O envenenamento é, por excelência, o método do Kremlin para eliminar inimigos. Inclusive além das fronteiras da Rússia, como confirma o caso do ex-coronel do serviço de inteligência russo Sergei Skripal, que traiu dezenas de colegas a favor dos britânicos. Era agente duplo. No domingo, ele e a filha, Yulia, foram encontrados inconscientes em um banco do lado de fora de um shopping de Salisbury, no Reino Unido. Nesta quarta-feira, a polícia informou que possivelmente os dois foram intoxicados por uma substância capaz de atingir o sistema nervoso.
A estratégia, que parece saída dos filmes de 007, sobreviveu à Guerra Fria e ainda hoje funciona para punir traidores, como Skripal, ou, principalmente, calar opositores. Enquanto pai e filha se recuperam em um hospital britânico, na Rússia o principal assunto que antecede a eleição do dia 18, em que Vladimir Putin deve ser reeleito, é o suposto envenenamento de Vladimir Kara-Murza, em coma desde a semana passada.
Correligionário do opositor Boris Nemtsov, político liberal assassinado em 2015, Kara-Murza vive uma espécie de dejà vu. Também em 2015, o político foi internado após ingerir dois remédios totalmente incompatíveis, segundo os médicos que o atenderam. O próprio Kara-Murza, de 35 anos e que desde então caminha com a ajuda de uma bengala, acredita ter sido vítima de envenenamento por conta de sua oposição a Putin.
Outro caso famoso é o do ex-espião Alexander Litvinenko, que morreu em 2006 exilado em Londres ao ser envenenado com a substância radioativa polônio-210. A suspeita é de que o Kremlin ordenou o assassinato porque ele havia acusado os serviços secretos russos de causar explosões de prédios em 1999 para catapultar a candidatura de Putin.
Além de punir traidores ou calar a oposição, há ainda um terceiro objetivo: guiar os rumos de nações na antiga zona soviética. Em outras palavras, manter sob sua influência. Em 2004, na Ucrânia, o herói da Revolução Laranja, Viktor Yushchenko, ficou gravemente doente em plena campanha pela presidência. Médicos austríacos identificaram envenenamento por dioxina. Ele era o favorito sobre o candidato aliado da Rússia. Yushchenko venceu a eleição, mas seu rosto ainda traz os rastros da doença.
O envenenamento também é a arma de outros países. Nem sempre com os russos envolvidos.
-Em 2017, Kim Jong-nam, meio-irmão do ditador norte-coreano, Kim Jong-un, foi agredido com um agente neurotóxico no aeroporto de Kuala Lumpur. Morreu após agonizar por 20 minutos.
-Em 1997, agentes do Mossad (serviço de inteligência israelense), disfarçados de turistas canadenses em Amã, tentaram assassinar Khaled Meschaal, líder do grupo extremista Hamas, com uma injeção de veneno no pescoço. Ele ficou em coma, mas foi salvo porque o rei Hussein, da Jordânia, exigiu do governo israelense o antídoto em troca da libertação dos dois autores do ataque.
-Em 1978, o escritor dissidente búlgaro Georgi Markov foi agredido enquanto esperava o ônibus em uma ponte de Londres. Um homem injetou uma cápsula envenenada com ricina, por meio de um guarda-chuva. Ele morreu quatro dias depois.
-Até hoje se discute se o líder da Autoridade Nacional Palestina (ANP) Yasser Arafat, morto em 2004, teria também sido vítima de envenenamento. Sua viúva descobriu polônio em seus pertences. Uma investigação foi aberta na França, mas o processo foi arquivado.