Toda lista tem ausências e presenças discutíveis. A que eu preparei para marcar o Dia do Orgulho LGBT+, celebrado neste domingo (28), tem um, digamos, agravante, pois não sou homossexual – se deixei de fora algum filme ou ícone considerado obrigatório, se incluí algo renegado pela comunidade, peço desculpas. Ou foi por espaço, ou foi por desatenção. Mas não faltou afeto nem pesquisa.
Para chegar a este A a Z, misturei a memória de títulos que vi em diferentes fases da vida com a consulta a seleções semelhantes. Em nome da diversidade também geográfica, procurei dar uma volta pelo mundo, destacando produções do Brasil, da Argentina, dos Estados Unidos, da Espanha, da França, da Inglaterra, de Hong Kong...
Da mesma forma, tentei elencar gêneros cinematográficos distintos: tem drama de época, tem comédia romântica adolescente, tem filme de formação, tem cinebiografia, tem até policial... E, como não poderia deixar de ser em uma celebração ao amor livre, o alfabeto não é ortodoxo: algumas letras correspondem a obras, outras, a realizadores ou artistas, ou ainda a personagens e mesmo frases.
Bem, chega de explicações. Aqui está a lista – indiquei no texto se os filmes estão disponíveis em plataformas, mas talvez não tenha procurado direito todos.
A de Alex Strangelove. Um jovem (Daniel Doheny) está decidido a perder a virgindade com a namorada, mas tudo muda quando ele conhece um outro rapaz, Elliot. Lançada em 2018, a comédia romântica de Craig Johnson está em cartaz na Netflix.
B de Brokeback Mountain. É a montanha onde o vaqueiro Ennis del Mar (Heath Ledger) e o caubói de rodeio Jack Twist (Jake Gyllenhaal) vivem um romance em segredo. O Segredo de Brokeback Mountain (2005) ganhou três Oscar (melhor direção, para Ang Lee, roteiro adaptado e trilha sonora), concorreu a outros cinco e pode ser visto no Telecine Touch domingo, às 19h40min.
C de Carol. Diretor de Velvet Goldmine (1995) e Longe do Paraíso (2002), o americano Todd Haynes assinou, em 2015, este drama sobre uma mulher rica casada (Cate Blanchett) e uma balconista (Rooney Mara) que se apaixonam na conservadora década de 1950. O filme concorreu a seis Oscar e está disponível na Netflix.
D de Day-Lewis, Daniel. Em um de seus primeiros papéis de destaque, no filme Minha Adorável Lavanderia (1985), o grande ator inglês viveu o punk Johnny, que já marchou contra os imigrantes e já empunhou a bandeira dos supremacistas, mas acaba se envolvendo amorosamente com um jovem de família paquistanesa. Disponível no Now, tem direção de Stephen Frears e foi indicado ao Oscar de melhor roteiro.
E de Elisa & Marcela. Outro romance proibido entre duas mulheres, agora baseado em uma história real. Elisa (Natalia de Molina) adotou identidade masculina para poder se casar com Marcela (Greta Fernandez) na Espanha de 1901. Com direção de Isabel Coixet, está em cartaz na Netflix.
F de Filadélfia. Não foi o primeiro filme sobre aids e homofobia a contar com um amplo lançamento nos cinemas americanos – esta honra é atribuída a Meu Querido Companheiro (1989), de Norman René. Mas o longa dirigido por Jonathan Demme em 1993 ganhou mais projeção. Tom Hanks recebeu o Oscar como um advogado gay que é demitido de uma firma prestigiada por estar doente. Denzel Washington interpreta o advogado homofóbico que vai levar seu caso ao tribunal. Também venceu o Oscar de melhor canção – Streets of Philadelphia, de Bruce Springsteen, que tinha entre os concorrentes outra música do filme, Philadelphia, de Neil Young. O Google Play exibe.
G de Glen ou Glenda?. Escrito, dirigido e estrelado por Ed Wood – aquele que é considerado o pior cineasta de todos os tempos –, este filme de 1953 aborda os temas do travestismo e da transexualidade. Tim Burton contou a história do diretor em Ed Wood (1994), disponível no Google Play.
H de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho. Premiado no Festival de Berlim de 2015, conta a história de um adolescente cego, Leonardo (Guilherme Lobo), que tenta lidar com a mãe superprotetora ao mesmo tempo em que descobre mais sobre sua sexualidade. O filme de Daniel Ribeiro faz parte do catálogo da Netflix.
I de Ivory, James. Cineasta americano de 92 anos que ficou associado a dramas de época na Inglaterra, tem no currículo filmes como Maurice (1987), em que Hugh Grant interpreta um universitário rico que, na Cambridge de 1909, confessa sua atração sexual pelo personagem título. Ivory, que durante anos escondeu do grande público sua relação com o produtor Ismail Merchant (1936-2005), ganhou o Oscar de roteiro adaptado por Me Chame pelo seu Nome (2017), drama sensível sobre a paixão entre um adolescente (Timothée Chalamet) e um rapaz mais velho (Armie Hammer).
J de Jarman, Derek. Cineasta inglês morto em 1994, aos 52 anos, em decorrência da aids. Celebrizado por adicionar elementos contemporâneos a obras de época, adotou uma perspectiva homoerótica ao revisitar a história do pintor italiano Caravaggio no filme homônimo, de 1986, e, em Eduardo II (1991), acentuou o conteúdo homossexual da peça de Christopher Marlowe do século 16.
K de Kier, Udo. Visto recentemente em Bacurau, o ator alemão é um ícone da comunidade LGBT+.
L de Laerte-se. Em cartaz na Netflix, o documentário (2017) de Eliane Brum e Lygia Barbosa da Silva enfoca a longa trajetória de autoaceitação, como mulher, da cartunista Laerte.
M de Minha Vida em Cor-de-Rosa. Neste delicado filme de 1997 dirigido pelo belga Alain Berliner, um menino de sete anos (Georges du Fresne) escandaliza os convidados de um churrasco ao aparecer vestido como menina. A situação provoca embaraços para os pais, novos no condomínio ao qual querem se integrar.
N de "Ninguém é perfeito!". Uma das mais famosas frases do cinema, encerra de forma perfeita a comédia Quanto Mais Quente Melhor (1959), de Billy Wilder. Descrever a cena é tirar a graça. Peça o DVD emprestado para um amigo.
O de Oscar. Em 2017, Moonlight tornou-se a primeira obra LGBT+ a ganhar da Academia de Hollywood a estatueta de melhor filme (também ganhou em ator coadjuvante, para Mahershala Ali, e roteiro adaptado). Disponível na Netflix, o longa de Barry Jenkins acompanha três fases da vida do protagonista: na infância, na adolescência e como um jovem adulto. Na sua acidentada trajetória, tem de lidar com o preconceito – a sexualidade que o personagem está descobrindo e que mal compreende é rejeitada por sua comunidade.
P de Pepi, Luci e Bom. Lançado em 1980, marcou a estreia de Pedro Almodóvar como diretor. O cineasta espanhol abordou o tema da homossexualidade – de modo aberto, por vezes com humor, não raro com sofrimento – em filmes como Tudo Sobre Minha Mãe, Má Educação e o autobiográfico Dor e Glória (consulte no Google Play).
Q de Quebrada, Linn da. A cantora transexual paulistana é estrela do documentário Bixa Travesty (2018), de Claudia Priscilla e Kiko Goifman.
R de Retrato de uma Jovem em Chamas. Foi um dos grandes filmes exibidos nos cinemas do Brasil antes de a pandemia obrigar o fechamento das salas. Vencedor do troféu de melhor roteiro no Festival de Cannes de 2019, o drama da francesa Céline Sciamma se passa em 1770, em uma ilha da Bretanha. Marianne (Noémie Merlant) é uma jovem pintora contratada para fazer o retrato de Héloïse (Adéle Haenel), uma moça que acaba de ser retirada de um convento e está prometida pela mãe a um cavalheiro de Milão. Tem no Google Play.
S de Satã, Madame. O filme homônimo de 2002 alçou Lázaro Ramos, que vive um mito da boemia carioca, João Francisco dos Santos (1900-1976). Negro, pobre e homossexual, também foi pai adotivo, capoeirista, cozinheiro, artista e presidiário. Inventou para si personagens como Mulata do Balacoché, Jamacy, a Rainha da Floresta, Gato Maracajá e Madame Satã – nome que sintetiza sua dualidade: era feminino e sofisticado, masculino e violento. O roteiro e a direção são de Karim Aïnouz.
T de Tadzio. Interpretado por Bjorn Andresen, é o adolescente que perturba o compositor Gustav von Aschenbach (Dirk Bogarde), em férias com a família, na versão de Luchino Visconti (1971) para o clássico Morte em Veneza, do escritor alemão Thomas Mann. Pode ser visto no Google Play.
U de Um Dia de Cão. Um filme de assalto a banco? Sim: neste clássico de Sidney Lumet lançado em 1975, Al Pacino planeja o roubo para poder financiar a cirurgia de mudança de sexo da namorada (Chris Sarandon) de um parceiro de crime. Para a época, foi um lance ousado. Deu certo: conquistou o Oscar de roteiro original e disputou os prêmios de filme, diretor, ator, ator coadjuvante e montagem. Google Play. (Em uma linha semelhante, aqui vai uma dica extra: Plata Quemada, policial do argentino Marcelo Piñeyro sobre dois bandidos que são amantes.)
V de Van Sant, Gus. Ativista, o cineasta americano de 67 anos realizou Garotos de Programa (1991), estrelado por Keanu Reeves e River Phoenix, e Milk: A Voz da Igualdade (2008), sobre o primeiro homossexual declarado a ser eleito para um cargo público na Califórnia, nos 1970. Este longa concorreu a oito Oscar, incluindo melhor filme e diretor – venceu nas categorias de ator (Sean Penn) e roteiro original. Está disponível no Google Play.
W de Wu, Alice. É a diretora de Você nem Imagina (2020), uma comédia dramática adolescente lançada recentemente pela Netflix. Chinesa que mora em uma cidadezinha nos EUA, Ellie Chu (Leah Lewis) é apaixonada por Aster Flores (Alexxis Lemire), uma garota que namora, mas meio que por inércia, o cara mais popular do colégio. Inteligente e habilidosa com as palavras, Ellie é contratada por um colega, Paul Munsky (Daniel Diemer), para escrever uma carta de amor justamente para Aster.
X de XXY. A argentina Lucia Puenzo dirige este drama sobre uma jovem intersexual (Inés Efron) criada como garota. Na adolescência, ao explorar sua sexualidade, ela depara tanto com hostilidade quanto com compaixão. Ganhou quatro prêmios no Festival de Cannes de 2007, tem no elenco Ricardo Darín e está em cartaz na Netflix.
Y de Yiu-fai, Lai. Confesso que aqui eu tive de forçar amizade, mas foi o jeito de encontrar um representante para a letra Y. Trata-se do nome completo do personagem vivido por Tony Leung Chiu-wai em Felizes Juntos (1997), drama do cineasta Wong Kar-wai sobre dois homens que fogem de Hong Kong para a Argentina.
Z de Zandvliet, Ko. É um dos atores de Boys (2014), filme holandês de Mischa Kamp sobre dois atletas adolescentes – eles correm o revezamento – que, certo dia, acabam se beijando. Disponível no Google Play.