A Itália que emerge da eleição de domingo é um microcosmos da Europa como um todo, com dilemas que o continente enfrenta desde o fim do sonho da integração. Em meio a mares turbulentos e cenário de incertezas, há quem julgue melhor agarrar-se ao conhecido. Neste caso, a tábua de salvação é o dinossauro Silvio Berlusconi. Imortal, Il Cavaliere é capaz de descer às catacumbas da política e voltar sorridente, midiático, como se nada tivesse acontecido – uma espécie de Donald Trump dos anos 1990, quando entretenimento e política começavam a namorar. Mesmo quando se pensava que a condenação por corrupção que o mantém inelegível até 2019 o afastaria do cenário, ele aparece, rouba cena e, ainda que não possa ser primeiro-ministro, indicará o ungido ao cargo, se a coalizão de centro-direita for confirmada como vencedora: Antonio Tajani, presidente atual do Parlamento Europeu.
A Itália é também espelho da Europa cética, cansada do sonho que, para muitos, não deu certo de integração econômica e política. São aqueles que escolheram o Brexit ou que, em efeito de retorno à tribo, aos nacionalismos da vez e ao populismo do século 21, apostaram na aventura do separatismo catalão. Esses italianos votaram no movimento 5 Estrelas e contribuíram para fazer dele o mais forte partido político da Itália, sozinhos com mais de 32% dos votos. Para efeito de comparação, a centro-direita de Berlusconi fez cerca de 37%. Mas precisou unir quatro legendas para chegar a esse percentual.
Como nenhum partido poderá governar sem uma coalizão – para tanto, seria necessário fazer pelo menos 40% dos votos –, o imbróglio está feito. E, até nisso, a Itália reflete os descaminhos da Europa. Os eleitores mostraram apoio majoritário a partidos eurocéticos, como a Liga e o Movimento 5 Estrelas. Ou seja, apoio explícito a quem prega o anti-establishment, o fim dos políticos tradicionais e, de certa forma, a extrema-direita. A Liga (antiga Liga Norte), nos anos 1990, surgiu como grupamento xenófobo, pregando o separatismo do Norte rico, cansado de sustentar o Sul mais pobre. Não vencia até agora. O que fez? Abrandou o discurso. É uma versão paz e amor do que foi no passado. Mas, não se engane: ainda que não defenda mais o separatismo, propõe a expulsão de imigrantes. Seu líder, Matteo Salvini, pode ser o primeiro populista de direita radical a governar a Itália desde 1945. Digamos que, para governar, ela decida se unir ao 5 Estrelas, um movimento do populista Beppe Grillo. Seria o pior pesadelo para os amantes do euro. A Itália fora da UE? A hashtag "Itaxit" vitaliza. Sobretudo entre quem está incomodado com a liderança do bloco nas mãos da Alemanha e da França.
Por fim, a eleição reflete também o desencanto com a esquerda, algo que já ficara claro na eleição francesa e no melancólico epílogo do governo François Hollande, o presidente com menor índice de popularidade em final de mandato, ao redor de 20%. O Partido Democrático na Itália fez apenas 22,8% dos votos. A ponto de o ex-primeiro-ministro Matteo Renzi apresentar sua renúncia à direção do partido nesta segunda-feira (5). A Itália que sai do pleito é mais conservadora, xenófoba e populista. Como a Europa.