Ticiano Osório

Ticiano Osório

Jornalista formado pela UFRGS, trabalha desde 1995 no Grupo RBS. Atualmente, é editor em Zero Hora e escreve sobre cinema e seriados em GZH e no caderno ZH2.

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O filme que começa como comédia, vira policial e termina com uma denúncia

Documentário chileno "Agente Duplo" está entre os semifinalistas de duas categorias do Oscar

Ticiano Osório

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Globoplay / Divulgação
O detetive Romulo (de pé) e o octogenário Sergio, o "Agente Duplo" do título do documentário da chilena Maite Alberdi

Seria um feito admirável para o cinema da América do Sul: com Agente Duplo (El Agente Topo, 2020), que está em cartaz no Globoplay, o Chile pode ter seu terceiro representante no Oscar em menos de 10 anos. E talvez, para fazer jus ao nome, de forma dupla!

Em 2013, No, obra de Pablo Larraín sobre o plebiscito de 1988 que decidiria a permanência ou não do general Augusto Pinochet (1915-2006) na presidência, concorreu à estatueta de melhor filme internacional.

Em 2016, Uma Mulher Fantástica, drama de Sebastián Lelio sobre uma cantora e garçonete transgênero, faturou o Oscar da categoria.

Agora, Agente Duplo, de Maite Alberdi, figura na lista de 15 semifinalistas dos prêmios de documentário e de melhor filme internacional (pelo menos oito docs podem ser vistos no Brasil). Os cinco indicados das duas categorias serão anunciados em 15 de março. Se emplacar a dupla indicação, a produção chilena repetirá o feito de Honeyland, da Macedônia do Norte, no Oscar de 2020.

Nesse intervalo de tempo, para comparar, o Brasil foi duas vezes à festa da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood: em 2016, com o longa de animação O Menino e o Mundo, e no ano passado, com o documentário Democracia em Vertigem. A Argentina, que tem duas taças no armário (por A História Oficial e por O Segredo dos Seus Olhos), apenas uma, com Relatos Selvagens (2014), assim como a Colômbia, com O Abraço da  Serpente (2015).

Globoplay / Divulgação
Sergio entre Berta e Marta em cena de "Agente Duplo": um espião afetuoso e comunicativo

Agente Duplo faz por merecer a rara convergência entre crítica e público no Rotten Tomatoes, têm, respectivamente, 94% e 95% de aprovação. O filme surpreende ao começar como comédia, tornar-se uma trama detetivesca e terminar com uma espécie de denúncia.

Na abertura, Romulo Aitken, dono de uma agência de detetives, resolve fazer uma seleção para encontrar o agente duplo do título. Ele precisa infiltrar um idoso em um lar geriátrico, a fim de comprovar (ou não) a suspeita da contratante: ela acha que a mãe está sendo vítima de negligência e de maus-tratos.

A montagem, ágil, destaca a inaptidão da maioria dos candidatos ao emprego temporário (serão três meses), principalmente em relação ao uso da tecnologia desde uma chamada de vídeo via Facebook até uma caneta com câmera escondida. Desse prólogo cômico, emerge o viúvo Sergio Chamy, 80 e poucos anos, com filhos e netos. Ele aceita a missão porque, como diz à filha, pode ser "mentalmente cansativo, mas libertador": tudo em sua casa faz pensar na esposa falecida, mas agora que está treinando para ser espião, volta do habitual passeio e já vai "direto pra cama".

Ao ingressar na instituição, Sergio primeiro terá de reconhecer o chamado alvo, de quem só viu uma ou duas fotos. Ele tem de fazer observações e passar relatórios para Romulo podemos acompanhar os bastidores de seu trabalho porque, previamente, a equipe de produção do filme havia acertado a gravação de um documentário no local. Sua investigação vai gradualmente perdendo os contornos humorísticos para revelar uma série de histórias tristes. Não é que as velhinhas (há pouquíssimos homens) estejam descuidadas elas foram é abandonadas pelas famílias. Isso choca (e talvez no íntimo assuste) o protagonista, acostumado ao convívio com seus descendentes.

Afetuoso e comunicativo, Sergio acaba dando novo sentido ao Agente Duplo do título. Passa a ser menos um falso interno e mais um amigo real de pessoas que nunca recebem uma visita. Pessoas que, de tão isoladas do mundo, criaram o seu próprio vide Marta, que conversa ao telefone com uma enfermeira acreditando que ela é sua mãe, já falecida. Pessoas que ficam horas diante do portão, à espera de alguém que as levem para casa. Pessoas que já nem lembram do rosto dos filhos e dos netos, só vistos em fotografias que o espião contrabandeia para dentro do asilo.

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