Autora de Pacto Sinistro (1950) e O Talentoso Ripley (1955), Patricia Highsmith volta a ganhar uma adaptação cinematográfica digna de sua obra complexa e recheada de grandes personagens. Carol, que estreia nesta quinta-feira nos cinemas brasileiros, é um livro de carga pessoal, que a autora conhecida pelos thrillers psicológicos assinou com pseudônimo (Claire Morgan) em 1952, dado o tema, à época, polêmico - a homossexualidade.
Na verdade, é redutor afirmar que a história de Carol Aird (Cate Blanchett) e Therese Belivet (Rooney Mara) fala apenas sobre esse assunto. Trata-se de um romance de costumes que confronta, de maneira mais ampla, as idiossincrasias de seu tempo - a persistência de uma retrógrada moral religiosa e familiar, acima de tudo.
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Com o recorde de indicações ao Globo de Ouro (cinco), o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes (para Rooney Mara) e a expectativa de aparecer em destaque no anúncio dos concorrentes ao Oscar (na manhã desta quinta), o filme tem a direção segura e delicada de Todd Haynes, realizador de Velvet Goldmine (1998) e Não Estou Lá (2007) que já havia abordado o universo de preconceito e falsas aparências dos EUA dos anos 1950 em Longe do Paraíso (2002).
Em Carol, é curioso notar que, se há uma única protagonista, ela não é a personagem-título, e sim Therese, jovem vendedora de uma loja de departamentos (emprego que Patricia Highsmith teve na juventude) que se encanta por uma misteriosa cliente loira que esquece as luvas em seu balcão às vésperas do Natal. É pelos olhos de Therese que vemos a turbulência vivida por Carol, mãe de uma menina que ousa não amar mais o marido (Kyle Chandler) e lutar contra um casamento de conveniência.
A partir de códigos visuais, no entanto, Haynes contempla a reciprocidade da relação. Therese usa roupas de cores fortes, que contrastam com os tons pastel dos cenários criados por Jesse Rosenthal e fotografados por Edward Lachman. É uma forma de indicar que, para Carol, a jovem também representa novidade, revigoração. Vida.
A montagem é igualmente compe­tente, sobretudo pelas transições entre ambi­entes diferentes - as imagens dos trens, logo no início, são exemplares nesse sentido. O roteiro de Phyllis Nagy se destaca pelo uso de elipses, principalmente no último ato, quando tudo se acelera rumo ao desfecho - os saltos na trama atendem ao desejo de quem, àquela altura, já está ansioso para saber como a história termina.
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A narrativa é envolvente a ponto de enredar até quem já conhece o romance - seu final é célebre, apontado como um sopro de otimismo em meio ao conservadorismo vigente. Mas, se há uma força motriz a conduzir o espectador pelas aventuras de Carol e Therese, ela responde pelo nome das duas atrizes. Na bela composição de Cate Blanchett, a voz empostada e a postura elegante e madura só escondem a inquietação juvenil à primeira vista. Da mesma forma, o mergulho na personagem de Rooney Mara é revelador de uma personalidade rica, empolgada e reticente, realista e sonhadora, que não se entrega por inteiro na fachada.
Essa capacidade de nuançar pessoas e lugares, explorando e às vezes aprofundando elementos do livro a partir dos recursos da linguagem do cinema, faz de Carol um filme especial. Um dos melhores da temporada em Hollywood.
Carol
De Todd Haynes
Drama, EUA/Grã-Bretanha, 2015, 118min.
Estreia nesta quinta-feira nos cinemas.
Cotação: muito bom.
Preste atenção
O romance que deu origem a Carol, o filme, foi lançado originalmente como The Price of Salt, em 1952. Segundo livro de Patricia Highsmith (1921 - 1995), já estava disponível no Brasil pela editora L&PM em versão pockett. Agora, ganhou nova edição pelo mesmo selo, com 312 páginas, ao preço de R$ 39,90. A tradução é de Roberto Grey.