O acordo de cessar-fogo entre Israel e o grupo terrorista Hamas, anunciado nesta quarta-feira (15) é o tipo de acerto que rende a todos os envolvidos celebrarem a vitória. Por si só, obviamente, é algo a ser comemorado - afinal, depois de um ano e três meses de uma guerra sangrenta, com vítimas de lado a lado, finalmente, a racionalidade se impôs à mesa de negociações.
Infelizmente, como acordos de outrora, esse não colocará fim à sina de ódio e medos ancestrais que, por vezes, fazem girar a roda da insanidade. Mas, ao que tudo indica, haverá uma pausa.
Quando digo que todos celebram é porque o conflito e os termos do acordo abrem margem para líderes de diferentes matizes ideológicos reivindicarem, para públicos domésticos, a vitória.
Os terroristas do Hamas, por exemplo, dirão a seu público que atingiram os objetivos com os ataques de 7 de outubro de 2023: ao entrarem em Israel exibiram as fragilidades da nação mais protegida do mundo, praticaram o horror contra os judeus, mataram centenas, sequestraram muitos, violentaram todos e, por fim, barganharam a soltura de palestinos presos nas penitenciárias israelenses. Pela sua lógica doentia e nefasta, o crime compensa.
Israel, que sofreu o maior atentado de sua História em 7 de outubro, e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu irão reivindicar que, apesar da dor, das mortes e dos reféns, conseguiram levar a cabo uma operação que enfraqueceu o terrorismo, cortou as cabeças do Hamas e do Hezbollah, colocou de joelhos o Irã, destroçou o arco xiita e, por tabela, destronou o ditador da Síria, Bashar al-Assad.
O Catar, que já foi acusado de Estado apoiador do terrorismo, sai como o grande pacificador, ao ter servido de ponte entre todos os lados.
Joe Biden, a cinco dias de entregar o governo a Donald Trump, tem seu legado salvo pelo gongo: após um início de governo, em 2021, marcado pelo retorno do Talibã ao poder no Afeganistão - e pelas cenas de fuga dos soldados americanos que lembravam o Vietnã -, ele consegue passar à História como o presidente americano que colocou Israel e extremistas palestinos a conversar - quase como um Jimmy Carter do século 21, guardadas as proporções.
Sobrou até para Donald Trump comemorar: seu enviado especial para o Oriente Médio, o pouco experiente Steve Witkoff, participou ativamente das negociações ao lado de emissários do presidente Biden.
Muita gente morreu nesse período de guerra. Há choro e ranger de dentes por todos os lados. Alguns dos reféns israelenses voltarão, de Gaza, dentro de caixões. Na estreita faixa de terra espremida contra o Mar Mediterrâneo, além dos mortos, a infraestrutura de Gaza que está destruída. As desconfianças não acabam com o acordo. Nem o terrorismo, embora golpeado, termina. Mas, por alguns meses, a região e o mundo respirarão, com pesar, aliviados.