Só o marketing e o nome de George Clooney explicam o sucesso de audiência de O Céu da Meia-Noite (The Midnight Sky), filme que está no top 10 da Netflix desde seu lançamento, às vésperas do Natal. Dizem que a ficção científica dirigida e protagonizada pelo astro americano pode se tornar o recordista de acessos da plataforma de streaming. Mas quantidade não significa qualidade.
Talvez o espírito coletivo na pandemia tenha levado o público a assistir a este dramalhão com lição de vida e mensagem de esperança que é previsível do início ao fim. Estamos, muitos de nós, isolados como o personagem de Clooney; nos ressentimos das conexões perdidas ou subaproveitadas, torcemos pela salvação da humanidade e queremos certezas, queremos saber exatamente o que vem pela frente, passo a passo.
Pois bem: tudo é telegrafado neste filme sobre um cientista que busca, justamente, se comunicar com uma equipe de astronautas. A adaptação do romance Good Morning, Midnight (2016), de Lily Brooks-Dalton (o livro deve ganhar edição brasileira em 2021, pela Morro Branco), é o sétimo longa-metragem dirigido por Clooney, 59 anos, indicado ao Oscar da categoria por Boa Noite e Boa Sorte (2005), e sua primeira incursão pelo gênero atrás das câmeras. Como ator, já tinha feito a refilmagem de Solaris (2002), assinada por Steven Soderbergh, e sido o parceiro de Sandra Bullock em Gravidade (2013), de Alfonso Cuarón.
Barbudo como no papel de Syriana (2005) que lhe trouxe o Oscar de melhor coadjuvante, Clooney interpreta o renomado astrônomo Augustine Lofthouse. Sozinho em uma estação no Ártico, no ano de 2049, ele tenta mandar uma mensagem urgente para uma missão da Nasa que estava em K-23, um exoplaneta habitável: seus tripulantes não devem voltar. A Terra está morrendo, vítima de uma catástrofe ambiental ou sanitária — poderia ser o aquecimento global, poderia ser uma doença ainda mais devastadora.
A narrativa se divide entre os esforços de Augustine, que, estranhamente, ganha a companhia de uma menina aparentemente muda (Caoilin Springall), e o cotidiano com alguma turbulência da nave espacial, que reúne os seguintes personagens: o comandante Adewole (David Oyelowo), sua esposa, a especialista em comunicação Sully (Felicity Jones, concorrente ao Oscar de melhor atriz por A Teoria de Tudo, de 2014), o piloto Tom Mitchell (Kyle Chandler), o expert em navegação Sanchez (Demián Bichir, indicado ao Oscar de ator por Uma Vida Melhor, de 2011) e a engenheira Maya (Tiffany Boone). Flashbacks da juventude de Augustine ajudam a montar um quebra-cabeças fácil de visualizar desde as primeiras peças.
Aliás, tudo é tão óbvio que nem a extremamente intrusiva e surpreendentemente piegas trilha sonora do francês Alexandre Desplat (ganhador do Oscar por O Grande Hotel Budapeste e A Forma da Água e dono de outras nove indicações) é capaz de provocar emoção. Apesar do requinte na técnica artística (vide o passeio pelo espaço para consertar danos na nave), O Céu da Meia-Noite parece pintado com uma série de temas e situações que já vimos em outros filmes sobre relações fissuradas e astronautas em apuros, como o próprio Gravidade, Interestelar (2014) e Ad Astra (2019). E o final, orquestrado como se fosse uma revelação arrebatadora, estava escrito nas estrelas desde o Big Bang.