Talvez "comemorar" seja um verbo muito otimista para uma série tão pessimista, mas o fato é que neste sábado, 4 de dezembro, completam-se 10 anos da estreia de Black Mirror. Disponível na Netflix (que também conta com o filme interativo Bandersnatch, de 2018), a série criada pelo inglês Charlie Brooker é uma antologia de histórias autônomas em que as novas tecnologias potencializam anseios, crises, dilemas e vícios da sociedade contemporânea.
É uma tradição da ficção científica especular como será o mundo daqui a algumas décadas ou a alguns séculos. Em geral, as previsões são pessimistas, porque, na verdade, refletem inquietações do tempo em que as obras foram produzidos. Como diz Rudinei Kopp, professor e autor do livro Quando o Futuro Morreu? (2011), as distopias encenadas apresentam não exatamente como profecias, mas pesadelos do presente.
Ainda que não seja a cara assumida por Black Mirror ao longo de quase uma década, o primeiro episódio já mostrava que Brooker chegara para inquietar. Em National Anthem (2011), o primeiro-ministro britânico se vê frente a uma escolha impossível: ter relações sexuais com um porco — com tudo transmitido ao vivo, em rede nacional — ou deixar que a princesa do país, membro da família real muito amada pelos britânicos e que foi sequestrada, seja morta por um terrorista.
Os outros dois episódios da curta primeira temporada estão entre os mais representativos. Em Fifteen Million Merits, Daniel Kaluuya e Jessica Brown Findlay passam os dias pedalando em bicicletas ergométricas, fechados em salas minúsculas em que as paredes são cobertas por telas, lutando para alcançar uma pontuação que lhes garanta programas de televisão melhores, comida artificial ou — o ápice — a chance de participar de um reality show. Em The Entire Story of You, as pessoas implantaram um chip atrás da orelha, que lhes permite gravar tudo o que veem e ouvem. Usando um controle remoto, os usuários podem reproduzir suas memórias diretamente nos olhos ou em um monitor de vídeo. Em um jantar, Liam (personagem de Toby Kebbell) desconfia do comportamento de sua esposa (Jodie Whittaker) em relação a um homem chamado Jonas e decide esclarecer a situação.
Há várias outras histórias marcantes. Em Be Right Back (2013), a personagem de Hayley Atwell (a Peggy Carter do Universo Cinematográfico Marvel), em luto após o namorado (Domhnall Gleeson) morrer em um acidente de trânsito, passa a conviver com uma réplica dele, criada graças aos rastros digitais deixados em redes sociais e outros recursos audiovisuais. Estrelado por Jon Hamm, White Christmas (2014) mostra um dispositivo de realidade aumentada implantado no corpo que permite aos seres humanos se comunicarem remotamente e também possibilita que pessoas sejam "bloqueadas" (ou canceladas, para usar o termo da moda), tornando-se invisíveis umas para as outras.
Em Nosedive (2016), a atriz Bryce Dallas Howard vive em uma sociedade onde as pessoas avaliam e são avaliadas o tempo todo por suas postagens e atitudes. As melhores notas dão direito a benefícios — é como se a quantidade de likes determinasse o status de cada um. Hated in the Nation (2016) reflete sobre os julgamentos sumários do mundo virtual e os programas de vigilância dos governos. No comovente San Junipero (2016), o romance entre as personagens de Gugu Mbatha-Raw e Mackenzie Davis se desenvolve em uma realidade virtual simulada onde a consciência das pessoas pode habitar no pós-morte. Em Hang the DJ (2017), um aplicativo define o rumo e a duração de cada relacionamento amoroso de seus usuários.