Ao relembrar em uma coluna recente o Coringa de Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008), foi inevitável lamentar, mais uma vez, a partida precoce de Heath Ledger. Uma coisa levou à outra: logo estava sentindo a falta de outros dois grandes atores que morreram antes da hora — se é que existe hora para morrer: Philip Seymour Hoffman e Robin Williams.
Embora inesperadas, essas mortes foram, em retrospecto, anunciadas. Os três atores eram assombrados pela depressão e pela dependência química — overdoses acidentais de drogas causaram as mortes de Ledger e Hoffman, enquanto Williams tirou a própria vida.
Um era jovem, tinha uma imensa carreira pela frente. O outro não tinha nem 50 anos. E o terceiro, sessentão, já tinha um passado inteiro pelo qual se orgulhar. Os três deixaram atuações memoráveis e uma saudade tremenda.
Heath Ledger (1979-2008)
Quem viu o australiano como o rebelde com alma de 10 Coisas que Eu Odeio em Você (1999) sentiu que estava diante de uma energia diferente. Dali em diante, Heath Ledger galvanizaria a atenção sempre que surgisse em cena, fosse qual fosse o gênero e a despeito da qualidade do filme: do controverso O Patriota (2000) a Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008), que lhe valeu o Oscar póstumo de ator coadjuvante, da aventura medieval Coração de Cavaleiro (2001) a Não Estou Lá (2007), em que vive uma das personas do cantor e compositor Bob Dylan, do polêmico A Última Ceia (2001) a Candy (2006), um título subestimado e certamente pouco visto. Aliás, agora me dei conta de como a tragédia e a autodestruição estavam sempre presentes nos papéis de Ledger, que morreu com apenas 28 anos.
Difícil escolher um só desempenho, mas fico com o de O Segredo de Brokeback Mountain (2005), pelo qual concorreu ao Oscar de melhor ator. Sob direção de Ang Lee, seu Ennis del Mar é um personagem inesquecível, um trabalhador rural que engole suas palavras para tentar engolir junto seus sentimentos em relação ao caubói de rodeio Jack Twist. Ennis é um homem que se esconde dos outros e de si mesmo, mas, quando enfim está sozinho, permite-se um gesto delicado e doído como aquele afago na jaqueta jeans que Jack costumava usar. Arrepiante.
Philip Seymour Hoffman (1967-2014)
Você lembra dele em Perfume de Mulher (1992)? Eu lembro. Era uma ponta, como um personagem desprezível, mas de alguma forma cativante.
Philip Seymour Hoffman encarnaria outros desses tipos, pessoas que nos provocavam asco ou pena, que transitavam entre o grotesco e o ridículo, em filmes poderosos como Boogie Nights (1997), Felicidade (1998), Magnólia (1999), O Talentoso Ripley (1999) e A Família Savage (2007). Acho que nunca fez um mocinho, e encarnou vilões ou tipos bem ambíguos em seus raros blockbusters — Missão: Impossível 3 (2006) e a franquia Jogos Vorazes (morreu antes de filmar suas últimas cenas, aos 46 anos). Concorreu ao Oscar de coadjuvante três vezes, por Jogos do Poder (2007), Dúvida (2008) e O Mestre (2012), e ganhou a estatueta de melhor ator por Capote (2005).
Mas o papel que mais me marcou é o de Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto (2007, disponível no Google Play, no Looke e no YouTube), porque este filme de Sidney Lumet é uma dessas pequenas joias que talvez não tenham o amplo reconhecimento merecido. O ator interpreta Andy, que convence o irmão, Hank (Ethan Hawke), a assaltar a joalheria do pai, Charles (Albert Finney), o que seria a solução de seus problemas financeiros e também a oportunidade de um acerto de contas afetivo com o velho. Neste filme engenhoso, com narrativa elíptica, Hoffman tem uma atuação magnífica como um sujeito que é um poço de inadequação e ressentimento, insegurança e ilusão.
Robin Williams (1951-2014)
Todo mundo tem seu Robin Williams favorito, embora não falte gente que torça o nariz para o ator morto aos 63 anos. Culpa, provavelmente, do seu jeitão histriônico, característica que o talhou para estrelar comédias como a deliciosa Uma Babá Quase Perfeita (1993), a refilmagem do clássico francês A Gaiola das Loucas (1996) e emprestar sua voz a animações — seu Gênio da Lâmpada em Aladdin (1992) inclusive rendeu um Globo de Ouro especial. Mas muitos diretores perceberam que havia uma carga dramática muito interessante. Não à toa, disputou o Oscar de melhor ator por Bom Dia, Vietnã (1987), Sociedade dos Poetas Mortos (1989) e O Pescador de Ilusões (1991), e sua única estatueta, a de coadjuvante, veio por Gênio Indomável (1997).
Williams fez vários outros dramas pelos quais eu tenho carinho, como Tempo de Despertar (1990) e Amor Além da Vida (1998), mas quero destacar um suspense em que ele esteve do outro lado do bem e especialmente contido — não, não é Insônia (2002), de Christopher Nolan, em que contracenou com Al Pacino e Hilary Swank. Trata-se de Retratos de uma Obsessão, também lançado em 2002, por Mark Romanek. Ali, o ator encarna Seymour Parrish, funcionário cinquentão do quiosque de revelações instantâneas de uma grande loja de departamentos. Solitário e opaco, o homem elege uma família feliz para ser a "sua": faz uma cópia a mais de cada foto, para alimentar sua fantasia. Na pele de vilão, Williams derrubou o preconceito de que era vítima: a quem só o via como bufão e bonzinho, revelou uma faceta minimalista e macambúzia. Sem apelar para a histeria, perturbou.