Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes e indicado a seis Oscar (melhor filme, direção, roteiro original, edição, design de produção e longa internacional), Parasita (Gisaengchung) tornou-se um dos grandes sucessos de crítica na temporada – está com nota 95 no site Metacritic. O público também foi conquistado, tanto é que esta obra da Coreia do Sul, que estreou em novembro no Brasil, segue em cartaz nos cinemas. Se essas credenciais não são suficientes para você ir ao cinema, listo aqui cinco dos motivos que tornam Parasita um dos melhores títulos de 2019 – se não for o melhor.
1) A trama surpreendente
Revelar demais sobre a sinopse de Parasita seria estragar a experiência do espectador. Porque há uma virada de roteiro – um plot twist, como se diz – realmente inesperada, que conduz o filme a caminhos bem distintos daqueles que poderíamos ter vislumbrado.
O que posso dizer, sem avançar no sinal, é que os personagens principais são os Kim, uma família de desempregados em busca de ascensão. Literalmente, afinal, eles moram em uma casa onde quase metade do pé-direito fica abaixo do nível da rua. Volta e meia, sua "vista" é atrapalhada por um bêbado urinando na sarjeta. Os quatro se sustentam à base de bicos, como montar embalagens de pizza, caçam o wi-fi da vizinhança e mal se incomodam quando o inseticida aplicado na calçadas entra pela janela – "Dedetização grátis!", diz o pai. Esse cotidiano começa a mudar quando Ki-woo, o filho, ganha de um amigo a oportunidade de se passar por professor de inglês para a filha adolescente de uma família rica, os Park. Será a porta de entrada para um mundo melhor?
2) A transição de gêneros
Parasita é um filme que, em seu início, parece uma comédia farsesca. Depois, com um misto de fluidez e imprevisibilidade, deriva para o thriller de suspense, para o drama social, para o terror urbano, até que tudo se embaralha. Essa transição entre gêneros e entre tons (da caricatura à gravidade) é uma característica na obra do diretor, Bong Joon-ho, 50 anos. O Hospedeiro (2006), o título que o lançou para o mundo, é uma ficção científica sobre monstros, mas também traz humor ácido e crítica política. Mother – A Busca pela Verdade (2009) imbrica investigação policial e discussão filosófica. Okja (2017) mescla fábula Disney, discurso ambientalista e sátira do capitalismo globalizado ao retratar a relação entre uma criança e um porco geneticamente modificado.
3) A crítica social
Este é o tópico que pode conter SPOILERS. Portanto, leia por conta e risco ou pule para o próximo. Seguimos? Ok. Em um mundo onde os 26 mais ricos somam o mesmo patrimônio dos 3,8 bilhões mais pobres, Parasita não tem pudor em apontar para quem devemos estender nossa empatia. Sim, os protagonistas são trambiqueiros e tomam algumas atitudes drásticas que acabam voltando-se contra eles. Mas pai, mãe, filho e filha são unidos, riem juntos, esforçam-se para estarem sempre perto uns dos outros, ao contrário da família da mansão, que quase nunca aparece reunida e que trata as pessoas como produtos descartáveis – demitir alguém que trabalha há anos para eles não provoca dor de cabeça. Aliás, vivem tão despreocupadamente, que acabam alheios à pobreza que os rodeia. A não ser que os miseráveis estejam debaixo de seu nariz. Ah, aí o preconceito vem à tona – a certa altura, o empresário do ramo da tecnologia reclama do "cheiro de rabanete velho" que sente quando precisa usar o metrô. Para quem viu a recente adaptação cinematográfica do seriado Downton Abbey, Parasita será uma espécie de contraponto. Se no filme britânico empregados brigam pela honra de servir a realeza, no filme sul-coreano pobres duelam entre si pela sobrevivência, mesmo que isso signifique subserviência, insalubridade e exploração de sua mão de obra. Se em Downton Abbey os patrões são amistosos, a ponto de a indiscrição de um valete gerar não mais do que um olhar de espanto, em Parasita o senhor do castelo deixa claro que há um fosso social a ser respeitado: "Não suporto pessoas que cruzam o limite".
4) A direção de arte e a fotografia
Os cenários e os enquadramentos foram bastante planejados para ilustrar e reforçar os pontos citados no item anterior. Os Kim moram todos apertados, isto é, estão muito próximos. A casa dos Park tem espaços abertos, quase vazios, simbolizando a falta de calor humano entre os integrantes da família. Merece destaque, como bem apontou o crítico Inácio Araújo na Folha de S.Paulo, o buraco negro que delimita, na mansão, o espaço dos ricos, o que inclui uma sala com ampla iluminação natural, e o dos pobres, subterrâneo e escuro. Estes últimos, em uma sequência importante, são mostrados em posição subalterna em relação aos primeiros. São como as baratas que rastejam no lar dos Kim.
5) O trabalho do elenco
Direção vigorosa, roteiro brilhante e competência técnica seriam desperdiçados se não houvesse atores que, a despeito de um idioma com o qual estamos pouco habituados, se comunicassem tão bem com o espectador. O jovem Choi Woo-sik, que encarna Ki-woo, será nossos olhos, cheios de esperança e de espanto. Park So-dam faz a cínica e esperta irmã, Ki-jung. Jang Hye-jin empresta dureza e dedicação à mãe, Chung-sook. Lee Sun-kyun e Jo Ye-jong, que interpretam o casal Park, cumprem muito bem seus papéis — ela como a mulher sonsa, ele como o homem insensível. Mas é de Song Kang-ho, um habituê dos filmes de Bong Joo-ho, o grande desempenho de Parasita. Na pele do pai dos Kim, Ki-taek, um sujeito aparentemente cansado pela vida, mas ainda conhecedor dos atalhos, Kang-ho profere o monólogo que parece sintetizar as consequências do apartheid social retratado pelo diretor – um tema que Joon-ho já havia abordado no drama pós-apocalíptico
O Expresso do Amanhã (2013), sua adaptação para uma história em quadrinhos francesa. Esse abismo, que não se restringe à Coreia do Sul, que pode ser observado em qualquer grande cidade brasileira, acaba por anular os sonhos e por produzir resignação.
— Se você faz um plano, a vida nunca funciona assim. O melhor plano é não ter planos — diz Ki-taek. — Sem planos, nada pode dar errado. Se algo fugir do controle, não importa.