Fico vidrado, confesso, pelas séries documentais da Netflix sobre crimes chocantes, como Night Stalker: Tortura e Terror, que estreou em janeiro, e Cena do Crime: Mistério e Morte no Hotel Cecil, em cartaz a partir de 10 de fevereiro.
A exemplo das bruxas e dos monstros dos contos de fada, assassinos e estupradores estão ali para nos alertarem de que o mal existe. O suspense empregado por esse tipo de documentário também exerce fascínio, assim como as dúvidas e as contradições surgidas durante as investigações. Não raro, podemos nos flagrar pensando: será que fulano é mesmo culpado? Em outras vezes, podemos nos flagrar desejando punições terríveis.
Aqui estão 11 filmes e minisséries recentes que recomendo (clique nos links para saber mais sobre os títulos).
Atleta A
Cotado ao Oscar da categoria, o documentário dos diretores Bonni Cohen e Jon Shenk recupera a trajetória de ginastas americanas que foram vítimas de abuso sexual por um médico da seleção nacional, Larry Nassar. Os depoimentos de atletas e ex-atletas, incluindo uma medalhista olímpica, são intercalados com os dos repórteres que publicaram as primeiras denúncias. Entre uma coisa e outra, Atleta A explica como a ginástica artística tornou-se um ambiente propício para predadores sexuais e critica a cultura americana do sucesso a qualquer preço.
Bandidos na TV
Nos sete episódios dessa atração de 2019, o diretor britânico-paraguaio Daniel Bogado conta a história do apresentador de TV Wallace Souza, que se elegeu três vezes deputado estadual no Amazonas, em 1998, em 2002 e em 2006, graças a sua suposta luta contra o tráfico de drogas, carro-chefe de um programa sensacionalista e sangrento, o Canal Livre. Suposta porque, segundo um delator, Wallace comandava uma organização criminosa — a suspeita é de que ele próprio planejava os homicídios que alavancavam a audiência do programa. Bandidos na TV mostra a comoção causada junto à mídia e à opinião pública (dividida quanto à culpabilidade dos acusados), a sucessão de viradas na trama, as desconcertantes contradições dos principais personagens e as ramificações que acabam por pintar um retrato do país.
O Caso Gabriel Fernandez
O documentário em seis episódios de Brian Knappenberger reconstitui a tortura e o assassinato de um menino de oito anos por sua mãe e o namorado dela, na Califórnia. Admito que, quando comecei a ver, fiquei na dúvida se continuava. Como podem fazer tanto mal a uma criança? Parte de mim queria parar, desligar e correr para minhas filhas. Mas outra parte quis seguir até o fim, ver um pouco de justiça sendo feita no tribunal. Não só para os torturadores e assassinos. Torci para que viesse o castigo também para quem sabia e não fez nada — os assistentes sociais que acabaram denunciados por negligência ou falsificação de documentos.
Cenas de um Homicídio: Uma Família Vizinha
O documentário dirigido por Jenny Popplewell trata de Christopher Watts, um americano que, até 13 de agosto de 2018, parecia levar uma vida feliz ao lado das duas filhas pequenas e da esposa grávida. Mas daí algo acontece. Toda a história é contada por meio de vídeos e mensagens postados por Shanann, a esposa, imagens coletadas pela polícia durante a investigação e entrevistas concedidas por Chris, vizinhos e parentes. Mesmo intuindo, desde o início, o que aconteceu naquele dia, é chocante quando a verdade vem à tona.
Don't F** ck with Cats: Uma Caçada Online
Com três episódios, a minissérie dirigida por Mark Lewis reconta a história de um sujeito que, em 2010, chocou as redes sociais ao postar vídeos em que aparece assassinando filhotes de gato. Isso acabou unindo pessoas de diferentes lugares, que formaram um time virtual de investigação.
O documentário é imperdível por três fatores. Primeiro porque reflete sobre a tal da indignação seletiva: gatinhos, ao que parece, podem comover mais do que humanos. Segundo porque retrata bem a fome de fama instantânea, que leva algumas pessoas a escolher como porta de entrada a bizarrice ou mesmo a perversidade — o criminoso em questão não parou só nos gatinhos. E terceiro porque mostra como, hoje em dia, tudo o que fazemos deixa rastros digitais, deixa pegadas que podem ser seguidas mesmo que por detetives amadores, como os dois principais narradores da série.
O Estripador
Esta minissérie em quatro episódios é sobre o maior serial killer do Reino Unido, que só matava mulheres e tinha o apelido de O Estripador (The Ripper). Mas não se trata do célebre Jack, que cometeu pelo menos cinco assassinatos na Londres de 1888. O facínora em questão ceifou 13 vidas entre 1975 e 1980, no norte da Inglaterra, sobretudo nas cidades de Leeds, Manchester e Bradford. E ao contrário do serial killer vitoriano, que nunca foi capturado nem teve sua identidade descoberta, o Estripador de Yorkshire foi preso e inclusive morreu na cadeia — em novembro passado, em uma sexta-feira 13, vítima de covid-19. A direção é de Jesse Vile e Ellena Wood.
Jeffrey Epstein: Poder e Perversão
Dirigidos por Lisa Bryant, os quatro episódios começam sempre avisando: "Esta série contém descrições explícitas de abuso sexual de menores que podem incomodar alguns telespectadores". Incomodar é pouco: causam revolta e repulsa. Epstein foi um bilionário investidor americano que usou seu dinheiro para o crime. Era um predador pedófilo, que empregou seu poder e sua influência para atrair garotas adolescentes. Esse mesmo poder e essa mesma influência o ajudaram a esconder durante anos esses crimes. Ora pagando advogados espertos, ora recebendo apoio de empresários e políticos, ora contando com o silêncio e o descrédito das vítimas na nossa triste cultura do machismo.
Os Mais Procurados do Mundo
Em cinco episódios, com diferentes diretores, a série reconstitui a caçada da polícia e da Justiça a um chefão do tráfico mexicano, a um genocida africano, a uma terrorista britânica e a dois mafiosos — um ucraniano que opera sobretudo na Rússia e aquele que é tido como o último capo da Cosa Nostra, na Itália. Os perfis apresentados são variados, mas, para além da periculosidade e da perversidade, quase todos os criminosos compartilham de uma característica: a discrição, o que os torna verdadeiros fantasmas, difíceis de serem vistos e pegos.
Night Stalker: Tortura e Terror
O chamado Perseguidor Noturno foi um assassino e estuprador que aterrorizou a região metropolitana de Los Angeles e a área da baía de São Francisco, na Califórnia, entre 1984 e 1985. A despeito de uma fetichização da violência (prepare-se para ver fotos de corpos e muito sangue, além de cenas em câmera lenta nas reconstituições), a série de quatro episódios dirigida por Tiller Russell e James Carroll não glamoriza o serial killer. Dá voz às vítimas, à imprensa e aos detetives Frank Salerno e Gil Carrillo, que conduziram as investigações sobre um vilão que não tinha um método — qualquer um poderia ser um alvo, inclusive crianças e idosas, qualquer casa poderia ser invadida. O último capítulo toca num detalhe apavorante: as fotos sensuais e as cartas de amor enviadas por fãs do Night Stalker.
Quarto 2806: A Acusação
Assinada por Jalil Lespert, é uma minissérie que investiga o escândalo sexual que, em 2011, derrubou o então diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI) e favorito nas pesquisas para derrotar o presidente da França, Nicolas Sarkozy, nas eleições daquele ano. Dominique Strauss-Kahn, hoje com 71 anos, foi acusado de violentar a camareira Nafissatou Diallo no hotel Sofitel, em Nova York. O documentário não toma partido e procura ouvir os dois lados. E o primeiro capítulo dá mostras do quão complexo é o caso e suas ramificações, e do quão intrigante é o seu principal personagem: o quarto 2806 foi apenas a porta de entrada para um mundo em segredo.
Quem Matou Maria Marta?
Com direção de Alejandro Hartmann, a minissérie em quatro episódios reconstitui um dos casos mais rumorosos da crônica policial argentina. Quanto menos você souber, melhor. Mas o próprio título já é um spoiler, pois quando o documentário começa, o viúvo, o ex-investidor da bolsa de valores Carlos Carrascosa, hoje com 75 anos, familiares e amigos de María Marta García Belsunce narram a primeira versão da morte da socióloga argentina: a de que ela havia sofrido uma espécie de acidente doméstico em 27 de outubro de 2002, aos 50 anos. Só que não.