Bateu uma nostalgia ao ver Jodie Foster e Anthony Hopkins nas telinhas da cerimônia virtual do Globo de Ouro, no domingo passado — ela venceu como atriz coadjuvante por The Mauritanian, ele concorria à melhor ator em filme dramático por Meu Pai. Foi inevitável lembrar de O Silêncio dos Inocentes (The Silence of the Lambs, 1991), do cineasta Jonathan Demme (1944-2017).
A dupla até comemorou, em uma live realizada em janeiro, os 30 anos da última das únicas três obras na história do Oscar que conquistaram as cinco principais estatuetas: melhor filme, diretor (Demme), ator (Hopkins), atriz (Foster) e roteiro (no caso, adaptado por Ted Tally a partir do romance policial de Thomas Harris). (As outras duas foram Aconteceu Naquela Noite, de 1934, e Um Estranho no Ninho, de 1975.)
Disponível no canal MGM do Amazon Prime Video, no Google Play e no YouTube, O Silêncio dos Inocentes narra a insólita e perigosa parceria que se forma entre uma jovem e talentosa agente do FBI (a polícia federal dos EUA), Clarice Starling, e um psiquiatra psicopata, o doutor Hannibal Lecter. A ambiciosa policial terá de contar com ajuda do brilhante canibal para capturar outro assassino serial.
Embora Hannibal já tivesse dado as caras (ou os dentes?) em um filme de 1986, Caçador de Assassinos (Manhunter, com Brian Cox no papel), foi O Silêncio dos Inocentes que sedimentou o personagem na cultura pop (além de abrir caminho para outros serial killers, como o de Seven: Os Sete Crimes Capitais, de 1995). Na pele de Anthony Hopkins, Lecter apareceria depois em Hannibal (2001), mas com Julianne Moore substituindo Jodie Foster, e em Dragão Vermelho (2002).
Hannibal: A Origem do Mal (2007), como o título indica, se debruça sobre o seu passado mais remoto. Já o seriado Hannibal (2013-2015) explora o início do relacionamento do psiquiatra (vivido por Mads Mikkelsen) com o investigador Will Graham (Hugh Dancy).
Uma coisa levou à outra: depois de relembrar Hopkins sussurrando "Clarice...", me flagrei pensando nos demais títulos daquele glorioso ano de 1991. É possível que minha memória afetiva tenha sido muito influenciada por aquela ter sido a temporada em que fiz 18 anos. Mas consegui listar abaixo 30 filmes que merecem o adjetivo inesquecível. (Sobre eventuais faltas que vocês sentirem, reforço que listas nunca são completas, confesso que não morro de amores por Hook: A Volta do Capitão Gancho, Meu Primeiro Amor e Tomates Verdes Fritos e dou menção honrosa ao documentário Francis Ford Coppola: O Apocalipse de um Cineasta, sobre as turbulentas filmagens de Apocalypse Now, de 1979).
A ordem é puramente alfabética. Uma pena que muitos não estão disponíveis em plataformas de streaming, que só parecem ter olhos para a produção do século 21.
Os Amantes da Pont-Neuf: na ponte mais antiga de Paris sobre o Rio Sena (recriada em estúdio ao custo de uma fortuna), o diretor Leos Carax encena com melancolia e lirismo o romance entre um bêbado em situação de rua (Denis Lavant) e uma jovem artista que está ficando cega (Juliette Binoche).
Barton Fink: Delírios de Hollywood: em 1941, um dramaturgo de Nova York (John Turturro) aceita uma proposta para escrever roteiros de cinema em Los Angeles, onde é atormentado por uma série de eventos bizarros. O filme dos irmãos Joel e Ethan Coen ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, além dos troféus de melhor diretor (Joel) e de melhor ator (Turturro). (Telecine, Google Play e YouTube)
A Bela e a Fera: sim, já fazem 30 anos do longa de animação da Disney dirigido por Gary Trousdale e Kirk Wise, o primeiro na história a concorrer ao Oscar de melhor filme (levou os de trilha sonora e canção original) e o primeiro do estúdio a virar musical da Broadway. (Disney+)
A Bela Intrigante: o diretor francês Jacques Rivette juntou uma narrativa curta de Balzac, três contos de Henry James, o tema da pintura, a música de Stravinsky e a atriz Emmanuelle Beárt — nua a maior parte do tempo neste filme de quase quatro horas (são 236 minutos) sobre o sofrimento e a redenção da criação artística. Ganhou o prêmio especial do júri no Festival de Cannes.
Cabo do Medo: Martin Scorsese assina esta incandescente refilmagem de um clássico de 1962 — os atores Gregory Peck, Robert Mitchum e Martin Balsam estão presentes nas duas versões, e Elmer Bernstein foi brilhante na reformulação da trilha sonora composta pelo lendário Bernard Herrmann. Indicado ao Oscar de melhor ator, Robert de Niro apavora como Max Cady, o psicopata estuprador que, ao sair da cadeia, busca vingança contra seu advogado de defesa (Nick Nolte). Juliette Lewis disputou a estatueta dourada de atriz coadjuvante, e o elenco ainda conta com Jessica Lange. (Google Play e YouTube)
Caçadores de Emoção: icônico, o filme de ação trazia Keanu Reeves no papel de um policial que se infiltra na gangue liderada pelo carismático Bodhi, um sujeito viciado em adrenalina e encarnado por um Patrick Swayze no auge. Quase duas décadas depois, a diretora Kathryn Bigelow seria a primeira mulher a vencer o Oscar da categoria, por Guerra ao Terror (2010). (Amazon Prime Video)
The Commitments: já famoso pelos musicais Bugsy Malone — Quando as Metralhadoras Cospem (1976), Fama (1980) e Pink Floyd: The Wall (1986), o cineasta inglês Alan Parker (1944-2020) voltou ao gênero para contar a história de uma banda formada por músicos inexperientes e um cantor egocêntrico. A trilha sonora com clássicos dos anos 1960, como Try a Little Tenderness (Otis Reeding), Take me to the River (Al Green) e Mustang Sally (Wilson Pickett), inspirou o surgimento de grupos como o The Hard Working Band, aqui de Porto Alegre.
Delicatessen: no seu primeiro longa-metragem (uma mistura de comédia macabra e suspense policial em um mundo pós-apocalipse), os diretores franceses Marc Caro e Jean-Pierre Jeunet ensaiam as experimentações estilísticas e visuais que 10 anos depois culminaram em O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001).
De Salto Alto: a cantora Becky (Marisa Paredes) abandonou a filha, Rebeca, por causa da carreira. Quinze anos depois, ela tenta se reconectar com a jovem, mas descobre que ela está casada com seu antigo amante. Estrelado por Marisa Paredes, Victoria Abril e Miguel Bosé, mesclando comédia, melodrama e crime, é um típico filme do espanhol Pedro Almodóvar. (Telecine)
Os Donos da Rua: revelou ou deu impulso à carreira de vários talentos, como Cuba Gooding Jr, Angela Bassett, Laurence Fishburne e Regina King, e fez o diretor John Singleton (1968-2019) quebrar duas marcas no Oscar — tornou-se o primeiro negro indicado ao prêmio da categoria e destronou Orson Welles do posto de mais jovem concorrente. O cineasta de Cidadão Kane (1941) tinha 29 anos, e Singleton, 24. (Netflix)
A Dupla Vida de Veronique: Irène Jacob recebeu a Palma de Ouro de melhor atriz no Festival de Cannes por interpretar a polonesa Weronika e a francesa Veronique, que não se conhecem mas têm uma profunda relação de sincronicidade. A direção é do polonês Krzysztof Kieslowski (1941-1996), um dos maiores cineastas de todos os tempos, que já havia nos presenteado com o Decálogo (1988) e depois nos brindaria com a Trilogia das Cores (1993-1994). (Telecine, Google Play e YouTube)
Europa: logo após a Segunda Guerra Mundial, um jovem americano (Jean-Marc Barr) chega à Alemanha com a intenção de ajudar a reconstruir um país arruinado material e psicologicamente. Narrado por Max von Sydow e estrelado ainda por Barbara Sukowa e Udo Kier (de Bacurau), foi o primeiro grande filme do cineasta dinamarquês Lars von Trier — conquistou, no Festival de Cannes, o prêmio do júri e um troféu pela contribuição técnica.
O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final: Arnold Schwarzenegger reinventa um de seus mais marcantes personagens — agora, o T-800 é um dos mocinhos, vindo do amanhã para proteger o filho de Sarah Connor (Linda Hamilton, uma precursora da Charlize Theron heroína de ação). Dirigido por James Cameron, o filme faturou quatro Oscar técnicos, incluindo os de maquiagem e efeitos visuais, que ainda hoje impressionam. (Amazon Prime Video, Telecine, Google Play e YouTube)
A Família Addams: nascidos nas tiras de quadrinhos da década de 1930 e astros de um seriado da TV norte-americana entre 1964 e 1966, Gomez, Mortícia, Wandinha, Feioso, Tio Funéreo e Mãozinha, entre outros personagens, contribuíram para o firmamento de monstros e tipos macabros no imaginário infantil. Este filme dirigido por Barry Sonnenfeld tem interpretações deliciosas de Raul Julia, Anjelica Huston e Christina Ricci e mereceu uma continuação em 1993. (Amazon Prime Video)
Febre da Selva: Spike Lee se debruça sobre as tensões raciais decorrentes do romance extraconjugal entre um arquiteto negro bem-sucedido (Wesley Snipes) e sua secretária (Annabella Sciorra), branca e de origem italiana. Samuel L. Jackson foi escolhido o melhor ator coadjuvante no Festival de Cannes por encarnar Gator Purify, o filho viciado em drogas de um pastor. Os dois personagens estrelam um dos momentos mais devastadores da trama.
Garotos de Programa: Keanu Reeves e River Phoenix são dois jovens que vivem no meio da prostituição e das drogas neste filme de Gus van Sant. Phoenix, morto em 1993, aos 23 anos, ganhou a Copa Volpi de melhor ator no Festival de Veneza e o troféu do Independent Spirit Awards. (Google Play e YouTube)
A Grande Arte: o romance policial homônimo do escritor Rubem Fonseca (1925-2020) serviu de base para o longa-metragem de estreia do diretor Walter Salles, futuro realizador de Central do Brasil (1998) e Diários de Motocicleta (2004). No filme, um fotógrafo dos EUA, Peter Mandrake (interpretado por Peter Coyote), alia-se a um perito em facas (o francês Tcheky Karyo) para caçar, no submundo carioca e no deserto boliviano, o serial killer que matou uma prostituta amiga (Giulia Gam) e estuprou sua namorada. O premiadíssimo Raul Cortez (1932-2006) faz o empresário Lima Prado.
Homicídio: detetive judeu (Joe Mantegna) é contratado para investigar o assassinato de uma idosa em um bairro negro. O diretor e roteirista David Mamet era um dos meus preferidos na época — são dele Jogo de Emoções (1987), As Coisas Mudam (1988) e Oleanna (1994).
JFK: A Pergunta que Não Quer Calar: no auge da carreira, depois dos Oscar de diretor por Platoon (1986) e Nascido em 4 de Julho (1989), Oliver Stone convoca um astro do momento — Kevin Costner — para investigar teorias conspiratórias sobre o enigmático e traumático assassinato do presidente norte-americano John F. Kennedy, em 1963. Tommy Lee Jones, para variar, rouba a cena. (Amazon Prime Video)
Lanternas Vermelhas: o drama ambientado na China dos anos 1920 sobre uma jovem (Gong Li) forçada, por motivos econômicos, a casar com um homem mais velho valeu ao diretor Zhang Yimou o Leão de Prata no Festival de Veneza e concorreu ao Oscar de melhor filme internacional.
Mediterrâneo: vencedora do Oscar de melhor filme internacional, a comédia dramática de Gabriele Salvatores acompanha as desventuras de um grupo de soldados italianos que se isolam em uma ilha grega durante a Segunda Guerra Mundial.
O Pescador de Ilusões: depois de ter induzido uma tragédia, astro do rádio de Nova York (Jeff Bridges) cai no alcoolismo e na rua, onde conhece um ex-professor de história medieval (Robin Williams) que agora é um mendigo vivendo num mundo imaginário. O filme valeu a Mercedes Ruehl o Oscar de atriz coadjuvante e ao diretor Terry Gilliam o Leão de Prata no Festival de Veneza. (Google Play e YouTube)
À Procura do Destino: nos tempos em que era um cineasta muito relevante — vide Mona Lisa (1986), Traídos pelo Desejo (1992), Fim de Caso (1999) —, o irlandês Neil Jordan assinou este filme sobre a perturbadora relação entre um adolescente, filho de um músico alcoolista, e uma mulher mais velha recém-chegada a uma cidadezinha litorânea.
Rush: Uma Viagem ao Inferno: a norte-americana Lili Fini Zanuck dirige Jason Patric e Jennifer Jason Leigh neste doloroso filme sobre dois policiais da divisão de narcóticos que acabam se tornando amantes e viciados em drogas. A tristeza da trama tem uma música à altura: está na trilha, composta por Eric Clapton e Will Jennings, a canção Tears in Heaven, que o cantor e guitarrista inglês fez sobre a morte de seu filho de quatro anos, Conor.
Thelma & Louise: Geena Davis e Susan Sarandon embarcam em uma jornada de emancipação feminina e de reação à violência masculina. Dirigido por Ridley Scott, ganhou o Oscar de melhor roteiro e deu holofote a Brad Pitt.
Top Gang: Ases Muito Loucos: não sei se resistiu ao tempo, mas gargalhei horrores com esta paródia dirigida por Jim Abrahams e estrelada por Charlie Sheen e Valeria Golino a Top Gun: Ases Indomáveis, 9 1/2 Semanas de Amor, Dança com Lobos, Susie e os Baker Boys, Maratona da Morte, Rocky...
Um Homem com Duas Vidas: o filme que eu persigo para rever. O protagonista é um idoso que, em uma mistura de memória e fantasia, arquiteta um plano de vingança contra o sujeito nascido no mesmo dia que teria roubado sua vida. A direção é do belga Jaco van Dormael, que depois faria O Oitavo Dia (1996) e Sr. Ninguém (2009).
Uma Noite Sobre a Terra: papa do cinema independente norte-americano, Jim Jarmusch escreveu e dirigiu esta comédia dramática com cinco histórias curtas que se desenrolam dentro de um táxi em cinco cidades: Los Angeles, Nova York, Paris, Roma e Helsinki. O elenco é uma seleção mundial: a francesa Béatrice Dalle, o italiano Roberto Benigni, as norte-americanas Gena Rowlands e Winona Ryder, o alemão Armin Mueller-Stahl e o marfinense Isaach de Bankolé.
Urga: Uma Paixão no Fim do Mundo: com belíssimas imagens captadas nas vastas estepes da Mongólia, o russo Nikita Mikhalkov retratou as fronteiras culturais e disputou o Oscar e o Globo de Ouro de melhor filme internacional.
Voltar a Morrer: uma mistura de noir e espiritismo que eu vi no saudoso Cine Avenida, em Porto Alegre, dirigida e estrelada por Kenneth Branagh. No elenco, Emma Thompson, Andy Garcia e Robin Williams. (Amazon Prime Video)