Vi o mais recente especial de comédia de Dave Chappelle na Netflix, The Closer (Encerramento, na tradução brasileira), que causou protestos por conta do tipo de humor. Inclusive dentro da plataforma de streaming: uma paralisação com cerca de mil empregados está marcada para esta quarta-feira (20) nos Estados Unidos.
O motivo? Boa parte dos 70 minutos do show de humor lançado no começo de outubro são dedicados a piadas sobre homossexuais, a comunidade trans e o movimento feminista.
Que o estadunidense Chappelle, 48 anos, sabe escrever e sabe entreter uma plateia não discuto. Sua riqueza, sua fama e seus cinco prêmios Emmy atestam.
Mas achar graça é outra história.
O que o comediante faz pode ser encarado como provocador nos tempos do politicamente correto e da cultura do cancelamento. Ou pode ser encarado como simplesmente ultrapassado — praticamente conservador.
São as velhas piadas sobre minorias, sobre grupos que convivem com a exclusão e o preconceito. Lembram de quando anões e pessoas com deficiência eram alvo da ridicularização? É parecido, só mudam os personagens. A intolerância é travestida de deboche.
Alguém vai dizer: "Ai, quanto mimimi, no meu tempo não era assim...". Faço minhas as palavras da cartunista Laerte em entrevista concedida a GZH em junho de 2016: "O humorista precisa lidar hoje com uma situação em que setores da sociedade que recebiam discursos agressivos e ridicularizadores com muita passividade não estão mais passivos. Aquilo que o Renato Aragão falou, de que antigamente se falava de preto e de veado e não havia problema algum... Claro que havia! Tinha problema sim, mas naquela época as pessoas achavam que não podiam reagir. Hoje podem. Isso não é um problema. Isso é bom".
E claro que há um complicador: Dave Chappelle é um humorista negro nos Estados Unidos. Portanto, ele também representa uma minoria, e uma minoria bastante oprimida. Evidentemente, ataca a escravidão, o racismo e suas consequências. A certa altura, brinca que a população negra sente inveja da comunidade LGBTQIA+, por supostamente ter conquistado mais em menos tempo.
Com seu humor homofóbico e transfóbico, Chappelle parece separar inapelavelmente a causa negra da causa LGBTQIA+. É como se invisibilizasse negros e negras que são gays, lésbicas, bissexuais, trans. Tanto que afirma:
— Meu problema sempre foi com pessoas brancas. Gays são minoria até a hora em que precisam ser brancos de novo.
Em um dos momentos mais controversos, o humorista estadunidense se alinha à escritora britânica J.K. Rowling, que entende gênero como um "fato", ou seja: o que vale é o sexo biológico, se você nasceu menino ou menina — contrariando muitos estudos contemporâneos sobre gênero e identidade sexual. Chappelle diz que, como a autora de Harry Potter, integra o "time TERF" (acrônimo de "feminista radical trans-excludente"). E compara:
— Estas mulheres olham para as mulheres trans como os negros olham para o blackface: é uma imitação. Não estou dizendo que não é uma vagina (...), mas não é sangue, é suco de beterraba.