A série documental Os Mais Procurados do Mundo, na Netflix, é uma combinação de grandes virtudes (aquelas exibidas por seus realizadores) e graves pecados – aqueles cometidos pelos criminosos retratados, mas não só por eles. Os cinco episódios, cada um com 45, 50 minutos de duração, reconstituem a caçada a um chefão do tráfico de drogas mexicano, a um genocida africano, a uma terrorista britânica e a dois mafiosos – um da Rússia e o outro da Itália.
O perfil variado dos personagens é o primeiro acerto: não há a sensação de estarmos vendo sempre a mesma história. Sim, há dois mafiosos, só que muito distintos. Após as mortes de Salvatore Riina (1930-2017) e de Bernardo Provenzano (1933-2016), o italiano Matteo Messina Denaro, 58 anos, é considerado o último capo da Cosa Nostra, a famigerada organização criminosa que espalha seus tentáculos a partir da ilha da Sicília. Está foragido desde 1993 – um ano antes, participou dos assassinatos de Giovane Falconi e Paolo Borsellino, juízes que eram símbolos da luta contra a máfia.
Já Semion Mogilevich, 74 anos, é um ucraniano tido como imperador do crime na Rússia. O FBI, a polícia federal americana, o acusa de fraudes empresariais e lavagem de dinheiro, por exemplo, mas ele também está envolvido em tráfico de armas e de entorpecentes, prostituição e homicídios por encomenda. Mogilevich teria conexões com o presidente Vladimir Putin e com o ex-prefeito de Moscou, Yuri Luzhkov – relações que podem estar ligadas à morte por envenenamento do ex-espião russo Alexander Litvinenko, em 2006, em Londres.
Como já deu para perceber, Os Mais Procurados do Mundo lida com currículos aterrorizantes. Talvez o mais cruel seja o de Félicien Kabuga, 83 anos, apontado como ideólogo e financiador do genocídio em Ruanda, em 1994. Ao longo de três meses, cerca de 800 mil pessoas – sobretudo tutsis, a minoria étnica no país africano – foram assassinadas por militares e milicianos. Kabuga insuflou o ódio dos hutus, em maioria na população, por meio da estação de rádio da qual era dono, e pagou a importação de facões.
Completam a lista o mexicano Ismael Zambada García, 72 anos, El Mayo, que, após a prisão de El Chapo, tornou-se o solitário líder do Cartel de Sinaloa, por quem os Estados Unidos oferece uma recompensa de US$ 5 milhões; e a britânica Samantha Lewthwaite, 36 anos, a chamada Viúva Branca, suspeita, entre outras ações terroristas, de ser uma das artífices do atentado suicida cometido por seu marido no metrô de Londres, em 2005, que deixou 26 mortos. O status das caçadas parece o mais atualizado possível – há eventos de maio de 2020 documentados pela série.
Cada episódio tem um diretor, mas a edição é sempre capitaneada por Manuel Guillon, o que confere uma unidade estética e processual. O programa intercala imagens de arquivo – como a do comovente e corajoso desabafo de uma viúva italiana no velório de uma vítima da Cosa Nostra, ou as do ataque de atiradores em um shopping do Quênia –, belas cenas aéreas ou cotidianas das cidades destacadas e entrevistas, muitas entrevistas. Há depoimentos de juízes, promotores, policiais, repórteres investigativos, sobreviventes, soldados do tráfico, ex-mafiosos...
Esse conjunto de informações e lembranças ajuda a traçar pontos em comum que justificam, para El Mayo, Kabuga, Samantha, Mogilevich e Messina Denaro a alcunha que batiza o programa. Não são apenas a periculosidade e a perversidade que os unem. Também são os mais procurados do mundo porque são muito difíceis de serem encontrados ou pegos. São como fantasmas, que exercem um terror real mas se revelam intangíveis e intocáveis. Em parte por terem costas quentes, em parte à base da intimidação, em parte por vacilo das autoridades.
Mas há outra importante característica compartilhada por quase todos: a discrição. El Mayo é o suprassumo dessa arte. Circula em carros econômicos, raramente se deixou fotografar, não fala ao telefone e, em uma reunião do cartel, quando quer dar uma ordem, chama a pessoa para fora do ambiente e diz só para ela, provavelmente em um sussurro.