Tem cineasta que não se contenta ao colocar "the end" num filme e fica se coçando até voltar a ele para, no recorta e cola, dar o seu, agora sim, ponto final. A história do cinema é repleta de autores como Ridley Scott, que fez várias versões de Blade Runner até se dar por satisfeito. Sem contar os dramas vividos por nomes que vão de Orson Welles a Michael Cimino, com obras mutiladas a sua revelia pelos estúdios.
Não tão dramático é o caso do memorável e agora revivido épico de guerra Apocalypse Now, que valeu a Francis Ford Coppola a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1979. A terceira versão do filme foi lançada em 2019, no embalo da celebração de seus 40 anos. Com os cinemas brasileiros fechados pela pandemia, o agora chamado Apocalypse Now: Final Cut pode ser visto a partir desta quarta (1º) na plataforma de streaming belasartesalacarte.com.br, na qual chega acompanhado de dois documentários: O Apocalipse de um Cineasta (1991) e Dutch Angle: Fotografando Apocalypse Now (2019). O clássico tem “ingresso” a R$14,90. O pacote sai por R$19,90.
O que esse corte final traz de diferente para justificar o entusiasmo juvenil que mostra o veterano Coppola, que garante ser essa a melhor versão do filme? Alguns aspectos que fazem o diretor dizer que o público, enfim, “vai ver, ouvir e sentir o filme como sempre sonhei” podem passar despercebidos na tela pequena e sem a imersão audiovisual recomendada diante de uma obra com tamanha envergadura. São relativos aos processos de restauração de som e imagem sob os mais altos padrões tecnológicos disponíveis.
Apocalypse Now coloca no contexto da Guerra do Vietnã o clássico literário O Coração das Trevas, que Joseph Conrad apresentou no final do século 19, narrando uma expedição na África colonizada e barbarizada pelos europeus. No filme, Martin Sheen vive um capitão do exército americano encarregado de localizar um coronel que desertou, enlouqueceu e virou uma líder messiânico à frente de uma milícia na selva, papel de Marlon Brando.
Versões
Coppola fez do longa um dos mais impressionantes e precisos registros da insanidade da guerra, visão ilustrada pelo personagem de Robert Duvall, um coronel caubói que se revigora a cada manhã com o cheiro do napalm, combustível das bombas incendiárias despejadas também sobre os civis vietnamitas.
A primeira versão do filme foi exibida em Cannes em cópia não finalizada, que chegou ao festival em cima da hora e depois correu o mundo com 147 minutos de duração. Em 2001, Coppola apresentou a edição Redux (196 minutos), acrescentando digressões que dividiram opiniões, como, entre outras cenas, a parada da missão em uma fazenda que referencia resquícios da colonização francesa na região. Com 182 minutos, esse Final Cut, basicamente, faz um meio-termo entre as montagens anteriores, retirando e enxugando gorduras e reordenando sequências para dar ao conjunto mais fluidez e potência.
Apocalypse Now foi uma missão quixotesca e megalomaníaca à qual Coppola se lançou tão logo conquistou a Palma de Ouro em Cannes com A Conversação e emplacou mais um sucesso com O Poderoso Chefão 2. As filmagens nas Filipinas começaram em março de 1976 e foram um pesadelo para a equipe, como registra o documentário O Apocalipse de um Cineasta, com imagens de bastidores captadas por Eleanor Coppola, material posteriormente complementado por depoimentos coordenados por Fax Bahr e George Hickenlooper. Aconteceram todos os problemas técnicos, econômicos, pessoais e climatológicos possíveis. O atraso e a tensão na produção foram de tal ordem que Coppola teve um colapso nervoso e Martin Sheen sofreu um infarto, fora o fato de Marlon Brando aparecer fora de forma e indomável no set e Dennis Hopper, que vive um fotógrafo, mal conseguir dizer suas falas de tanta droga que consumia.
Por sua vez, o documentário Dutch Angle: Fotografando Apocalypse Now, de Baris Azman, destaca o trabalho do fotógrafo holandês Charles “Chas” Gerretsen, que revela muitas imagens inéditas, incluindo cenas não aproveitadas nas montagens.