O filme que a RBS TV exibe no Domingo Maior deste fim de semana é de 2013, mas Em Busca de Justiça (Police Story: Lockdown ou, no original em mandarim, Jing cha gu shi 2013) espelha uma transformação pela qual a indústria do cinema está passando neste momento.
O protagonista do filme que será exibido às 22h50min de domingo (13) é Jackie Chan, hoje com 66 anos. Chinês de Hong Kong, ele fez grande sucesso no Ocidente, atuando nas franquias A Hora do Rush (na companhia do comediante Chris Tucker) e Bater ou Correr (ao lado de Owen Wilson), emprestando a voz ao Mestre Macaco dos longas de animação Kung Fu Panda e estrelando com Jaden Smith o remake de Karate Kid, em 2010. De uns tempos para cá, porém, voltou os olhos para o Oriente.
Como neste Em Busca de Justiça, também conhecido no Brasil por Em Nome da Lei (foi lançado assim em DVD). Com direção de Ding Sheng, esse é o sexto filme da cinessérie Police Story, iniciada em 1985, mas por se tratar do que se convencionou chamar de reboot, um recomeço, o passado não importa. Chan encarna o detetive Zhong Wen, que vai para Wu Bar em busca de sua filha distante, Miao Miao (Jian Tian), agora namorada de um dono de boate (Liu Ye). Em meio à discussão familiar, o policial, sua filha e outras pessoas são tomados como reféns por um homem que quer a libertação de um prisioneiro.
É uma obra com um tom bem menos solar do que as comédias de aventura feitas por Chan em Hollywood. Mesmo que os motivos alegados para filmar mais na China sejam culturais (em entrevistas, ele revela certo desgosto com alguns de seus trabalhos americanos), o movimento do astro reflete um movimento do mercado. O dinheiro está trocando de mãos na indústria cinematográfica.
Com uma população de 1,4 bilhão de pessoas e pujança financeira, a China está prestes a ultrapassar, nas bilheterias, os Estados Unidos (328,2 milhões de habitantes e com uma economia crescendo em ritmo inferior ao dos asiáticos). Em 2019, os chineses arrecadaram US$ 9 bilhões nas salas de cinema, um crescimento de 5%. Os americanos registraram US$ 11 bilhões, mas com uma queda de 4%.
Significativamente, a lista dos 20 filmes com maior faturamento no ano passado inclui quatro títulos chineses. Dois deles ficaram bem perto do top 10: o desenho animado Ne Zha, 12º colocado, com US$ 726,1 milhões, e a ficção científica The Wandering Earth, na 13ª posição, com US$ 699,8 milhões.
A pandemia, que impactou mais os cinemas ocidentais, pode ter acelerado esse processo de sucessão. Atualmente, o campeão mundial de bilheteria é chinês: The Eight Hundred, um drama de guerra assinado por Guan Hu que se passa na Xangai de 1937, durante o segundo conflito militar entre China e Japão.
Está com US$ 461,2 milhões, à frente de Bad Boys para Sempre, que estreou antes de o coronavírus dominar o mundo e volta a reunir os personagens de Will Smith e Martin Lawrence, com US$ 426,5 milhões, e de Tenet, o novo thriller do diretor Christopher Nolan, lançado prematuramente como uma esperança de retomada dos cinemas — os US$ 359 milhões arrecadados mal pagam os custos de produção (US$ 200 milhões) e marketing (estimado em US$ 100 milhões).
Hollywood também se beneficia do mercado chinês. Sozinho, o país corresponde a 22,4% da bilheteria do recordista Vingadores: Ultimato (2019). Lá, o filme da Marvel faturou US$ 629,1 milhões. Nos Estados Unidos, foram US$ 858,3 milhões. Em alguns casos, a balança se inverte: Warcraft (2016), adaptação de um game, fez US$ 47,3 milhões em solo americano e quase cinco vezes mais na China: US$ 225,5 milhões.
Não é à toa que, lá em 2013, a versão de Homem de Ferro 3 exibida na China tinha cenas exclusivas rodadas no país e com a presença da atriz Fan Bingbing.
Não é à toa que, em 2018, o astro dos filmes de ação Dwayne Johnson ambientou em Hong Kong o intenso Arranha-céu, de Rawson Marshall Thurber.
Não é à toa que a Disney, na sua onda de refilmagens realistas dos desenhos animados, estreou recentemente Mulan, sobre uma jovem da China imperial que finge ser homem para lutar na guerra em proteção a seu pai.
Não é à toa que em 2021 a Marvel vai lançar Shang-Chi e a Lenda dos 10 Anéis, o primeiro filme com seu principal herói das artes marciais, interpretado pelo canadense Simu Liu.
O caminho oposto também ocorre. Produtoras chinesas vêm investindo em Hollywood. O gigante do comércio online Alibaba firmou parceria com a Amblin Partners, de Steven Spielberg, para coproduzir filmes. O conglomerado Wanda adquiriu, por US$ 3,5 bilhões, o estúdio Legendary, da trilogia do Batman realizada por Christopher Nolan.
Portanto, não estranhe se, cada vez mais, deparar com ideogramas nos créditos de abertura, personagens chineses nas tramas e cidades como Pequim, Xangai e Hong Kong na cenografia. Este é o cinema de um futuro muito próximo, ainda mais depois que Parasita (2019), da vizinha Coreia do Sul, quebrou uma barreira importante ao se tornar a primeira obra não falada em inglês a ganhar o Oscar de melhor filme.