Já está disponível na Apple TV, no Google Play e no YouTube o filme chinês que faz, literalmente, chover com as mais assombrosas cenas de ação dos últimos tempos: Shadow (Ying), lançado em 2018 pelo diretor Zhang Yimou, mas só em 2021 desembarcado no Brasil.
Yimou, 70 anos no próximo dia 14, é um dos mais renomados cineastas da China. No Festival de Berlim, ganhou o Urso de Ouro por Sorgo Vermelho (1987) e o troféu especial dos jurados por O Caminho para Casa (1999). Em Cannes, levou o Grande Prêmio do Júri por Tempo de Viver (1994). Em Veneza, faturou o Leão de Ouro duas vezes — A História de Qiu Ju (1992) e Nenhum a Menos (1999) — e o Leão de Prata de melhor diretor por Lanternas Vermelhas (1999).
Ao Oscar de filme internacional, Yimou concorreu em três oportunidades: com Amor e Sedução (1990), realizado em parceria com Yang Fengliang, com Lanternas Vermelhas e com Herói (2002). Este último título foi sua primeira incursão pelo gênero popularizado em seu país como wuxia — junção de wu (artes marciais) com xia (guerreiro, cavaleiro). Depois vieram O Clã das Adagas Voadoras (2004), A Maldição da Flor Dourada (2006) e Shadow.
Novamente, a trama se passa em tempos antigos da China, na era dos Três Reinos (220-280 d.C). Ficamos sabendo que o reino de Pei perdeu a importante cidade de Jingzhou para o reino de Yang depois que o popular e brilhante comandante Ziyu (papel de Deng Chao, de Assassino em Série) foi derrotado em um duelo com o invencível Yang Cang (Hu Jun). Covarde, o rei (interpretado por Zheng Kai) fica possesso ao descobrir que Ziyu desafiou Yang para uma revanche. Então, rebaixa o general à condição de plebeu. Entrementes, oferece sua irmã, a princesa Qingping (Guan Xiaoteng), para casar com o filho de Yang, de modo a manter a paz.
As intrigas palacianas dominam a primeira hora do filme e envolvem romances proibidos, traições, desonras e, principalmente, a sombra do título (aliás, inexplicável a decisão do distribuidor brasileiro, a PlayArte, de ter adotado o nome em inglês, Shadow). Trata-se de um dublê de corpo: como proteção diante das ameaças de morte, os chineses de outrora selecionavam sósias para substituir integrantes da realeza ou das altas esferas do poder. O Ziyu que desafiou Yang é na verdade um homem chamado Jing — o general de fato não se recuperou dos ferimentos impingidos no duelo e vive escondido em uma espécie de porão. Só quem sabe disso é a esposa do comandante, Xiao Ai (encarnada por Sun Li).
Mulheres, como de hábito na filmografia de Zhang Yimou, terão papel de destaque em Shadow. Não só por conta das ações das personagens Xiao Ai e Qingping. Para derrotar Yang, Jing é aconselhado a adotar um estilo mais feminino de luta. Treina com um guarda-chuva robustecido uma forma de combater a espada do seu oponente, tendo a seus pés o símbolo do taoísmo: o Yin e o Yang, que representam a dualidade de tudo o que existe no universo (noite e dia, homem e mulher etc.) e que norteiam todo o filme. Desde o enredo até a direção de arte e de fotografia (esta, assinada por Zhao Xiaoding, indicado ao Oscar por O Clã das Adagas Voadoras), esplêndidas em seu monocromatismo — figurinos e cenários só usam o preto, o branco e o cinza; a única cor diferente será a do sangue vertido e, não raro, misturado à água da chuva que cai sem parar.
E não faltará sangue. Quem procurar Shadow atraído pela promessa de extraordinárias sequências de ação terá de esperar um pouco, mas será fartamente recompensado. A partir de sua metade, o filme apresenta um espetáculo sem igual e praticamente incessante. Há ataques coletivos, emboscadas e lutas corpo a corpo, uso de espadas, flechas, lanças e outras armas mais criativas (não vou estragar a surpresa). Tão deslumbrante quanto a violência coreografada é a maneira como a editora Zhou Xiaolin ordena as cenas, intercalando a duelos bem próximos e planos gerais, aumentando nossas expectativas e nossa aflição sobre o destino dos personagens. Enfim: eis um banquete visual que merece ser apreciado na maior tela possível.