (Evan Peters), atriz coadjuvante (Julianne Nicholson) e design de produção. (HBO Max)
16) Scenes from a Marriage (2021)
O diretor e roteirista israelense Hagai Levi encarou o desafio de modernizar a célebre série de televisão criada pelo cineasta sueco Ingmar Bergman. Na nova versão de Cenas de um Casamento (1973), Oscar Isaac e Jessica Chastain interpretam Jonathan e Mira, que estão juntos há 10 anos e têm uma filhinha. Ele é professor de filosofia e passa a maior parte do tempo em casa, ela trabalha na área de tecnologia e responde pela maior parte do orçamento familiar. Como no original, Jonathan e Mira são procurados para dar uma entrevista na condição de um casal considerado exemplar. Mas logo nos primeiros minutos da conversa começam a aparecer fissuras e ressentimentos. Não é à toa que cada episódio mostra, no início, bastidores da produção: é como se o realizador quisesse reforçar o caráter de personagem assumido pelos integrantes de um relacionamento. Como escreveu a colunista Cláudia Laitano, Scenes from a Marriage é uma homenagem e um diálogo: recria algumas cenas com fidelidade, ao mesmo tempo em que apresenta conflitos que só seriam possíveis no século 21. Falta a Levi o que sobra em Bergman: o peso do silêncio e a força do que não é dito. Mas ela recomenda a minissérie "para não tem medo do que pode encontrar vasculhando o porão dos próprios sentimentos". (HBO Max)
17) The Underground Railroad: Os Caminhos para a Liberdade (2021)
Concebida por Barry Jenkins, diretor e roteirista de Moonlight, vencedor dos Oscar de melhor filme, roteiro adaptado e ator coadjuvante (Mahershala Ali) em 2017, a minissérie em 10 episódios é a adaptação do romance homônimo escrito por Colson Whitehead e ganhador, também em 2017, do prêmio Pulitzer, centenária distinção outorgada pela Universidade de Columbia, em Nova York. A trama se passa na metade do século 19, antes da Guerra Civil nos EUA (1861-1865), que tinha como principal causa a escravização da população negra — a maioria dos Estados do Sul queria manter, o Norte era contra. Sua protagonista é Cora (interpretada pela sul-africana Thuso Mbedu), uma jovem escrava que, após relutar, tenta fugir de uma fazenda na Geórgia na companhia do íntegro Caesar (o inglês Aaron Pierre, visto em Tempo, de M. Night Shyamalan). No encalço dos dois, partirá o caçador Arnold Ridgeway (o australiano Joel Edgerton), tendo ao lado um surpreendente ajudante: Homer (Chase W. Dillon), um menino negro. Outra companhia frequente dos personagens é a maravilhosa trilha sonora composta por Nicholas Britell, indicado ao Oscar por Moonlight e por Se a Rua Beale Falasse. Interpretado por uma orquestra de cordas, um dos temas traduz os sentimentos contraditórios de Cora: há dor e aflição por um lado, resiliência e esperança por outro.
A Underground Railroad do título era o nome dado a uma rede secreta de rotas e esconderijos utilizada por negros que buscavam escapar da escravidão — entre eles, estava a ativista Harriet Tubman (1822-1913). Não tinha trens nem era subterrânea, mas é assim que se apresenta no livro de Whitehead e na minissérie dirigida por Jenkins. O quinhão de realismo mágico permite anacronismos como um arranha-céu no Estado da Carolina do Sul. É como se a ferrovia nos lembrasse de que há toda uma história correndo por baixo dos documentos oficiais, há toda uma população que teve sua voz calada pela mão bruta do racismo. Calada ou deturpada: no segundo episódio, um homem branco conduz crianças brancas por um Museu das Maravilhas Naturais, na Carolina do Sul. Ali, a principal atração é a "jornada de transformação" dos africanos trazidos à força de seu continente: de "selvagens que usavam crânios como copos" passaram a "civilizados que bebem xícaras de chá". Por conta disso, os oprimidos estariam gratos. (Amazon Prime Video)
18) WandaVision (2021)
Diante da minissérie criada por Jac Schaeffer, precisamos conhecer o passado cinematográfico dos personagens para compreender que há algo de muito estranho acontecendo, e precisamos conhecer o passado da TV dos EUA para compreender as referências, que não têm nada de gratuitas: acrescentam camadas, criam expectativas, intensificam o suspense. No primeiro episódio, Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen), a Feiticeira Escarlate, e o androide Visão (Paul Bettany) são apresentados como um típico casal dos subúrbios estadunidenses. No caso, Westview, onde os demais 3 mil e poucos moradores desconhecem os superpoderes dos vizinhos. As cenas são em preto e branco, e o tom de comédia romântica é acentuado pelas risadas da plateia, a claque, e pela duração (menos de meia hora). É uma alusão aos clássicos I Love Lucy (1951- 1957) e The Dick Van Dyke Show (1961- 1966). A partir daí, os nove episódios de WandaVision vão avançando no tempo, nos costumes e nos mistérios. (Disney+)
19) The White Lotus (2021)
Em seis episódios, a série criada por Mike White consegue conjugar de modo brilhante comédia cáustica, dramas empáticos, mistério policial e crítica social — o alvo é o privilégio branco, a elite que jamais cede seu lugar ou estende a mão sem querer nada em troca. A trama começa em um saguão de aeroporto, onde descobrimos que alguém foi assassinado no White Lotus, um resort de luxo no Havaí. Aí, a história recua uma semana no tempo para acompanhar a chegada de um grupo de novos hóspedes, que inclui o milionário mimado Shane (Jake Lacy), recém casado com Rachel (Alexandra Daddario), uma jornalista em crise existencial, e a família da empresária Nicole (Connie Britton). Essa turma será recepcionada pelos empregados do resort. Entre esses, destaca-se Armond (Murray Bartlett), o gerente com um bigode tipo o do Tom Selleck, que define a classe trabalhadora aos olhos dos ricos: precisa ser invisível, mas estar sempre pronta para servir. The White Lotus foi eleito uma das 10 melhores séries de 2021 pelo American Film Institute, disputou o Globo de Ouro de atriz coadjuvante (Jennifer Coolidge) e concorre a dois troféus do Sindicato dos Atores dos EUA: ator (Bartlett) e atriz (Coolidge). (HBO Max)
20) A Cidade É Nossa (2022)
Não chega a ser uma continuação de The Wire (2002-2008), ou A Escuta, recentemente eleita a melhor série do século 21 segundo 206 críticos, acadêmicos e profissionais de TV ouvidos pela BBC. Mas esta minissérie em seis episódios também foi criada pelo ex-repórter policial David Simon (aqui, na companhia do escritor George Pelecanos); também se passa em Baltimore, cidade no Estado de Maryland que é, estatisticamente, uma das mais violentas no mundo; e também retrata a atuação da polícia local. Enquanto alguns tentam fazer alguma coisa contra o narcotráfico e o crime organizado, mesmo sabendo que suas chances estão entre mínimas e nenhuma, outros apostam na truculência e/ou enveredam para a corrupção. Dirigida por Reinaldo Marcus Green, do filme King Richard (2021), A Cidade É Nossa (We Own this City) tem uma estrutura narrativa que requer atenção, com vários núcleos de personagens e alternâncias não muito claras entre o passado e o presente. Mas a recompensa é alta para quem curte histórias sobre os meandros policiais. O elenco é uma atração à parte: Jon Bernthal interpreta o sujo sargento Wayne Jenkins, figura central no força-tarefa do combate às armas. Wunmi Mosaku é Nicole Steele, uma advogada designada pela Justiça federal para apurar casos de desrespeito aos direitos civis. Jamie Hector faz Sean Suiter, um detetive de Homicídios que acaba se envolvendo com Jenkins. Josh Charles encarna Daniel Hersl, sobre o qual pesam várias denúncias de maus-tratos. E Dagmara Dominczyk está no papel de Erika Jensen, uma agente do FBI que investiga as ações de Jenkins e companhia. (HBO Max)
21) The Dropout (2022)
A minissérie em oito episódios conta a história de Elizabeth Holmes (brilhantemente interpretada por Amanda Seyfried), fundadora do laboratório Theranos, que prometia revolucionar a indústria dos exames de sangue, mas acabou se revelando uma fraude bilionária. Criada por Elizabeth Meriwether, a mesma da série cômica New Girl (2011-2018), The Dropout enceta uma comparação inevitável com a recente Inventando Anna (Netflix): as duas minisséries são mais ou menos contemporâneas; as duas protagonistas são mulheres brancas com autoconfiança, energia e talento para a mentira, trinômio que abriu portas no mundo dos negócios e na alta sociedade; ambas cultivam excentricidades (a jovem golpista Anna Sorokin tem um sotaque indetectável, Elizabeth emprega uma voz grave e baixa quando quer proferir uma frase de efeito); e as duas obras mostram como seus castelos de areia desmoronaram. Mas Inventando Anna é longa e enrolada demais, parecendo mais interessada na lenda do que na pessoa. The Dropout, embora recorra a flashbacks, vai direto ao ponto. O foco está na pressa de Elizabeth Holmes para conquistar algo, no seu narcisismo, no seu desconforto para o convívio social, na sua mistura desequilibrada de faro, desespero, garra juvenil e falta de escrúpulos. Uma personagem muito mais humana do que aquela de Inventando Anna e que há de levar Amanda Seyfried a sua primeira indicação no Emmy. (Star+)
22) A Escada (2022)
Dirigida pelo nova-iorquino Antonio Campos, filho do jornalista brasileiro Lucas Mendes e realizador do filme O Diabo de Cada Dia (2020), esta minissérie em oito episódios é a versão ficcional de um rumoroso caso policial dos Estados Unidos. No dia 9 de dezembro de 2001, o escritor Michael Peterson (interpretado por Colin Firth) liga para a emergência. Sua esposa, Kathleen (papel de Toni Collette), está morrendo, deitada sobre uma poça de sangue aos pés da escada da mansão do casal na Carolina do Norte. Foi um acidente, segundo o marido, que terá de contratar um advogado caríssimo, David Rudolf (Michael Stuhlbarg), já que os promotores Jim Hardin (Cullen Moss) e Freda Black (Parker Posey) estão dispostos a provar que foi um assassinato. A família se divide: os filhos de Michael acreditam (ou fingem para si mesmos que acreditam) na inocência do pai, a filha de Kathleen se junta às tias no lado da acusação.
A trama de A Escada (The Staircase no original) — narrada com idas e vindas no tempo —, as chocantes revelações sobre o passado e a vida dupla de Peterson e as discussões sobre os bastidores de um julgamento nos EUA (em que, por exemplo, a tese de defesa é como um produto comercial, sujeito a modificações conforme o gosto do mercado) podem não ser novidades para quem já assistiu à série documental The Staircase (também conhecida no Brasil como Morte na Escadaria e disponível na Netflix), do diretor francês Jean-Xavier de Lestrade, ele próprio um personagem na adaptação comandada por Campos. Mesmo assim, A Escada é uma das atrações mais fascinantes no momento, graças às atuações de Firth, Collette, Stuhlbarg, Posey e Odessa Young, que se destaca interpretando Martha, uma das filhas de Michael. (HBO Max)
23) Heartstopper (2022)
A minissérie em oito episódios de 30 minutos combina três características comuns na produção atual: é baseada em uma história em quadrinhos (a homônima Heartstopper, escrita e desenhada por Alice Oseman); tem adolescentes como personagens principais e a escola como um cenário importante; e lida com a temática LGBT+. O diretor Euros Lyn acompanha a aproximação entre Charlie (o estreante Joe Locke), que já se assumiu como homossexual — o que o torna vítima eventual da angústia e do bullying —, e um colega de aula um ano mais velho, Nick (Kit Connor), que parece ser o mais hétero dos heterossexuais (para começo de conversa, é o craque do time de rúgbi). Por conta da sua doçura, de seu cuidado para instruir sobre a diversidade sexual sem perder a fluidez dramatúrgica e de seu otimismo contagiante, este é um romance gay capaz de desarmar os preconceituosos. Fez tanto sucesso, que ganhará mais duas temporadas. (Netflix)
24) Lakers: Hora de Vencer (2022)
Inspirada no livro Showtime, do jornalista Jeff Pearlman, foi criada por Max Borenstein — um dos roteiristas dos filmes com Godzilla e coautor da série The Terror (2018-2019) — e Jim Hecht. Lakers: Hora de Vencer reconstrói a história do Los Angeles Lakers a partir de sua aquisição, em 1979, por Jerry Buss (interpretado por John C. Reilly), um excêntrico homem de negócios que quer transformar o basquete em um espetáculo tanto dentro como fora das quadras. O elenco de personagens inclui os jogadores Earvin "Magic" Johnson (encarnado por Quincy Isaiah), Kareem Abdul-Jabbar (Solomon Hughes) e Norm Nixon (DeVaughn Nixon, filho do ex-atleta) e os treinadores Jerry West (Jason Clarke) e Pat Riley (Adrien Brody). Com 10 episódios, a primeira temporada começa pelo que parece ser o fim da jornada: a descoberta, em 1991, de que Magic Johnson era soropositivo, o que provocou o interrompimento de sua carreira, após cinco títulos conquistados em nove finais da NBA, a liga norte-americana de basquete. O primeiro episódio tem direção do cineasta Adam McKay (e o segundo, do ator Jonah Hill), que imprime seu estilo. Os atores quebram a quarta parede, falando diretamente com o público (apesar de já ser bem conhecido, o recurso ainda pode ser desconcertante e fascinante), textos se sobrepõem às imagens, e há aquela característica mistura de comédia ácida, drama e comentário sócio-político-econômico — na estreia, um tema forte foi o racismo (como visto também no documentário Briga na NBA, da Netflix). (HBO Max)
25) Nossa Bandeira É a Morte (2022)
Com 10 episódios na primeira temporada, a série faz uma abordagem do universo dos bucaneiros e dos corsários muito mais cômica (ainda que tenha momentos dramáticos e algum derramamento de sangue) do que aquela vista na franquia cinematográfica Piratas do Caribe (2003-2017). Os responsáveis por Nossa Bandeira É a Morte têm experiência em cruzar a comédia com outros gêneros. David Jenkins, o criador, é o mesmo do seriado People of Earth (2016-2017), sobre um grupo de apoio a pessoas que foram abduzidas por alienígenas. Taika Waititi, que dirige o piloto, é produtor executivo e interpreta o Barba Negra, traz no currículo O que Fazemos nas Sombras (2014), um falso documentário sobre o mundo dos vampiros, Thor: Ragnarok (2017), uma versão mais humorística do Deus do Trovão, e Jojo Rabbit (2019), que, sem esquecer dos horrores do nazismo, satiriza Hitler. A obra é inspirada em um personagem real, Stede Bonnet (vivido por Rhys Darby), um aristocrata de Barbados, no Caribe, que abandonou seus privilégios, sua esposa e seus filhos para viver uma vida de pirata. Sem traquejo para a truculência — ele se autointitula Pirata Cavalheiro e chega a ler histórias para seus subordinados dormirem —, Stede precisa provar sua capacidade para o cargo. Em pelo menos um episódio, o quinto, sua bagagem cultural fará toda a diferença. (HBO Max)
26) Pam & Tommy (2022)
A minissérie em oito capítulos criada por Robert Siegel reconstitui um dos primeiros e mais célebres vazamentos de vídeo íntimo de celebridades, ocorrido entre 1995 e 1997. No caso, uma transa entre a atriz e modelo Pamela Anderson, estrela do seriado Baywatch (no Brasil, S.O.S. Malibu), e o roqueiro Tommy Lee, baterista da banda glam metal Mötley Crüe. Na era das redes sociais, da fama instantânea e do compartilhamento de tudo — inclusive do chamado revenge porn (pornografia de vingança) e de seu oposto, a publicação supostamente acidental com intuito marqueteiro —, pode ser difícil medir o impacto da divulgação daquelas cenas de sexo. Mas Pam & Tommy é muito eficiente em contextualizar o espectador e retratar como, em um ambiente machista e moralista, a invasão de privacidade transformou Pamela de queridinha a pária e alvo do deboche. Pamela é interpretada por uma atriz insuspeita para o papel: a inglesa Lily James, protagonista de Cinderela (2015) e coadjuvante de Yesterday (2019). O extraordinário trabalho de caracterização inclui maquiagem, peruca, bronzeamento artificial e seios falsos, treinamento vocal para encontrar o timbre certo e uma mescla de sensualidade e doçura, ímpeto e resignação. Tommy é encarnado pelo romeno-estadunidense Sebastian Stan, o Soldado Invernal do Universo Cinematográfico Marvel. A metamorfose física — o ator escureceu os cabelos, os olhos (com lentes de contato), os cílios e as sobrancelhas, além de cobrir o corpo com tatuagens temporárias e colocar piercings em mamilos protéticos — contribui para o lado sentimental, realçando o romantismo sui generis do músico, sua imprevisibilidade e seu pendor para a intimidação e a babaquice. (Star+)
27) Reacher (2022)
Cérebro e músculos se harmonizam em Reacher, série em oito episódios que, graças ao sucesso imediato de público, foi renovada para uma segunda temporada. É baseado no livro Dinheiro Sujo (1997), a aventura inicial das 22 já protagonizadas por Jack Reacher, personagem criado pelo escritor Lee Child. Trata-se de um militar aposentado que passou a viver como um nômade, pagando tudo em dinheiro e não deixando qualquer tipo de rastro digital (não tem celular nem redes sociais). Interpretado por Alan Ritchson, Reacher é um brutamontes com QI extraordinário, uma espécie de Sherlock Holmes marombado. Sua atenção aos detalhes possibilita deduções desconcertantes. O bacana é que a série não recorre a flashbacks para revelar esses detalhes: estavam à tona o tempo todo, ainda que o espectador possa não ter percebido. O que nosso herói faz é amarrá-los para traçar um perfil psicológico ou montar uma tese investigativa. Reacher também tem senso de humor — às vezes involuntário, como quando emprega sua lógica implacável em situações nas quais um pouco de tato cairia bem (só que ele não se furta de mentir se seu instinto protetor recomendar a omissão ou a invenção). E Reacher é dado a prazeres culturais e gastronômicos. É à procura de informações sobre um lendário músico de blues, Blind Blake (1896-1934), que ele vai parar na fictícia cidadezinha de Margrave, na Geórgia. Quando está prestes a experimentar a famosa torta de pêssego de uma cafeteria local, a polícia chega e prende o protagonista. A acusação? O bárbaro homicídio a que assistimos na abertura da série. Mas há um problema: o gerente de câmbio em um banco também assume a autoria do crime. (Amazon Prime Video)
28) Ruptura (2022)
Com nove episódios na primeira temporada — uma segunda já foi anunciada e será muito aguardada por você, pode apostar —, é uma espécie de cruza entre The Office (2005-2013), Black Mirror (2011-2019) e Homecoming (2018-). A porção comédia de escritório puxa mais para o humor absurdo ou mesmo para o riso nervoso; a ficção científica espelha inquietações reais, com novas tecnologias potencializando anseios, crises e vícios da sociedade contemporânea; e há drama e suspense por conta de algum tipo de lavagem cerebral. Criada pelo estreante Dan Erickson e dirigida por Ben Stiller, Ruptura gira em torno de uma empresa, a Lumon, que descobriu uma maneira de separar, cirurgicamente, a vida profissional da pessoal. À primeira vista, parece uma relação ganha-ganha: ninguém leva para o escritório os problemas domésticos, ninguém volta para casa com o estresse do trabalho. Mas é claro que há implicações éticas, dilemas morais e consequências psicológicas na divisão entre os innies (as personas que só vivenciam sua própria existência dentro da Lumon) e os outies (as personas externas, que não têm lembrança das rotinas internas). O personagem principal é Mark Scout (Adam Scott), que topou participar do programa de ruptura entre as memórias pessoais e as memórias profissionais para não deixar que o luto pela morte da esposa dominasse o seu dia inteiro. Ele acaba de ser promovido após o repentino e misterioso desligamento de um amigo, que em breve começa a revelar podres da Lumon. Uma das primeiras tarefas de Mark no cargo é recepcionar uma nova empregada do seu setor, o de "refinamento de macrodados" — nem ele nem seus subordinados sabem exatamente o que fazem. A nova contratada é Helly (Britt Lower), que tentará lutar contra o sistema, mas vai esbarrar em uma esmerada burocracia e em um dedicado supervisor dos innies. (Apple TV+)
29) Sentença (2022)
Esta dica é do meu colega Carlos Redel: "Criada por Paula Knudsen, dirigida por Anahí Berneri e Marina Meliande, protagonizada por Camila Morgado e com quatro mulheres no time de seis roteiristas, Sentença aborda com intensidade e também com delicadeza o dia a dia de uma advogada criminalista que acredita que todos têm direito à defesa, independentemente do crime cometido. Porém, ainda que idealista, a personagem apresenta diversas camadas, e até mesmo anda na linha tênue entre o que é certo e errado, deixando de lado a visão maniqueísta do heroísmo. Por contar com apenas seis episódios de mais ou menos 45 minutos em sua primeira temporada, a série acaba por acumular diversos temas ao redor de Heloísa (Camila Morgado). Que já tem uma vida complicada, carregando traumas do passado e aliando suas jornada de filha, mãe, esposa e profissional que lida diretamente com o crime. Ainda que alguns dos problemas enfrentados por ela acabem não tendo a resolução ideal ou o cuidado necessário, é interessante notar como a protagonista corre de um lado para o outro o tempo inteiro tentando resolvê-los, em mais um ótimo desempenho de Morgado (a exemplo do que foi visto em Bom Dia, Verônica). A produção oferece um ponto de vista majoritariamente feminino para um universo dominado por homens e, ainda por cima, consegue ter a sensibilidade de mostrar uma mulher em sua totalidade, de maneira natural, sendo justa e fazendo o que acredita ser o melhor para todos, colocando o lado humano e a vida sempre em prioridade". (Amazon Prime Video)
30) Slow Horses (2022)
Na primeira vez que vemos Gary Oldman na série baseada nos livros do escritor Mick Herron, seu personagem, o agente secreto britânico Jackson Lamb, está deitado em um sofá. Suas duas meias estão furadas, e em uma mesinha de centro repousam uma garrafa de uísque quase vazia e restos de comida em embalagens de alumínio. Ele está dormindo em seu escritório, um pardieiro acarpetado de cores tristes e com pastas e arquivos espalhados por todos os cantos. De repente, Lamb acorda: foi despertado pelo barulho do próprio peido. A flatulência do protagonista é recorrente em Slow Horses, cuja primeira temporada, com seis episódios, já foi encerrada (e a segunda já está gravada). Mas antes de conhecermos Lamb, seremos apresentados a um outro agente secreto britânico, River Cartwright (Jack Lowden, ator do ótimo filme Calibre), neto de um aposentado astro da mesma profissão. Nos 10 eletrizantes minutos da sequência de abertura, River está envolvido na identificação e na caça de um suposto terrorista no Aeroporto de Stansted, em Londres. Não é spoiler dizer que esse espião vai entrar numa fria. Mais precisamente, numa geladeira: Slough House, um departamento para onde são escanteados os funcionários do serviço de inteligência que cometem uma, ora, cagada. (Apple TV+)