O Gambito da Rainha, I May Destroy You, Mare of Easttown, The Underground Railroad e WandaVision tornam a categoria de melhor minissérie a mais forte da 73ª edição do Emmy, que conhecerá seus vencedores neste domingo (19).
Na verdade, já faz algum tempinho que essa categoria da principal premiação da TV e do streaming nos Estados Unidos vem sendo fértil em grandes obras, vide as já premiadas Chernobyl, ganhadora em 2019, e Watchmen, campeã em 2020. O formato seduz o público que gosta de histórias com hora para acabar — são cinco, sete, 10 episódios — e atrai realizadores, atores e atrizes que querem desenvolver temas e personagens com mais tempo do que no cinema, mas sem ficarem presos a um contrato longo como o de uma série.
As minisséries cresceram a ponto de o Emmy mostrar-se pequeno para dar conta da qualidade alcançada — eis o ponto fraco referido no título da coluna. Até pelo cartaz junto à crítica e pelo burburinho nas redes sociais, mereciam estar em uma situação mais semelhante à das séries regulares no que diz respeito à quantidade de indicados e premiados. Compare: apenas cinco minisséries concorrem, mas há oito títulos em melhor série dramática e oito em comédias. Na área de interpretação, há 12 troféus para as séries: atriz em comédia, ator em comédia, atriz coadjuvante em comédia, ator coadjuvante em comédia, atriz convidada em comédia, ator convidado em comédia, atriz em drama, ator em drama, atriz coadjuvante em drama, ator coadjuvante em drama, atriz convidada em drama e ator convidado em drama. As minisséries contam com apenas quatro (melhor atriz, melhor ator, atriz coadjuvante e ator coadjuvante), sendo que dividem as indicações com os artistas de telefilmes — é por isso, por exemplo, que o musical Hamilton emplacou sete candidatos.
Enfim: se eu mandasse no Emmy, daria um jeito de valorizar mais as minisséries. Quem sabe, por exemplo, subdividindo a categoria, separando produções de época e tramas contemporâneas, ou então colocando adaptações de outras obras de um lado e roteiros originais do outro.
Como isso é sonho, meu negócio é insistir para que mais e mais gente veja as cinco indicadas desta temporada, que é marcada pelo protagonismo feminino. Não por acaso, estão disputando a estatueta de melhor atriz Anya Taylor-Joy (O Gambito da Rainha), Michaela Coel (I May Destroy You), Kate Winslet (Mare of Easttown) e Elizabeth Olsen (WandaWision). Pela que deixaram de fora a sul-africana Thuso Mbedu, de The Underground Railroad (entrou Cynthia Erivo, de Genius: Aretha). Sinceramente, não saberia em qual minissérie votar: estou dividido entre a beleza contundente de The Underground Railroad, a combinação perfeita de mistério policial e dramas familiares de Mare of Easttown e o modo original e ousado de abordar um tema pesado em I May Destroy You.
O Gambito da Rainha
A concorrência é pesada, mas o Emmy pode consagrar uma das obras de de 2020 mais premiadas (recebeu troféus do Sindicato dos Atores, da Associação dos Diretores e os Globos de Ouro de melhor minissérie e melhor atriz) e badaladas (até Barack Obama, ex-presidente dos Estados Unidos, elegeu como uma de suas favoritas).
Desenvolvida por Scott Frank a partir de um romance escrito por Walter Tevis, O Gambito da Rainha é curtinha: tem sete episódios, que até poderiam ter sido enxugados para seis, mas ok. O importante é que Anya Taylor-Joy, uma das atrizes mais promissoras de Hollywood, está praticamente em todas as cenas. Revelada no terror A Bruxa (2015), ela dá xeque-mate no espectador como uma órfã que se torna jogadora de xadrez nos Estados Unidos dos anos 1960. Beth Harmon tem de enfrentar mais do que grandes campeões: precisa lidar com seus próprios traumas e vícios — no caso, em remédios e em álcool.
No total, são 18 indicações, incluindo melhor minissérie, atriz, direção, roteiro (ambos para Scott Frank), atriz coadjuvante (Moses Ingram, que interpreta Jolene, uma adolescente rebelde do orfanato que se torna a melhor amiga de Beth) e ator coadjuvante (Thomas Brodie-Sangster, que faz Benny Watts, um jovem campeão de xadrez). Pena que ficou de fora Bill Camp, no papel do Sr. Shaibel, o zelador do Lar para Meninas Methuen, que ensina a protagonista a jogar. (Netflix)
I May Destroy You
A inglesa de pais ganeses Michaela Coel, 33 anos, alinha-se a outras roteiristas de sua geração, como Phoebe Waller-Bridge (criadora de Fleabag), 36, Lena Dunham (Girls), 35, e Issa Rae (Insecure), 36: as desventuras da própria vida são fonte de inspiração. Em Chewing Gum (2015-2017), Michaela usou sua experiência como adolescente religiosa para falar do despertar da sexualidade. Em I May Destroy You (2020), trata do abuso sexual que sofreu na época em que escrevia a série anterior.
Criadora, protagonista, codiretora (ao lado de Sam Miller) e uma das produtoras executivas da minissérie — outra que mereceu elogios de Obama —, Michaela transforma-se em Arabella nesta autoficção. Escritora de um livro de sucesso, ela corre contra o prazo e contra uma crise criativa para entregar o segundo romance a uma grande editora de Londres. Para espairecer, resolve sair para a balada com uns amigos. No dia seguinte, já de volta ao trabalho, Arabella vê sua memória assaltada por imagens de um estupro praticado por um homem desconhecido.
A partir daí, I May Destroy You mostra como a violência sexual pode paralisar o presente, alterar o futuro e ressignificar o passado das vítimas. Ao longo dos 12 episódios de mais ou menos meia hora cada, Arabella empreende uma jornada de autoconhecimento e vingança, cheia de acertos (como os monólogos em que expõe as engrenagens do patriarcado e da cultura do estupro) e de tropeços — da personagem em si, que a certa altura deixa-se levar pela fama das redes sociais. Apesar de lidar com um assunto doloroso, a minissérie não é um drama do começo ao fim. Há espaço para o humor, o afeto e a diversão nas interações de Arabella com seus melhores amigos: Terry (Weruche Opia), uma atriz aspirante, e Kwame (Paapa Essiedu), um jovem homossexual que, em meio a uma ciranda de parceiros, também se verá sexualmente agredido.
São nove indicações no Emmy, incluindo melhor minissérie, atriz, direção, roteiro e ator coadjuvante (Paapa Essiedu). (HBO Max)
Mare of Easttown
Criada por Brad Ingelsby e dirigida por Craig Zobel, traz uma Kate Winslet que nunca vimos, mas com o talento e a entrega de sempre. Sete vezes indicada ao Oscar, a atriz inglesa interpreta sua primeira detetive. Em uma entrevista, ela disse ter ficado fascinada com o "quem foi" desta minissérie policial, mas ressaltou que "não é só a história de um crime". Falou que é mais sobre como as pessoas reais vivem, lidam com coisas reais e como essas coisas reais nem sempre são felizes.
De fato, o crime descoberto ao final do primeiro dos sete episódios é chocante e misterioso, mas serve fundamentalmente como um catalisador dos dramas pessoais e familiares em uma pequena cidade dos Estados Unidos. A morte traz à tona relações e segredos guardados em vida, uma imagem reforçada pela ambientação numa estação fria, que obriga os personagens a se esconderem atrás de casacos, mantas e gorros. E — até os últimos instantes — todos os personagens têm o que ocultar ou algo do que não gostam de falar.
Mare of Easttown recebeu no total 16 indicações ao Emmy, incluindo melhor minissérie, atriz, direção, roteiro, atriz coadjuvante (Julianne Nicholson, que faz Lori Ross, a dona de casa melhor amiga da policial, e Jean Smart, a divertida mãe da protagonista) e ator coadjuvante (Evan Peters, o detetive Colin Zabel). (HBO Max)
The Underground Railroad
Concebida por Barry Jenkins, diretor e roteirista de Moonlight, vencedor dos Oscar de melhor filme, roteiro adaptado e ator coadjuvante (Mahershala Ali) em 2017, a minissérie em 10 episódios é a adaptação do romance homônimo escrito por Colson Whitehead e ganhador, também em 2017, do prêmio Pulitzer, centenária distinção outorgada pela Universidade de Columbia, em Nova York.
A trama se passa na metade do século 19, antes da Guerra Civil nos EUA (1861-1865), que tinha como principal causa a escravização da população negra — a maioria dos Estados do Sul queria manter, o Norte era contra. Sua protagonista é Cora (interpretada de forma assombrosa pela sul-africana Thuso Mbedu), uma jovem escrava que, após relutar, tenta fugir de uma fazenda na Geórgia na companhia do íntegro Caesar (o cativante inglês Aaron Pierre, visto em Tempo, de M. Night Shyamalan). No encalço dos dois, partirá o caçador Arnold Ridgeway (o australiano Joel Edgerton, sempre interessante), tendo ao lado um surpreendente ajudante: Homer (Chase W. Dillon), um menino negro. Outra companhia frequente dos personagens é a maravilhosa trilha sonora composta por Nicholas Britell, indicado ao Oscar por Moonlight e por Se a Rua Beale Falasse. Interpretado por uma orquestra de cordas, um dos temas traduz os sentimentos contraditórios de Cora: há dor e aflição por um lado, resiliência e esperança por outro.
A Underground Railroad do título era o nome dado a uma rede secreta de rotas e esconderijos utilizada por negros que buscavam escapar da escravidão — entre eles, estava a ativista Harriet Tubman (1822-1913), retratada no filme Harriet (2019). Não tinha trens nem era subterrânea, mas é assim que se apresenta no livro de Whitehead e na minissérie dirigida por Jenkins — o quinhão de realismo mágico permite anacronismos como um arranha-céu no Estado da Carolina do Sul. É como se a ferrovia nos lembrasse de que há toda uma história correndo por baixo dos documentos oficiais, há toda uma população que teve sua voz calada pela mão bruta do racismo.
Calada ou deturpada. No segundo episódio, um homem branco conduz crianças brancas por um Museu das Maravilhas Naturais, na Carolina do Sul. Ali, a principal atração é a "jornada de transformação" dos africanos trazidos à força de seu continente: de "selvagens que usavam crânios como copos" passaram a "civilizados que bebem xícaras de chá". Por conta disso, os oprimidos estariam gratos.
The Underground Railroad: Os Caminhos para a Liberdade compete em sete categorias do Emmy, incluindo melhor minissérie, direção, fotografia e música. (Amazon Prime Video)
WandaVision
A primeira produção da Marvel no Disney+ é a um só tempo saudosista e inovadora. Por um lado, a obra criada pela roteirista Jac Schaeffer (a mesma do filme Viúva Negra) presta uma homenagem à história da TV estadunidense. Por outro, essa celebração permite romper com a fórmula que vinha sendo adotada nas adaptações dos quadrinhos dos superseres da empresa — não temos mais a jornada do herói, sequer está claro quem é o vilão, e se no cinema os momentos de tolice trazem alívio cômico até para tramas apocalípticas (vide as duas últimas aventuras dos Vingadores), aqui inverte-se a mão: a gravidade vai ganhando terreno sobre o humor.
Trata-se de um seriado que exige um pouco mais do espectador: precisamos conhecer o passado dos personagens (surgidos, no cinema, em Vingadores: A Era de Ultron, de 2015) para compreender que há algo de muito estranho acontecendo, e precisamos conhecer o passado da teledramaturgia dos Estados Unidos para compreender as referências, que não têm nada de gratuitas: acrescentam camadas, criam expectativas, intensificam o suspense.
No primeiro dos nove episódios, Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen), a Feiticeira Escarlate, e o androide Visão (Paul Bettany) são apresentados como um típico casal dos subúrbios norte-americanos. No caso, Westview, no Estado de Nova Jersey, onde os demais 3 mil e pouco moradores desconhecem os superpoderes dos vizinhos — manipular com a mente objetos e pensamentos no caso dela, ficar intangível ou resolver num átimo a burocracia do trabalho no caso dele. As cenas são em preto e branco, e o tom de comédia romântica é acentuado pelas risadas da plateia, a claque, e pela duração da história (menos de meia hora). É uma alusão aos clássicos I Love Lucy (1951-1957) e The Dick Van Dyke Show (1961-1966). A partir daí, a minissérie vai avançando no tempo, nos costumes e nos mistérios.
No total, WandaVision recebeu 23 indicações ao Emmy, incluindo melhor minissérie, atriz, ator, direção (Matt Shakman) e atriz coadjuvante (Kathryn Hahn, a vizinha enxerida Agatha Harkness). (Disney+)