Chegamos lá. O futuro projetado no filme Blade Runner – O Caçador de Androides está localizado exatamente neste novembro de 2019, numa Los Angeles sombria e chuvosa que reflete um apocalíptico cenário mundial.
Ainda não chegamos lá. Como bem sabemos, a distopia da ficção não se materializou, ainda. Carros voadores, clones humanos capazes de lembrar do que não viveram, colônias espaciais que servem de condomínio de luxo para os humanos que vivem numa Terra inóspita e degradada, entre outras especulações do amanhã feitas ontem, seguem no campo da possibilidade prática e da especulação teórica. Quem sabe em 2049, quando se passa a sequência da história (vista no filme lançado em 2017), imaginação e realidade entrem em sintonia, para nossa desgraça.
Blade Runner estreou nos cinemas em 1982 e foi ignorado por público e crítica. Mas não demorou para ressurgir como filme de culto, pioneiro de uma estética visual que marcaria as décadas seguintes — ainda hoje deslumbrante — e visionário na abordagem de temas científicos, éticos e sociais permanentemente em pauta.
O filme adapta — e para muitos fãs do gênero melhora — o romance de ficção científica Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, de Philip K. Dick, lançado em 1968. O futuro do livro prospectava o ano de 1992 (trocado para 2021 nas reedições). Numa Terra arrasada por uma guerra atômica que deixou como saldo uma chuva tóxica que extinguiu quase a maioria dos animais, Rick Deckard, caçador de recompensas persegue um grupo de androides fugitivos.
O diretor inglês Ridley Scott assumiu o filme prestigiado por seu bom trabalho em Os Duelistas (1977) e Alien, o Oitavo Passageiro (1979) — tinha ainda laureado currículo na publicidade. A Hampton Fancher e David Webb Peoples é creditado o roteiro.
Blade Runner saiu do papel de forma bastante atribulada. Uma greve de roteiristas atrasou o projeto e as filmagens foram marcadas por disputas entre o genioso e perfeccionista Scott e seus financiadores, cada vez mais descontentes com os custos crescentes do orçamento e temerosos do risco de fracasso comercial daquele enredo com mais reflexão do que ação.
Ao longo dos anos, a edições em VHS e DVD e os relançamentos nos cinemas colocaram Blade Runner no panteão dos melhores filmes de ficção científica do cinema e consagraram no imaginário popular sequências como o duelo final, quando, na iminência da morte, o replicante Roy, vivido por Rutger Hauer, faz o emocionante monólogo de exaltação à vida.
Em 1992, Scott lançou a sua versão do filme, alegando que a anterior havia sido imposta pelas produtores. Pelos menos quatro versões diferentes passaram a circular nas edições especiais em DVD e Blu-Ray. Essas quatro versões são, a rigor, duas. A original, de 1982 e a de Scott lançada em 1992 — esta foi renovada em 2007 como "o corte final", com melhoria de som e imagem e, mais significativo, com a correção de pelo menos duas falhas que acompanham a mitologia da obra.
A questão foi solucionada refazendo a cena da morte da replicante Zhora (Joanna Cassidy), na qual se percebia claramente o rosto da dublê. A outra foi finalmente refazer uma conta errada que por muito tempo intrigou os admiradores do filme. O roteiro original mencionava que seis replicantes haviam fugido de um planeta para a sombria Los Angeles de 2019. É mencionado que um já está morto quando o policial caçador de androides Rick Deckard (Harrison Ford) começa a perseguir quatro deles.
Com o orçamento e tempo estourados, pressão dos produtores e roteiro sendo refeito em meio a greve dos roteiristas, a referência ao quinto replicante passou, mas a cena não foi filmada.
As quatro versões de Blade Runner
Versão original (1982) – Por imposição dos produtores, Ridley Scott adicionou a narração em off de Harrison Ford e um final feliz e solar do personagem com a replicante Rachael (Sean Young), usando sobras de imagens captadas por Stanley Kubrick para a abertura de O Iluminado.
Versão internacional (1982) – Cópia com três cenas mais violentas cortadas da versão americana: a do replicante Roy perfurando os olhos de seu criador, a da replicante Pris (Daryl Hannah) segurando Deckard pelas narinas e a da mão de Roy sendo perfurada por um prego.
Versão do diretor (1992) – Alterações que mudaram completamente o filme: a supressão da narração em off e do “final feliz” e a inclusão da cena em que Deckard sonha com um unicórnio, sugerindo ele próprio ser um replicante.
Versão definitiva (2007) – Ganhou melhoria de som e imagem e ajustes nos efeitos especias — o mais significativo é a correção por computação gráfica da cena da morte da replicante Zhora (percebia-se o rosto da dublê). Também foi alterado, com nova dublagem, o número de replicantes mortos antes da caçada, agora dois em vez de um, para fechar a conta dos seis que fugiram com os quatro que precisam ser mortos. As três cenas violentas citadas voltaram.