
O sucesso de O Eternauta (El Eternauta, 2025), série mais vista na Netflix, lança luz sobre o criador da história: Héctor Germán Oesterheld (1919-1977), roteirista argentino que, durante a ditadura militar em seu país, foi sequestrado pelas forças armadas, assim como aconteceu com suas quatro filhas e três de seus genros. Seus corpos nunca foram encontrados.
H.G. Oesterheld é apontado como um dos maiores nomes dos quadrinhos, não só da Argentina ou da América Latina, mas do mundo inteiro. Prolífico, legou clássicos como Mort Cinder, "o homem das mil mortes". Sob influência do escritor Jorge Luis Borges, Oesterheld deu vida a um personagem que testemunhou incontáveis episódios da brutalidade humana — da Torre de Babel aos navios do tráfico de escravos, da Batalha das Termópilas às trincheiras da Primeira Guerra Mundial. O passeio é visto pelos olhos dos desvalidos e dos esquecidos, sob o jogo de luzes e sombras do desenhista uruguaio Alberto Breccia que inspirou artistas como o estadunidense Frank Miller e o também argentino Eduardo Risso.
Em parceria com Alberto Breccia, Oesterheld também produziu, entre outros títulos, Sherlock Time, as biografias de Che Guevara e Evita Perón e O Eternauta 1969, uma releitura da obra original, que tem arte de Francisco Solano López.
Versátil, o roteirista argentino aventurou-se por diferentes gêneros de HQs, como a ficção científica, em Bull Rocket e no próprio O Eternauta, a guerra, no pungente Ernie Pike, o esporte, com o boxeador Índio Suárez, e sobretudo o faroeste. Nessa seara, deu vida a personagens como Sargento Kirk (uma transposição do poema épico Martín Fierro para o Velho Oeste dos EUA), Randall, Doc Carson, Watami e "Loco" Sexton.
Este último, desenhado pelo chileno Arturo Pérez Del Castillo (1925-1992), foi recentemente lançado no Brasil pela editora gaúcha Lorentz. Os dois volumes de "Loco" Sexton, cada um com cerca de 240 páginas, compilam 43 histórias curtas e em preto e branco, ambientadas no século 19 e traduzidas por Jana Bianchi (a saga completa custa R$ 157,60). Trazem prefácios enriquecedores (o primeiro assinado pelo escritor Fábio Ochôa e centrado em Oesterheld, e o segundo, por Aurélio Miotto, um dos editores da publicação, focado em Del Castillo) e biografias dos roteiristas — no plural.
Obra surgida no meio dos anos 1970, "Loco" Sexton viu-se várias vezes tolhida de seu pai — a vida política de Oesterheld, que chegou a se filiar ao grupo guerrilheiro Montoneros, provocava ausências na vida artística. Outros três roteiristas eram costumeiramente convocados para cobrir as lacunas: Ray Collins, Carlos Albiac e Guillermo Saccomano.

Vinte e quatro tramas são da lavra de H.G. Oesterheld, que empregou um pseudônimo (Enrico Veronese) nas primeiras para não parecer um autor onipresente — não é à toa que O Eternauta valoriza o heroísmo coletivo em detrimento do astro hollywoodiano.
O personagem do título, por sua vez, não é o protagonista. Herbert Sexton, o "Loco", é um jornalista que, após ser demitido em Nova York e arruinar sua carreira na Costa Leste, pega um trem para o destino mais distante o possível: a fictícia cidade de Três Caveiras, no Arizona. Lá, ele se converte em um cronista do "verdadeiro Oeste", narrando ao leitor histórias de personagens como Joe Barrow, pistoleiro de 27 anos que "não gasta dinheiro com cartomantes, pois todas leem o mesmo futuro: a forca".

Na comparação com dois ícones italianos dos quadrinhos de faroeste, "Loco" Sexton está menos para Tex, criado em 1948 por Gian Luigi Bonelli e Aurelio Gallepini, e mais para Ken Parker, nascido em 1977 pelas mãos de Giancarlo Berardi e Ivo Milazzo — a começar pelo carinho para com os personagens indígenas. Há cenas de ação, duelos, emboscadas, mas tudo é temperado pelo olhar humanizador e melancólico de Oesterheld, que gera um contraste instigante com o estilo não raro cru e agressivo de Del Castillo.
Conforme o prefácio de Fábio Ochôa, "Loco" Sexton reflete o sentimento da época em que foi produzido, marcada por assassinatos, torturas, estupros e desaparecimentos cometidos sob as ordens da ditadura militar que vigorou de 1976 a 1983, e a situação do próprio Oesterheld, vivendo foragido na clandestinidade. O trágico se impõe, com lampejos de lirismo ou ironia. A HQ, escreve Ochôa, não dá espaço para a piedade, "frequentemente um gesto de bondade é recompensado com traições e disparos pelas costas. O destino de todo homem é a morte, mas, antes disso, ele vai passar invariavelmente por um mar de dores".
Por causa das atribulações da fase final da carreira de H.G. Oesterheld e da troca constante na autoria, "Loco" Sexton é uma obra irregular na sua qualidade e no seu impacto. Mesmo com 10 páginas, algumas histórias parecem se arrastar, especialmente quando carregadas de texto. Outras soam repetitivas ou previsíveis.
Mas quando Oesterheld e Del Castillo acertam a mão, o golpe é poderosíssimo. Vide a narrativa sobre o jovem Barney Ploughman, que resolve servir como ajudante de Joe Barrow. Ou Morte de um Xerife, que surpreende mesmo dando um spoiler no título.
Aliás, nesse mundo inóspito até os supostos mocinhos trapaceiam, e mulheres são capazes de vinganças sangrentas. Não há, contudo, necessariamente julgamento ou condenação. Como diz "Loco" Sexton em O que Acabou Morrendo, "às vezes, os bons não são tão bons, e os maus não são tão maus. Ainda falta a moral da história, mas é melhor que cada um tire suas conclusões".

Os roteiristas substitutos também podem brilhar. Em O Nono Mandamento, Guillermo Saccomano entrega um belo e amargo conto sobre tentação, cobiça e traição.
A última história escrita por H.G. Oesterheld, A Lenda de Peter Wabren, ilustra o que Fábio Ochôa afirma sobre a construção dos mitos difundidos por jornais, livros, filmes e quadrinhos — "O Oeste foi bem menos intrépido e bem mais chato do que imaginamos", ele define no prefácio. Na abertura dessa trama, "Loco" Sexton assume que inventou muitas de suas narrativas — "mas as criei com base em fatos reais, que era melhor deturpar um pouquinho".
O que marca a HQ não são os supostos feitos de Peter Wabren, mas uma breve passagem na qual o jornalista é personagem. No contexto de ameaça em que Oesterheld vivia, sempre sob o risco de ser levado pelos militares, as palavras soam como mensagem cifrada: "Adeus, xerife. É bom se prevenir. E eu também vou barricar minha porta".
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