Nova plataforma de streaming da Disney, o Star+ resgatou do limbo digital As Sessões (2012), filme que valeu a Helen Hunt uma indicação ao Oscar de melhor atriz coadjuvante.
Se você nunca viu, convém avisar: pode ser que provoque uma sensação de déjà vu. Afinal, guarda pelo menos quatro semelhanças com três títulos anteriores: Meu Pé Esquerdo (1989), de Jim Sheridan, Mar Adentro (2004), de Alejandro Amenábar, e O Escafandro e a Borboleta (2007), de Julian Schnabel — o único também disponível no streaming, no Amazon Prime Video.
1) São todos filmes baseados em histórias reais.
As Sessões retrata o poeta estadunidense Mark O'Brien (1949-1999). Os outros, respectivamente, versam sobre as vidas do pintor e escritor irlandês Christy Brown (1932-1981), do marinheiro e poeta espanhol Ramón Sampedro (1943-1998) e do jornalista francês Jean-Dominique Bauby (1952-1997).
2) São todas histórias extraordinárias de superação, protagonizadas por mentes inquietas presas em corpos inertes.
Mark O'Brien contraiu poliomielite quando tinha seis anos e passou o resto de sua existência dependente de um pulmão de ferro, capaz de mexer apenas a cabeça — o que não o impediu de formar-se pela Universidade da Califórnia e de, já quase um quarentão, empreender esforços, físicos e espirituais, para perder a virgindade.
Christy Brown nasceu com paralisia cerebral — o único membro que podia movimentar era seu pé esquerdo, com o qual aprendeu a pintar e a usar a máquina de escrever.
Ramón Sampedro ficou tetraplégico aos 25 anos, ao mergulhar de um rochedo à beira-mar e bater a cabeça — limitado a uma cama, redigiu de caneta na boca as Cartas do Inferno e lutou pelo direito à eutanásia.
Jean-Dominique Bauby era o editor da revista francesa Elle quando, aos 43 anos, sofreu um AVC e entrou em coma. Ao despertar, descobriu que tudo o que conseguia fazer era piscar o olho esquerdo — por meio de um método desenvolvido por uma fonoaudióloga," ditou" suas memórias.
3) Todos os filmes trazem atuações fantásticas.
Por Meu Pé Esquerdo, Daniel Day-Lewis ganhou seu primeiro Oscar. Javier Bardem saiu do Festival de Veneza com a Copa Volpi de melhor ator por Mar Adentro. Mathieu Amalric levou o César, o principal troféu do cinema francês, por O Escafandro e a Borboleta. John Hawkes, o Mark O'Brien de As Sessões, concorreu ao Globo de Ouro e ao prêmio do Sindicato dos Atores dos EUA, mas foi (injustamente) preterido na lista do Oscar, festa para o qual já tinha sido convidado de honra em 2011, como indicado a ator coadjuvante por Inverno da Alma.
4) São quatro filmaços, daqueles que nos comovem desde a primeira cena.
E que reafirmam o poder da essência cinematográfica — a montagem, a justaposição de imagem e som, a capacidade de, em uma fração de segundos, sermos levados do presente ao passado, do macro ao micro, da realidade ao imaginário, da reminiscência ao futuro.
Mas há uma diferença crucial entre As Sessões e seus três predecessores: a leveza.
Meu Pé Esquerdo, Mar Adentro e O Escafandro e a Borboleta nos faziam sofrer com seus protagonistas, provocavam angústia.
O tom do filme dirigido por Ben Lewin — ele próprio uma vítima da poliomielite — é mais doce e bem-humorado.
De formação católica, O'Brien, antes de iniciar sua busca pelo sexo, pede uma espécie de passe livre ao padre Brendan (o sempre agradável de assistir William H. Macy). Será a ele que o personagem confidenciará seus avanços e retrocessos com a terapeuta sexual (papel de Helen Hunt).
Ainda que a música composta por Marco Beltrami por vezes resvale para a pieguice, nem o filme nem o protagonista se entregam à autocomiseração. Pelo contrário: o espirituoso O'Brien parece muito mais forte do que seus interlocutores — muito mais forte do que seus espectadores.