Nunca houve um filme como Parasita. Pela primeira vez em 92 edições do Oscar, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood entregou a principal estatueta dourada a uma produção não falada em língua inglesa. Aplaudida demoradamente pelas estrelas reunidas no Teatro Dolby, em Los Angeles (Estados Unidos), na madrugada de segunda-feira (10), a vitória da Coreia do Sul consagrou uma trajetória iniciada oito meses atrás, quando o longa-metragem recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes, na França. De lá para cá, houve a aclamação da crítica, a conquista do público e mais uma porção de troféus de filme estrangeiro – entre eles, o Globo de Ouro e o da Associação dos Produtores. No Oscar, Parasita repetiu esse sucesso na categoria e também ganhou como melhor diretor e roteiro original. Acabou sendo o mais premiado da noite.
Parasita derrotou não só a História: superou também o favoritismo de 1917, que havia vencido importantes premiações prévias, concedidas por associações com peso no Oscar – como a dos Produtores (que coincidira com a Academia em 10 dos 12 anos anteriores), a dos Diretores e o Bafta –, além do Globo de Ouro de melhor drama.
O triunfo do cineasta Bong Joon-ho se explica pela primeira frase deste texto: nunca houve um filme como Parasita. Obviamente, não é a primeira obra a focar no fosso que separa os ricos e os pobres, nem a transição de gêneros (da comédia farsesca ao drama com crítica social, passando pelo thriller policial e flertando com o terror urbano) é algo inédito. O próprio diretor já havia demonstrado essa habilidade em títulos como O Hospedeiro (2006), uma ficção científica sobre monstros que se faz acompanhar por humor ácido e comentário político, e Okja (2017), que mescla fábula Disney, discurso ambientalista e sátira ao capitalismo globalizado. Mas a combinação de conteúdo e forma traz um frescor e um vigor únicos à história de uma família de desempregados que enxerga uma chance de ascensão quando o filho ganha a oportunidade de se passar por professor de inglês para a filha adolescente de um casal rico.
Joon-ho, 50 anos, subiu quatro vezes ao palco – ele é coautor e coprodutor. Na primeira vez, ao ganhar a estatueta de roteiro original, festejou o primeiro Oscar da história da Coreia do Sul. Quando Parasita foi anunciado como melhor filme internacional, o cineasta celebrou a mudança do nome da categoria, que antes se chamava melhor filme estrangeiro.
— Aplaudo a Academia pela nova direção que essa mudança simboliza. E, agora, estou pronto para beber alguma coisa — brincou.
Mais tarde, ao receber das mãos do cineasta Spike Lee o troféu de melhor diretor, fez um chiste (“Pensei que iria relaxar...”) antes de emocionar a plateia:
— Quando eu era mais jovem, seguia um ditado: “Se eu for mais fundo no meu coração, serei mais criativo”. Essa frase é de Martin Scorsese (que concorria ao prêmio por O Irlandês). Estudei os filmes de Martin na juventude, e ser indicado já foi uma grande honra.
O sul-coreano também elogiou Quentin Tarantino, de Era uma Vez em Hollywood, Todd Phillips, de Coringa, e Sam Mendes, de 1917, jogando um pouco para a torcida:
— Se a Academia permitir, gostaria de serrar o troféu e dividir com todos. Muito obrigado. Agora vou beber até amanhã!
Mas Joon-ho ainda teria de subir mais uma vez ao palco. Nitidamente surpreso, o cineasta se esquivou do centro. Com uma mão no rosto e a outra no Oscar, deixou a coprodutora Kwak Sin-ae fazer o discurso de agradecimento por uma façanha da qual outros 10 filmes haviam chegado perto. Entre eles, Roma (2018), que valeu ao mexicano Alfonso Cuarón os troféus de diretor, fotografia e filme estrangeiro. A lista inclui A Grande Ilusão (1937), do francês Jean Renoir, Z (1970), do grego Costa-Gavras, A Vida É Bela (1998), do italiano Roberto Benigni, O Tigre e o Dragão (2000), do taiwanês Ang Lee, e Amor (2012), do austríaco Michael Haneke.
Agora, uma barreira – a das legendas – foi quebrada. O Oscar fala coreano – tanto em cena quanto na própria cerimônia de premiação: com a companhia de uma intérprete, Bong Joon-ho discursou sempre na sua língua.