Disponível em plataformas de streaming até 7 de abril, Liga da Justiça de Zack Snyder me fez lembrar dos clássicos Apocalypse Now e Blade Runner. Calma, não foi pela qualidade! É que os três se enquadram na categoria dos filmes que, depois de já lançados, ganharam uma nova versão — a chamada versão do diretor.
Em geral, isso começa com o desacordo entre o estúdio e o realizador quanto à duração do filme: quanto mais longo, menos sessões por dia nos cinemas; quanto menor o número de sessões, maior o risco de não fazer uma grande bilheteria.
Mais tarde ou mais cedo, com o prestígio conquistado na carreira ou até por pressão dos fãs, como no caso deste novo Liga da Justiça, os diretores podem trazer ao público a sua visão artística, com o mínimo de interferência dos produtores.
Liga da Justiça de Zack Snyder (2021)
Vamos começar com o mais recente. Em Liga da Justiça de Zack Snyder, o diretor dobrou a duração do filme que foi lançado em 2017 com duas horas e era coassinado por Joss Whedon, responsável por tornar aquele Liga da Justiça uma maçaroca sem personalidade: ora era sombrio e violento, ora era colorido e bobo. Na sua versão de quatro horas, a aventura não é muito melhor do que a anterior, mas desenvolve o herói Ciborgue e os vilões Darkseid e Lobo da Estepe e é mais coerente do ponto de vista artístico. Ou seja, temos muita breguice, muita computação gráfica, muita câmera lenta e um Superman que, em vez de ser o defensor dos fracos e dos oprimidos, surge como agressor dos fortes e dos poderosos. (Apple TV, Now, Google Play, YouTube e Vivo Play até 7 de abril; em junho, volta a cartaz, com exclusividade no novo HBO Max)
Apocalypse Now: Final Cut (2019)
O Apocalypse Now original, de 1979, com 147 minutos de duração, já era um clássico sobre a insanidade da guerra. Vencedora da Palma de Ouro no Festival de Cannes, a obra coloca no contexto da Guerra do Vietnã o romance Coração das Trevas, que o escritor Joseph Conrad apresentou no final do século 19, narrando uma expedição na África colonizada e barbarizada pelos europeus. No filme, Martin Sheen interpreta um capitão do exército norte-americano encarregado de localizar o personagem encarnado pelo grande Marlon Brando, um coronel que desertou, enlouqueceu e virou uma líder messiânico à frente de uma milícia na selva. Em 2001, no chamado Apocalypse Now Redux, o diretor Francis Ford Coppola acrescentou 49 minutos de conteúdo extra, como a parada da missão em uma fazenda, onde discute os resquícios da colonização francesa no Sudeste Asiático. Apocalypse Now: Final Cut, lançado em 2019, faz um meio-termo entre as duas primeiras versões. Com 182 minutos, retira ou enxuga gordurinhas e reordena sequências para dar ao conjunto mais fluidez e impacto.
Blade Runner: The Final Cut (2007)
A adaptação do diretor inglês Ridley Scott para a história Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, do escritor norte-americano Philip K. Dick (1928-1982), é digna de aula sobre o tema. Todos os elementos estão presentes: desde decisões de estúdio (no caso, a Warner) à revelia do diretor, o que inclui não apenas cortes, mas também enxertos, até a obsessão do cineasta em lapidar sua obra. Ao todo, houve sete versões de Blade Runner: O Caçador de Androides, ficção científica existencialista ambientada em uma então futurista Los Angeles (se passa em novembro de 2019). As mais famosas são a original, de 1982, a Director's Cut, de 1991, e The Final Cut, de 2007, a única sobre a qual Scott teve controle absoluto. Todas têm mais ou menos a mesma duração — 113, 116 e 117 minutos, respectivamente —, mas há diferenças significativas entre essas duas últimas e a que o estúdio lançou inicialmente. Em primeiro lugar, não há a narração em off do personagem interpretado por Harrison Ford, Deckard — recurso que, se por um lado, reforçava a aproximação de Blade Runner com o policial noir, por outro é desnecessária e intrusiva. Caiu fora o "final feliz" imposto pela Warner e montado com sobras das filmagens de O Iluminado (1980), de Stanley Kubrick. E Scott adicionou mistério com a cena do sonho com um unicórnio: será que Deckard também é um replicante? (Apple TV, Google Play e YouTube exibem The Final Cut, e Netflix, Google Play e YouTube têm no catálogo Blade Runner 2049, uma continuação dirigida em 2017 por Denis Villeneuve)
Francis Ford Coppola e Ridley Scott são reincidentes. O primeiro apresentou no final de 2020 uma nova montagem da terceira parte de O Poderoso Chefão (1990), disponível em Apple TV, Now, Google Play e YouTube. O segundo, desgostoso com os cortes que a Fox mandou fazer em Cruzada, de 2005, no mesmo ano lançou uma versão com 45 minutos extras — a duração pulou para 194. E o resultado, pelo menos junto aos críticos, também foi bem superior.
Mas as versões do diretor não são exclusividade de épicos ou de cineastas consagrados. Cameron Crowe acrescentou meia hora a sua comédia dramática Quase Famosos (2000), na qual um adolescente tem a chance de realizar um sonho acompanhando, como jornalista, a turnê da fictícia banda de rock Stillwater.