Por mais que eu goste do Tom Hanks, de cachorros, de robôs (ou androides) e de narrativas pós-apocalípticas, estava com um pezinho atrás quanto a Finch (2021), filme adicionado na sexta-feira (5) à plataforma Apple TV+. Afinal, sua produtora, a Universal, havia desistido do lançamento nos cinemas (o título original era BIOS), o que é sempre um indicativo da falta de confiança. E, sejamos francos, o diretor inglês Miguel Sapochnik, que ganhou o Emmy pelo episódio Battle of the Bastards (2016) da série Game of Thrones, parece cozinhar ingredientes já muito empregados — o resultado da mistura poderia ser um prato sem personalidade.
Mas, puxa vida, é Tom Hanks, um cão felpudo, um robô falante e o fim do mundo! Pode até não dar em Oscar, mas não tem como dar errado.
Com roteiro escrito por Craig Luck e Ivor Powell, Finch apresenta toques de Náufrago (2000), Eu Sou a Lenda (2007), A Estrada (2008), Wall-E (2008), Chappie (2015) e Um Lugar Silencioso (2018), entre outros filmes. Como em Náufrago, Hanks interpreta o (aparentemente) único sobrevivente de um desastre — no caso, o da própria Terra. Em 2028, o relacionamento entre o planeta e o Sol esfriou, ou pior, esquentou de vez. A camada de ozônio virou um queijo suíço, como diz o personagem de Hanks, o engenheiro Finch Weinberg, e agora se expor por poucos segundos à radiação solar pode levar a uma morte dolorosa. O negócio é sair de St. Louis, cidade no meio-oeste dos Estados Unidos ameaçada por um evento meteorológico, e pegar a estrada rumo a San Francisco, na Califórnia, onde a situação pode ser melhorzinha.
A solidão de Finch é quebrada pelas canções que coloca para tocar, como a nostálgica American Pie (Don McLean) e a autoexplicativa Road to Nowhere (Talking Heads), pelos ruídos do robozinho Dewey (um antepassado de Wall-E) e pelos eventuais latidos de Goodyear, um vira-latas encarnado por Seamus. É em torno do cachorro que gira o drama do filme. O protagonista sabe que deve morrer em breve — vem sentindo febre e tossindo sangue —, portanto, decide criar uma espécie de versão aprimorada da bola Wilson de Náufrago: um robô dotado de inteligência artificial e aparência vintage.
Aí estão duas mensagens bonitas, a do altruísmo e a do legado afetivo. Finch não se preocupa em estender a sua sobrevivência, mas em garantir a de Goodyear. E a relação que estabelece com o robô alude à de um pai tentando ensinar valores para seu filho, à de um pai tentando nutrir esperança em um mundo corrompido.
Dito assim, pode parecer que Finch é uma tristeza só ou um dramalhão previsível como o recente O Céu da Meia-Noite (2020), para ficar no terreno dos filmes pós-apocalípticos que focam nos laços familiares. Não é por aí, mas também não se trata de um thriller cheio de perigos e reviravoltas.
Finch mostra-se um prato saboroso, daqueles que alimentam também o espírito, porque Sapochnik soube dosar os elementos usados, encontrando um equilíbrio entre a ficção científica, o drama, a aventura e especialmente a comédia. No momento em que o engenheiro põe de pé sua invenção, autobatizada de Jeff, Tom Hanks ganha um interlocutor que nos diverte. Tanto por sua mescla de conhecimentos enciclopédicos com ingenuidade emocional quanto pelo trabalho de voz e de captura de movimentos do ator Caleb Landry Jones — vencedor do prêmio de atuação masculina no Festival de Cannes por Nitram (2021), no papel do jovem que matou 35 pessoas em Port Arthur, na Tasmânia, em 1996.
Os diálogos entre Finch e Jeff vão revelar que o primeiro não é tão heroico. Chega a ser cínico e rabugento, mas nunca deixa de ser sábio e empático — a história que ele conta sobre confiar é a um só tempo engraçada, profunda e extremamente verdadeira. O convívio entre criador e criatura — entre pai e filho? — também nos permite enxergar as feridas no coração do protagonista, não aquelas decorrentes da sua doença, mas os traumas que acabaram por forjar seu caráter e ditar suas atitudes. E a jornada de amadurecimento de Jeff enseja comentários sobre aquilo que distingue a humanidade, para o bem ou para o mal. Podemos ser covardes, gananciosos e cruéis, mas alguns de nós encontram a plenitude em uma simples brincadeira de jogar a bolinha para o cachorro buscar.