Os cinéfilos de Porto Alegre, sobretudo aqueles alinhados aos diretores franceses e aos críticos daquele país, têm um compromisso imperdível a partir desta quinta-feira (16). Com sessões às 19h, a Cinemateca Capitólio exibe Misericórdia (Miséricorde, 2024), filme escrito e dirigido por Alain Guiraudie que foi escolhido o melhor do ano passado pela prestigiada revista parisiense Cahiers du Cinèma.
O pódio do top 10 é completado por Segredos de um Escândalo, do estadunidense Todd Haynes, e Na Água, do sul-coreano Hong Sang-soo. Vencedor do Oscar internacional, Zona de Interesse, do britânico Jonathan Glazer, ficou em quarto lugar, e Tudo que Imaginamos como Luz, da indiana Payal Kapadia, ocupou a quinta colocação. Os demais filmes são Os Delinquentes, do argentino Rodrigo Moreno, O Mal Não Existe, do japonês Ryûsuke Hamaguchi, Ma Vie, ma Gueule, da francesa, Sophie Fillières, Armadilha, de M. Night Shyamalan, e Ao Contrário, do espanhol Jonás Trueba.
Nascido em 1964, Guiraudie já é figurinha carimbada nas listas da Cahiers du Cinèma. Em 2009, O Rei da Fuga apareceu na oitava posição. Em 2013, Um Estranho no Lago também foi eleito o melhor filme do ano. Disponível no Telecine, o título sobre um jovem gay que se apaixona por um possível assassino ganhou dois prêmios no Festival de Cannes: o troféu de melhor direção na mostra Um Certo Olhar e a Palma Queer. No top 10 de 2016, Na Vertical ficou em sétimo lugar. Em 2022, Viens je t'Emmène foi o nono.
Misericórdia é protagonizado por Félix Kysyl. Seu personagem, Jérémie, que há 10 anos mora em Toulouse, no sul da França, regressa à cidadezinha natal para o funeral do antigo patrão, o padeiro local. Lá, decide ficar uns dias hospedado na casa da viúva, Martine, papel de Catherine Frot, vencedora do César de melhor atriz por Marguerite (2015).
A presença de Jérémie causa estranheza na comunidade, embora ele seja bem recebido por Martine. Alguma coisa no passado minou sua relação com o filho do falecido, Vincent (Jean-Baptiste Durand), por exemplo. O vizinho Walter (David Ayala) prefere evitá-lo. Já o padre Philippe (Jacques Develay, roubando a cena) parece estar sempre seguindo o protagonista durante seus passeios no bosque.
Jérémie tem todos os motivos para ir embora, mas algo o impede de partir — o desejo sexual? O flerte com o perigo? A busca por uma espécie de perdão?
O desenvolvimento da trama suscita perguntas na cabeça do público. Algumas serão respondidas, outras talvez não. Um dos enigmas a desvendar é o próprio gênero de Misericórdia: é um filme policial? É sobre um romance proibido? É um drama sobre segredos de família? É uma comédia absurda? É uma reflexão sobre culpa e castigo?
Essa fricção constante é um dos trunfos de Misericórdia. Outro é o estilo naturalista da direção de Alain Guiraudie: ele jamais apressa o passo ou sobe o tom, mesmo diante de situações que em outras mãos poderiam provocar choque, e isso torna tudo mais desconcertante. A impassibilidade de Jérémie também desnorteia, assim como alguns monólogos, vide o do padre quando diz que "precisamos de mais mortes inesperadas, de assassinatos". Tateamos as cenas porque nunca sabemos o que vem pela frente, pois este é um filme em que, felizmente, os personagens sabem mais do que os espectadores.
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