Gosta de tênis? Então não deixe de ver na Netflix o episódio da série documental Untold chamado Breaking Point — ou Federer x Fish, como aparece no menu brasileiro, um título que acaba se revelando cruelmente irônico.
Desenvolvida pelos mesmos criadores de Wild Wild Country (2018), Chapman Way e Maclain Way, e lançada entre agosto e setembro, Untold foca em histórias controversas e personagens marcantes do esporte. Hoje com 39 anos, o ex-tenista estadunidense Mardy Fish é um símbolo do processo de desestigmatizar os problemas de saúde mental entre atletas — trata-se de um predecessor da ginasta Simone Biles, que jogou holofotes sobre o assunto ao abrir mão de competições nas Olimpíadas de Tóquio. O episódio de Fish é o quinto e último. Antes vieram Briga na NBA, sobre o confronto entre jogadores do Indiana Pacers e do Detroit Pistons e torcedores; Pacto com o Diabo, que reconstitui a maior luta da boxeadora Christy Martin fora dos ringues, Caitlyn Jenner, sobre a carreira olímpica e a transformação da atleta campeã do decatlo nos Jogos de 1976, em Montreal, e Crimes e Infrações, que aborda o envolvimento da máfia com um time de hóquei.
O ponto de partida de Breaking Point é a crise de ansiedade que Fish sofreu em 2012, a caminho de um importante jogo contra Roger Federer no Aberto dos EUA, um dos quatro torneios do chamado Grand Slam. A partir daí, o documentário de 79 minutos dirigido pelos irmãos Way empreende um grande recuo no tempo para recuperar o início da carreira de Fish — que foi, também, o início da carreira de Andy Roddick, 39 anos, ex-número 1 do mundo. Os dois viraram amigos quando eram guris, e na adolescência Fish chegou a morar na casa dos Roddick, quase como uma espécie de sparring de luxo, já que o futuro de Andy parecia mais promissor.
Breaking Point acompanha as duas trajetórias, mostrando como havia uma pressão para que surgisse um novo tenista estadunidense que seguisse os passos de nomes como John McEnroe, Jimmy Connors, Andre Agassi e Pete Sampras — só faltou combinar com os suíços (Federer), os espanhóis (Rafael Nadal) e os sérvios (Novak Djokovic).
As entrevistas concedidas por Fish e Roddick são envolventes, reveladoras, emocionantes e, por vezes, chocantes — como quando o primeiro recorda a atitude vil que empregou em um torneio. Os altos e baixos da dupla podem não surpreender quem acompanha o mundo do tênis desde o início do século 21, mas é sempre interessante quando a passagem do tempo permite aos personagens exercerem um olhar distanciado e crítico/autocrítico dos fatos que protagonizaram ou testemunharam.
Ao mergulhar no passado e na intimidade de Fish e Roddick, o documentário ilustra como o tênis é um dos mais desgastantes esportes no campo da saúde mental. Os atletas lidam com pressões de todos os lados (treinadores, imprensa, família, patrocinadores, etc.), desde muito cedo — Fish conta que o pai de Roddick os acordava às cinco horas da manhã. Ao esforço e à resistência física que as partidas exigem (as de Grand Slam podem chegar a cinco sets e durar quatro, cinco horas), precisam aliar concentração férrea e estratégias de xadrez. Vide as lembranças de Fish e Roddick sobre um duelo que travaram: "Ele sabe que minha direita é a pior, então deve sacar na minha direita", rememora Fish. "Mas ele sabe que sei disso, então deve sacar na minha esquerda. Mas ele sabe que eu sei que ele sabia o que eu sabia."